Acampamento Terra Livre Regional e Carta-manifesto de Altamira
Nesta quinta feira, 12, terminou em Altamira o Acampamento Terra Livre (ATL) Regional Amazônia, evento que reuniu cerca de 400 indígenas – das etnias Juruna, Xipaya, Arara da Volta Grande, Kuruaia e Xicrin da região de Altamira, Guajajara, Gavião, Krikati, Awa Guajá, Kayapó, Tembé, Aikeora, Suruí, Xavante, Karintiana, Puruborá, Kassupá, Wajapi, Karajá, Apurinã, Makuxi, Nawa AC, Mura do AM, Tupaiu, Borari, Tapuia, Arapiuns, Pataxó, Tupiniquim, Javaé, Kaingang, Xucuru, Marubu, Maiuruna e Mundukuru, ribeirinhos, pequenos agricultores e atingidos por barragens da Bacia do Xingu.
Encontro preparatório para o Acampamento Terra Livre nacional, maior evento anual das organizações e populações indígenas do país (que ocorre nos próximos dias 16 a 20 de agosto em Campo Grande, MS), o ATL regional focou as discussões sobre os processos de resistência à construção da hidrelétrica de Belo Monte, selando uma articulação de luta contra a usina entre indígenas, pequenos agricultores, ribeirinhos e movimentos sociais.
Segundo o cacique Raoni Metuktire Kayapó, que tem lutado contra as hidrelétricas no rio Xingu há mais de 30 anos, o encontro foi histórico. “Se houvesse sempre essa união que estamos vendo aqui, nossa luta seria muito mais fortes. Nossos ancestrais moravam aqui nesta região, por isso, unidos, temos que lutar por nossos direitos e os de nossos descendentes. Vamos ter que nos preparar para que o homem branco nos respeite. Eu estou vivo, forte, e muito presente”.
Tanto as lideranças indígenas quanto ribeirinhos e agricultores garantiram que não pretendem negociar com o governo e com o Consórcio, fechando uma posição irredutível de oposição a Belo Monte.
Para o bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Krautler, os habitantes do Xingu temem acima de tudo que o governo retome o projeto de construção de uma série de usinas no rio, uma vez que um gasto de 30 bilhoes de reais não se justifica para uma usina que peoduzira cerca de 40% de sua capacidade na maior parte do ano.
“O que mais me revolta é essa serie de mentiras. É mentira que somente de uma hidrelétrica será construída, porque Belo Monte é inviável economicamente. Está claro que virão outras barragens e ai todo o Xingu sera sacrificado, todas as Terras Indígenas serão inundadas. Esse governo pode passar pra história do Brasil e do mundo como um verdadeiro coveiro dos povos indígenas”.
Do encontro saíram várias propostas que traçam as ações futuras para a luta contra Belo Monte, tais como:
– Resistência unificada de indígenas, ribeirinhos e agricultores contra qualquer tentativa de implementação das obras da usina;
– Articulação e fortalecimento do movimento indígena e de agricultores e ribeirinhos a nível local, regional, nacional e internacional, contra a construção da hidrelétrica Belo Monte e outros empreendimentos que impactam as terras indígenas;
– Divulgar informações sobre os impactos de Belo Monte nos municípios que serão atingidos pela obra e nas comunidades ameaçadas;
– Pressionar os financiadores nacionais e internacionais sobre os grandes projetos.
– Exigir que o governo federal cumpra a Constituição que assegura aos povos indígenas o direito de serem consultados acerca de qualquer projeto que afete seus territórios.
O Acampamento Terra Livre Regional terminou com uma grande marcha pela cidade de Altamira, que reuniu cerca de 500 pessoas, e um protesto em frente ao escritório da Eletronorte, onde foi depositado um caixão simbolizando o enterro do Consórcio de Belo Monte, dos desembargadores do TRF1 que derrubaram as liminares contra a licença ambiental e o leilão da usina, os políticos que promovem a obra e as grandes empresas que se beneficiariam da energia da hidrelétrica.
