UHE Belo Monte: Questões sem resposta no rio Xingu, artigo de Dion Márcio C. Monteiro
[EcoDebate] Encravado na Amazônia brasileira, o rio Xingu é um dos mais importantes rios da região, dele dependem aproximadamente 14 mil indígenas dos estados do Mato Grosso e Pará, além de centenas de comunidades compostas por ribeirinhos, pescadores, extrativistas, quilombolas e agricultores familiares, que tiram sua alimentação das águas deste rio, e o utilizam como meio de transporte, não raras vezes o único. Porém, antes das expedições holandesas, inglesas e portuguesas ao Xingu, ocorridas principalmente no século XVII, a população indígena daquele lugar era muito maior, com aldeias que contabilizavam até 3 mil habitantes. Com o passar do tempo, a situação só tem se agravado para as comunidades originárias e tradicionais existentes na região.
Em 1975, sob o comando dos militares que governavam o Brasil desde o golpe de estado dado em 1964, a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A (Eletronorte) iniciou os estudos do Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu, primeiro passo no projeto de construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, sendo responsável por este levantamento o Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores S.A (CNEC Engenharia), empresa naquele momento integrante do grupo Camargo Correa, um dos maiores interessados em participar do processo de construção da UHE Belo Monte.
O ano de 1989 é um marco no processo de resistência ao então chamado Complexo Hidrelétrico do Xingu (conjunto que propunha a construção de sete barragens no curso deste rio), quando foi realizado na cidade de Altamira, estado do Pará, Amazônia brasileira, o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, reunindo aproximadamente 3 mil pessoas, entre lideranças indígenas como Raoni Metuktire (cacique Kayapó), Marcos Terena e Ailton Krenak; o então diretor da Eletronorte José Antônio Muniz Lopes, que no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso tornou-se presidente da Eletronorte, e agora no governo do presidente Lula é o presidente da Eletrobrás; o cantor inglês Sting; além de centenas de ambientalistas e jornalistas.
A demonstração de preocupação e indignação dos indígenas, e demais povos da floresta, foi tão forte, com tanta repercussão nacional e internacional, que forçou o governo a recuar em suas intenções, mudar sua estratégia e refazer seu projeto, porém não fez empresários e influentes políticos desistirem de suas intenções iniciais. Dezesseis anos se passou, e em agosto de 2005 a Centrais Elétricas Brasileiras S.A (Eletrobrás) firmou acordo de cooperação com as construtoras Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correa para a conclusão dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental da UHE Belo Monte. Em maio de 2009 o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) foram entregues ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão brasileiro responsável pela análise destes documentos e posterior emissão das licenças para a realização do leilão e obras da hidrelétrica.
Em fevereiro de 2010 o governo brasileiro, capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), e apoiado por grandes empreiteiras como as já citadas Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez, além do grupo francês GDF Suez; importantes grupos eletro-intensivos e mineradores como Votorantim, VALE e ALCOA; diversos empresários; governadores, prefeitos e políticos de todas as esferas, emitiu a chamada Licença Prévia (LP), autorizando o leilão de Belo Monte. Mas porque os povos do Xingu, a mais de 20 anos, lutam contra a construção desta hidrelétrica, apelidada de “Belo Monstro” pelos moradores e moradores da região? A resposta parece ser clara para quem conhece a floresta e o rio, mas aparentemente “incompreensível” para quem mora a milhares de quilômetros de distância, no centro-sul do Brasil, pois não é novidade que a maioria dos agentes públicos e políticos profissionais vão a Amazônia apenas para fazer discursos, especialmente em períodos eleitorais. São para estas pessoas que as informações e questões a seguir serão direcionadas.
Em outubro de 2009, cinco meses após a versão final do EIA/RIMA ter sido entregue ao IBAMA, foi entregue também ao mesmo órgão, e ao Ministério Público Federal (MPF), instituição que tem a função constitucional de defender os direitos sociais e individuais indisponíveis dos cidadãos brasileiros, um relatório com 230 páginas. Este documento foi elaborado por mais de 40 pesquisadores, entre antropólogos, sociólogos, zoólogos, biólogos, etimólogos, doutores em energia e planejamento de sistemas energéticos, historiadores, cientistas políticos, economistas, engenheiros, hidrólogos, ictiólogos, entre outros, pertencentes as mais destacadas universidades e centros de pesquisas nacionais e internacionais, que fizeram uma analise detalhada dos estudos de Belo Monte. Registra-se aqui que o EIA/RIMA foi elaborado pela LEME ENGENHARIA, empresa afiliada ao Grupo Tractebel Engineering, que por sua vez é vinculado ao grupo GDF Suez, um dos possíveis participantes do leilão para construção da UHE Belo Monte.