Carta-manifesto de Altamira: Acampamento Terra Livre Regional, 9 a 12 de agosto de 2010
Nós povos indígenas, Juruna, Xipaya, Arara da Volta Grande, Kuruaia e Xicrin da região de Altamira, Guajajara, Gavião, Krikati, Awa Guajá, Kayapó do MT e PA, Tembé, Aikeora, Suruí, Xavante, Karintiana, Puruborá, Kassupá, Wajapi, Karajá, Apurinã, Makuxi, Nawa AC, Mura do AM, Tupaiu, Borari, Tapuia, Arapiuns, Pataxó, Tupiniquim, Javaé, Kaingang, Xucuru, Marubu, Maiuruna, Mundukuru do AM e do PA e dos demais estados da Amazônia e outras regiões do Brasil, agricultores, ribeirinhos e moradores das cidades de Itaituba, região do Tapajós, Trairão, Medicilândia, Uruará, Placas, Rurópolis, Gurupá, Altamira, dos travessões do Cobra-Choca (km45 sul), km 27 sul, Paratizão (km23 sul), Assurini e das comunidades do Arroz Cru, Santa Luzia e São Pedro, representantes de organizações indígenas e da COIAB, da APIB, APOINME, ARPIMSUL, do MAB, da Via Campesina, do MXVPS, de pastorais e ONGs, reunidos no Acampamento terra Livre Amazônico, em Altamira/PA, nos dias 09 a 12 de agosto de 2010, para lutar pela vida, pela cultura e biodiversidade e floresta e discutir os impactos dos grandes projetos na região, especialmente a Usina de Belo Monte, viemos a público para afirmar, denunciar e assumir:
1.Manifestamo-nos a favor da preservação do Rio Xingu e todos os rios do Brasil, principalmente os que passam por terras indígenas,
2.Manifestamo-nos com toda a veemência contra a construção da Usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu e outros empreendimentos que agridem a vida de nossas comunidades e destroem o meio ambiente, como por exemplo: Jirau e Santo Antônio no rio Madeira, Santa Izabel no rio Araguaia, rio Culuene, Estreito, Transposição do São Francisco, Ribeirão Tabajara, asfaltamento das BR 317, 163, 156, 319, 429 e 421, gasoduto Urucu-Porto Velho, entre outros.
3.O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê 426 empreendimentos que incidem em terras indígenas, ameaçando de extinção povos indígenas isolados. Para a Amazônia estão sendo projetadas mais de 300 novas hidrelétricas. Uma verdadeira agressão para quem mora na Amazônia e depende da terra e água copara viver.
4.Continua vivo na nossa memória a destruição e a morte, provocada pelos grandes projetos implantados de forma autoritária pelos governos da ditadura militar como a construção da Transamazônica (BR 230), as BRs 174, 364 163, e as UHE de Tucurui e Balbina. Povos indígenas e comunidades tradicionais foram duramente golpeados. Povos como os Arara, Parakanã, Waimiri Atroari chegaram a beira da extinção.
5.O modelo de desenvolvimento econômico, em benefício de poucos, continua o mesmo, assim como a forma autoritária de implantação dos grandes projetos. Belo Monte é um exemplo claro. Os estudos de impacto ambiental foram feitos para respaldar a obra e não para medir os reais impactos socioambientais. Os povos indígenas e comunidades tradicionais atingidas não foram devidamente ouvidos como determina a Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT e Declaração da ONU sobre os povos indígenas, nem tampouco os cientistas que sistematicamente alertam sobre as graves falhas do projeto.
6.Fazem parte da estratégia perversa desse modelo de des-envolvimento a desinformação, a mentira, o desrespeito às leis, a criminalização de lideranças indígenas e populares, bem como ações de sedução e promessas feitas às comunidades.
7.Os povos indígenas, na luta por seus direitos à terra são acusados erroneamente de serem violentos, obstáculos ao desenvolvimento e manipulados por ONGs, para confundir a população sobre o que verdadeiramente acontece na Amazônia.
8.Refletimos durante os quatro dias do Acampamento Terra Livre Amazônico sobre as estratégias de luta contra Belo Monte e outros grandes empreendimentos.
9.Queremos alertar a todos, que a Amazônia será irreversivelmente comprometida se continuar a loucura da super-exploração dos seus recursos naturais. Dessa forma, os compromissos assumidos pelo Brasil nos tratados internacionais sobre o clima, não serão cumpridos.
10.Assumimos coletivamente o compromisso de fortalecer a aliança dos povos indígenas, ribeirinhos e demais comunidades da Amazônia na luta para assegurar integridade de seus espaços territoriais e para construir o futuro da região a partir das suas experiências de vida.
11.Convocamos a todos para um enfrentamento comum articulado e organizado contra Belo Monte e os demais empreendimentos planejados contra a Amazônia.
12.Solicitamos o apoio da sociedade do campo e da cidade, pois a vida da Amazônia está em risco.
“Toda vez que nos unimos reforçamos nosso movimento. Não devemos ter medo da polícia, do fazendeiro, de ninguém que está ameaçando a natureza. Natureza é vida, ela nos sustenta até hoje, por isso, temos que defendê-la como pai e mãe que nos dá vida”. (Cacique Raoni Kayapó)
Altamira, 12 de agosto de 2010.
Colaboração de Letícia Campos, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, para o EcoDebate, 13/08/2010
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