No relatório do Painel de Especialistas, denominação utilizada pelos referidos pesquisadores, foram levantadas várias interrogações que ainda estão sem respostas, além de diversas outras questões que foram abordadas de forma incorreta ou inconsistente no Estudo de Impacto Ambiental elaborado pela empresa contratada pela Eletrobrás. O documento dos estudiosos, chamado “Analise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte” apresenta uma grande quantidade de informações que realmente instigam a nossa reflexão. Da mesma forma, uma leitura mais atenta do próprio EIA/RIMA, também é bastante reveladora. Foram principalmente estes dois documentos que deram base aos dados e informações expostas na seqüência deste texto.
01. O primeiro fator a chamar atenção, tratado de forma velada pelo governo brasileiro, é o que se refere ao principal objetivo da UHE Belo Monte, sendo este atender com energia barata as empresas do eixo centro-sul do país. Assim, aproximadamente 80% será para atender as empresas deste eixo, e até 20%, caso a negociação realizada entre o governo federal e o governo do Pará se concretizem, ficará para atender as empresas eletro-intensivas deste estado, principalmente as transnacionais VALE e ALCOA, gerando vantagens competitivas para estes grupos no cenário internacional, mas não prevendo nem 1 quilowatt (KW) para atender as comunidades amazônicas que até hoje não possuem energia elétrica.
02. Também não é divulgado que a energia prometida, no total de aproximadamente 11 mil megawatt (MW), só será possível durante 4 meses no ano. Em outros 4 meses esta Usina funcionará somente com 30% a 40% de sua capacidade máxima, e nos 4 meses restantes não gerará praticamente nenhuma energia. A média anual ficará em torno de 4,5 mil MW, segundo os dados da própria eletrobrás, média muito baixa quando se faz a relação custo-benefício, podendo inclusive inviabilizar financeiramente o projeto.
03. O estudo entregue pela Eletrobrás ao IBAMA não informa que mais de 20 mil pessoas serão remanejadas compulsoriamente de suas áreas, deixando para trás suas estruturas sociais e econômicas, além de suas memórias. Nesse ponto uma questão chama atenção, pois o EIA utiliza como parâmetro a média brasileira de componentes por grupo familiar, que varia entre 3 a 4 pessoas, porém especificamente na região amazônica a média é outra, e isso qualquer amazônida sabe. A bibliografia disponível indica que o grupo familiar nessa região é composto, em média, por uma quantidade que varia de 5,5 a 7 pessoas. As conseqüências deste equivoco são graves, pois ao subestimar a população remanejada não é possível pensar corretamente as estruturas e equipamentos sociais necessários para atender todas as pessoas que precisarão de moradia, escola, posto de saúde, estradas, entre vários outros equipamentos públicos. O resultado desta situação é a repetição histórica de outros grandes projetos hidrelétricos construídos na Amazônia, como mostram os exemplos de Tucuruí no Pará, Balbina no Amazonas e Samuel em Rondônia.
04. O EIA da UHE Belo Monte observa que a área do reservatório, com 516Km², atingirá diretamente três municípios: Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo, porém os especialistas afirmam que Anapú e Senador José Porfírio também serão atingidos pelo lago formado. O estudo oficial diz que 11 municípios sofrerão impactos sócio-econômicos, e conseqüentemente ambientais desta hidrelétrica, sendo estes: Altamira, Senador José Porfírio, Anapú, Vitória do Xingu, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Uruará, Brasil Novo, Gurupá e Medicilândia, perfazendo uma população de mais de 300 mil habitantes. É pautado nesta informação que o MPF tem apresentado uma de suas contestações ao processo de licenciamento em curso, pois os procuradores do Ministério Público avaliam que, se o próprio EIA informa que onze municípios serão impactados, então não são suficientes somente as 04 audiências públicas realizadas, sendo uma delas em Belém, as demais foram em Altamira, Brasil Novo e Vitória do Xingu, impossibilitando assim o amplo debate, bem como os esclarecimentos à população afetada, razões de ser das audiências públicas.
05. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME) do governo federal, afirmou em outubro de 2009 que o custo da obra de Belo Monte seria de 16 bilhões de reais. Cinco meses depois, e um mês após a emissão da LP, a EPE reavaliou este custo, estimando-o agora em aproximadamente 20 bilhões de reais. Os principais interessados na construção da usina, as empreiteiras, avaliam que seu custo não sairá por menos de 30 bilhões de reais. Esta indefinição sobre o custo total da obra impossibilita uma segura avaliação em relação ao custo-benefício e a viabilidade econômica da mesma. É importante frisar que não estão sendo consideradas, dentro destes valores, a rede de transmissão de energia, subestações, e outras estruturas que serão necessárias para o completo funcionamento do complexo hidrelétrico. A EPE também elevou no mês de março de 2010, em mais de 20%, o preço-teto da energia para o leilão da Usina de Belo Monte, passando de R$ 68 para R$ 83 reais por megawatt/hora (MWh).
06. A estimativa feita pelos empreendedores é que aproximadamente 100 mil pessoas migrarão para a região, principalmente para a cidade de Altamira. Alguns especialistas falam que este número, como outros informados pelo governo, também está subestimado, afirmando que baseado nos registros de outros casos semelhantes deverão migrar no mínimo 150 mil pessoas. A Eletrobrás observa no EIA/RIMA que 18 mil empregos diretos serão gerados no pico da obra, durante 02 anos (entre o 3º e o 4º ano), e 23 mil empregos indiretos serão obtidos, totalizando 41 mil postos de trabalho, ou seja, nas contas do próprio governo aproximadamente 60 mil pessoas que migrarão não terão emprego em nenhum momento. A obra está prevista para durar 10 anos. No final da construção a quantidade de empregos estimados é de apenas 700 diretos e 2.700 indiretos. O EIA/RIMA avalia que 32 mil migrantes deverão ficar na região após o termino da obra, a maioria em Altamira.
07. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) o metano (CH4) é um gás de efeito estufa que causa um impacto 25 vezes maior no aquecimento global que o gás carbônico, por tonelada. As hidrelétricas são responsáveis pela liberação deste gás, pois a vegetação que fica submersa com a formação do lago, que no caso da UHE Belo Monte terá mais de 500 Km², como afirmado anteriormente, ao se decompor começa a liberar grandes quantidades de metano. A produção de CH4 também ocorre com o processo de passagem da água pelas turbinas e vertedouros da hidrelétrica, porém no caso de Belo Monte este elemento foi ignorado pelo EIA/RIMA. As grandes hidrelétricas agravam em especial esta situação, pois quanto maior a área alagada, e sua capacidade de funcionamento, maior a emissão de gás metano. O governo tem se negado a debater esta questão com mais profundidade.
08. O EIA/RIMA afirma que serão afetadas diretamente pela usina de Belo Monte a Terra Indígena Paquiçamba (do povo Juruna), Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu (do povo Arara) e a Área Indígena Juruna do Quilômetro 17 (também do povo Juruna). O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) afirma que também será afetada diretamente a Terra Indígena Trincheira Bacajá (dos povos Kayapó e Xicrin). Porém, mesmo reconhecendo este impacto direto, o governo do Brasil se recusa a realizar as oitivas indígenas, conforme determina o artigo 231 da constituição brasileira, e a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Este também é um dos principais questionamentos levantados pelo Ministério Público Federal.
09. Com a construção da barragem principal da usina de Belo Monte, uma área de aproximadamente 100 Km da chamada região da Volta Grande do Xingu terá a sua vazão de água reduzida, ficando apenas em torno de 30% do que ocorre hoje. Sobre isso o parecer técnico nº114/2009, assinado por 06 analistas ambientais do IBAMA, e um dos documentos base para a emissão da LP, é claro. Diz o parecer: “o estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR [Trecho de Vazão Reduzida]”.
10. Para que as águas do rio Xingu possam fluir da barragem principal até as 20 turbinas que estão previstas para Belo Monte, serão abertos dois gigantescos canais no meio da floresta, o que movimentará aproximadamente 150 milhões de metros cúbicos de terra, e 60 milhões de metros cúbicos de rocha, equivalente a movimentação de material realizada na abertura do Canal do Panamá, com impactos que não foram totalmente contabilizados no EIA/RIMA de Belo Monte, além de não ter sido fornecida informação clara sobre o local onde o material retirado será depositado, caso a obra avance.
11. O parecer técnico nº114/2009, já especificado, também afirma que “tendo em vista o prazo estipulado pela Presidência [do IBAMA], esta equipe não concluiu sua analise a contento. Algumas questões não puderam ser analisadas na profundidade apropriada, dentre elas as questões indígenas e as contribuições das audiências públicas”. Porém, em relação ao que os analistas ambientais puderam identificar, eles destacam, além das questões referentes ao TVR, também o não dimensionamento a contento dos impactos decorrentes do afluxo populacional para a região, tendo como conseqüência uma insuficiência nas medidas apresentadas em relação à preparação da região para receber esse citado afluxo, além da indefinição sobre o papel de cada um dos agentes públicos que serão responsáveis pela implementação das ações necessárias. Um terceiro elemento apresentado neste parecer se refere a um elevado grau de incerteza em relação ao prognóstico da qualidade da água, em especial no reservatório dos canais da hidrelétrica.
12. A Licença Prévia nº342/2010, emitida no dia 01 de fevereiro de 2010, pelo IBAMA, apresentou 40 condicionantes específicos para sua validade. Destaca-se que alguns dos elementos que foram objeto destes condicionantes, como o hidrograma de consenso, que auxilia na identificação de impactos na qualidade da água, navegação e modos de vida da população da Volta Grande do rio Xingu, entre outros, somente serão testados após a conclusão da instalação da plena capacidade de geração da casa de força principal, quando as 20 turbinas previstas deverão estar funcionando, quase 10 anos após o inicio da obra. Outro ponto a ser destacado é o que define que, somente após a definição do concessionário de geração é que será necessário apresentar as estratégias para garantir que toda infraestrutura que antecede as obras seja efetivamente implantada. Estas soluções após a realização do leilão, e até mesmo após o início das obras, entre outras condicionantes observadas na LP, estão sendo questionadas por diversas organizações e movimentos sociais, é inclusive pelo MPF, que entendem não ser possível deixar estas condicionantes serem respondidas depois de realizado o leilão, pois a partir daí a pressão política e econômica do consorcio vencedor, para um rápido início dos trabalhos, será muito mais forte, fazendo com que fatores importantes para a preservação da vida, e do próprio rio Xingu, sejam desconsiderados.
Estes 12 pontos levantados não esgotam de forma nenhuma as questões existentes, apenas destacam alguns elementos mais visíveis. Além desses pontos identificados ao se analisar o estudo feito pelo Painel de Especialista, o EIA/RIMA do empreendimento, e alguns documentos emitidos posteriormente, verificam-se outras indagações que também se encontram sem respostas mais consistentes. Uma destas vincula-se ao eminente perigo da retomada do projeto original para o rio Xingu, que apresentava inicialmente a proposição de 07, e depois 05 barramentos. Aqui a grande interrogação dá-se devido a já observada indefinição em relação a algumas questões fundamentais, especificamente de caráter econômico e de capacidade de produção de energia, implicando em uma insegurança no que se refere à viabilidade da obra. Corrobora essa suspeição a informação de que a energia média efetiva que será entregue ao sistema, ao ser construída a usina, será de aproximadamente 39% de sua capacidade máxima de geração, enquanto a recomendação técnica é de pelo menos 55%. O MPF e os movimentos e organizações sociais tem afirmado que nada impede que o governo, no futuro, use o argumento da necessidade de otimizar o empreendimento para justificar a construção de outras barragens no rio Xingu.
É interessante também verificar a proposição do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que deverá atender até 80% dos itens financiáveis do projeto da UHE Belo Monte, porém para isso precisará se capitalizar, principalmente depois que a EPE reavaliou o custo da obra para aproximadamente 20 bilhões de reais, como já observado. O banco estuda também financiar o projeto em até 30 anos, dos quais cinco de carência e 25 de amortização. Atualmente, a diretoria do banco aprova apenas o financiamento em 25 anos, dos quais 20 anos de amortização. As taxa de juros para o empréstimo ao consorcio ganhador será as menores do mercado. Aqui vale lembrar que uma das principais fontes de recursos do BNDES é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), um fundo especial destinado ao custeio do seguro-desemprego, abono salarial e financiamento do desenvolvimento econômico dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil.
A UHE Belo Monte é o maior investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, e como tal tem recebido atenção especial do governo do presidente Lula. Isto ficou particularmente evidente no fato ocorrido no mês de fevereiro de 2010, quando expressando uma ação de governo, defendida pelo próprio presidente, a Advocacia-Geral da União (AGU) ameaçou processar membros do MPF que se contraporem ao processo de licenciamento e construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, alegando que as ações do MPF são “sem fundamento, destinadas exclusivamente a tumultuar a consecução de políticas públicas relevantes para o país”.
Diversas comunidades indígenas já deixaram clara sua oposição à construção de Belo Monte. Isto pode ser verificado, por exemplo, em carta datada de 01 de novembro de 2009, enviada ao presidente Luis Inácio Lula da Silva, e assinada pelos povos indígenas Mebengôkre (Kayapó), Xavante, Yudjá (Juruna), Kawaiwet (Kaiabi), Kisêdjê (Suiá), Kamaiurá, Kuikuro, Ikpeng, Panará, Nafukua, Tapayuna, Yawalapiti, Waurá, Mehinaku e Trumai, habitantes da bacia do Rio Xingu e das regiões circunvizinhas, reunidos na aldeia Piaraçu (Terra Indígena Capoto/Jarina), onde afirmam textualmente que “Caso o governo decida iniciar as obras de construção de Belo Monte, alertamos que haverá uma ação guerreira por parte dos povos indígenas do Xingu. A vida dos operários e indígenas estará em risco e o governo brasileiro será responsabilizado”.
O modelo de desenvolvimento implementado na região amazônica tem sido historicamente pautado nos grandes projetos de exploração vegetal, mineral, e hídrica. Isto pode ser verificado nas Usinas Hidrelétricas de Tucuruí (PA); Curuá-Una (PA); Balbina (AM); Samuel (RO); nos projetos de exploração de ouro em Serra Pelada, no município de Curionópolis, realizado por uma cooperativa de garimpeiros; exploração de ferro em Parauapebas, realizado pela companhia VALE; exploração de bauxita em Juruti, realizado pela ALCOA; exploração de níquel em Ourilândia do Norte, realizado pela VALE; exploração de bauxita em Oriximiná, realizado pela Mineração Rio do Norte/VALE; exploração de Cobre em Canaã dos Carajás, realizado pela VALE; e exploração de bauxita em Paragominas, também realizado pela VALE. Todos estes projetos de exploração mineral, citados, estão localizados no Estado do Pará.
O resultado dos séculos de autoritarismo e exploração dos recursos naturais na Amazônia brasileira, desde o final do século XVI, inicio do século XVII, ou em seu período de exploração mais recente, exploração “moderna”, a partir do final dos anos 30, início dos anos 40 do século XX, tem demonstrado a insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento, bem como a urgência de sua substituição por outras propostas, saídas que estejam pautadas na geração de uma energia verdadeira limpa, como por exemplo, a energia solar, energia eólica, e a energia a partir dos resíduos da biomassa, sem que para isso se desenvolvam monoculturas, entre outras possibilidades; a consolidação de relações concretamente sustentáveis, onde os elementos econômicos não se sobreponham aos elementos ambientais, sociais ou culturais; e finalmente a implementação de relações sócio-ambientais pautadas em paradigmas que totalizem a harmonia entre a natureza e os seres humanos, garantindo a existência primeira do planeta, em seu conjunto. Esta deve ser a nossa busca. A insistência no atual padrão inevitavelmente levará a incrementação dos desastres climáticos e ambientais que já se encontram em estágio avançado, fazendo certamente com que a vida e o planeta Terra logo tenham o seu epitáfio.
*Dion Márcio C. Monteiro é economista e membro do comitê metropolitano do Movimento Xingu Vivo para Sempre;
Bibliografia de referência:
– EIA/RIMA DA UHE BELO MONTE
– RELATÓRIO DO PAINEL DE ESPECIALISTAS
– PARECER TÉCNICO Nº114/2009 – IBAMA
– LICENÇA PRÉVIA Nº342/2010 – IBAMA
** Colaboração de Marquinho Mota, da Rede FAOR, para o EcoDebate, 24/03/2010
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Não sou defensor da construção de hidroelétricas a qualquer custo, muito menos de Belo Monte. Entretanto, as questões levantadas em muitos artigos aqui postados precisam de esclarecimento. Começo por não entender porque a necessidade de se argumentar sobre a inviabilidade econômica da usina, já que seus malefícios sociais e ambientais parecem ser impressionantes e suficientes para colocar em dúvida sua construção.
Nessa avaliação econômica, há uma confusão de conceitos, que, vista sob a metodologia do setor elétrico, acaba por desqualificar as análises contrárias à usina. No sentido de esclarecer e até aprimorar as críticas, ouso dizer que, na base de toda essa numerologia está o complexo modelo mercantil brasileiro. Fruto de uma custosa, confusa e principalmente subjetiva adaptação de modelos de base térmica, o setor passou a ser uma indústria opaca à sociedade. Poucos compreendem a lógica do setor. Nesse sentido, considero importante o seguinte esclarecimento.
A energia firme de uma usina hidroelétrica é a energia contínua simulada que pode ser gerada sob o histórico de vazões ocorridos no chamado “período crítico do sistema”. Reparem que o período crítico não se refere às vazões do local, mas sim ao período mais crítico do sistema interligado. Portanto, Belo Monte poderá gerar uma energia menor do que a firme que lhe é atribuída? Pode! Isso significa que ela não tem viabilidade econômica? Não, porque a energia firme não é a variável importante! Além disso, nenhuma usina no sistema brasileiro vende a sua própria energia! Todas vendem uma parcela do total produzido pelo sistema interligado. A cada usina é atribuído um “certificado” como se fosse emitido por um cartório. Os critérios que definem esse certificado têm se alterado ao longo de tempo e são crivados de parâmetros altamente subjetivos. Se a intenção é realmente analisar a viabilidade econômica de Belo Monte, é preciso compreender como é emitido esse certificado.
Para começar, a grandeza que faz parte do modelo mercantil brasileiro não é a energia firme. Uma complexa e, naturalmente, pouco transparente metodologia define a “garantia física” ou energia “assegurada” que, ao invés de usar o histórico de vazões, utiliza um modelo sintético de afluências que gera, a partir do histórico, 2000 anos de afluências para todo o sistema. A inclusão de uma nova usina faz com que todo o sistema interligado possa atender uma carga com um risco máximo de 5% de racionamento. Isso define a chamada “carga crítica” do sistema. Esta é a que é separada em dois grandes blocos, um, hidráulico e outro térmico. A parcela de cada usina é então dividida proporcionalmente à sua energia firme. Portanto a energia firme é somente um fator de proporcionalidade. É importante enfatizar que a “garantia física” não é algo que se lê nas especificações técnicas das turbinas ou do gerador. É um cálculo de escritório, tecnocrático quanto qualquer outro!
Na realidade, essa questão de Belo Monte é uma boa oportunidade para que as pessoas se informem sobre a modelagem adotada no Brasil. Quero deixar claro que sou um crítico desse modelo e, ao fazer esse comentário, não estou de forma alguma defendendo a construção de Belo Monte. Pela explicação acima, fica evidente que houve uma formidável e arriscada adaptação do modelo inglês aplicado ao sistema brasileiro. O livro “Setor Elétrico Brasileiro: Uma aventura Mercantil”, de minha autoria, em formato pdf, gratuito, enviado à esse site, tenta explicar toda essa confusão. O caso da viabilidade de Belo Monte é apenas uma pontinha do “iceberg” de equívocos que nos aguardam.
Camarada Dion, parabéns pelo artigo. Muito esclarecedor.
Xingu Vivo, para Sempre.
Marquinho Mota.
Assessoria de Comunicação
Rede FAOR
Marquinos Mota, vi e ouvi a matéria com Vc na Globo News, dias atrás, Realmente essa Usina não pode ser Construida tá na cara que é puramente Eleitoreira, há outros meios e outras prioridades, procurei um meio para lhe enviar um Email, não achei, mas creio que quanto mais gente se enganjar melhor, o Ator Americano Steven Seagal é Ativista Ambiental, tem trabalhos a respeito, seria interessante chamá-lo p agrossar o caldo, o que Voces acham?