Estudos comprovam que Belo Monte seria economicamente inviável devido à sazonalidade, artigo de Telma Monteiro
[EcoDebate] Um documento de 2006, elaborado por dois especialistas do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)[1], analisou o custo-benefício social da hidrelétrica Belo Monte e demonstrou que o empreendimento não seria viável economicamente e que não produziria a energia firme de 4.700 MW que consta dos estudos de viabilidade da Eletrobrás (2002), mas apenas 1.172 MW. O modelo utilizado pela Eletrobrás, segundo os pesquisadores, só seria válido para o complexo de cinco hidrelétricas no rio Xingu proposto inicialmente.
A importância de se formular uma estratégia energética sustentável é apresentada logo na introdução do documento. Há uma espécie de provocação para que a sociedade questione com mais propriedade a verdadeira necessidade de se construir novas mega-barragens.
A história da saga de Belo Monte, desde os anos 1980, revela que a Eletronorte fez o inventário do rio Xingu que deu origem ao relatório (Eletronorte, 2002) chamado de “Estudos Xingu” e que apresentou um conjunto de cinco aproveitamentos: Jarina (558,72 MW), Kokraimoro (1940 MW), Ipixuna (2312 MW), Babaquara (6273,96MW), Kararaô (8380,8 MW).
Em 2002 esse relatório, em nova versão, considerou um aproveitamento de 11 180 MW e um reservatório com 440 km². O EIA/RIMA foi elaborado pela Eletrobrás, pelas empreiteiras Camargo Correa, Odebrecht e Andrade Gutierrez e excluiu a construção das demais usinas considerando que as limitações hidrológicas não permitiriam que a potência instalada de 11 mil MW fosse alcançada durante o ano todo. A sazonalidade do rio Xingu.
As informações apresentadas pelos dois pesquisadores lançam uma luz sobre os aspectos de viabilidade econômica do empreendimento. Belo Monte foi concebida sob o entendimento arrogante de que uma região de baixa densidade demográfica poderia receber áreas inundadas e com isso, os impactos poderiam ser reduzidos. Interesse dos propositores do projeto, evidentemente.
No Xingu, o período de estiagem acontece de junho a novembro e o período mais chuvoso vai de janeiro a março. O reservatório de Belo Monte poderia levar a uma elevação do lençol freático na região causando sérios transtornos ecológicos. Com as alterações água/solo causadas pelo aumento no nível do lençol freático, novas nascentes apareceriam e antigos lagos próximos aos reservatórios aumentariam de volume. Os pesquisadores do ITA mencionam esses exemplos da superficialidade com que a Eletronorte (2002) abordou a situação.
O modelo para calcular a energia firme usado pelo setor elétrico brasileiro é o MSUI (Modelo de Simulação a Usinas Individualizadas), ferramenta oficial que foi desenvolvida pela Eletrobrás e que já está caindo em desuso. As principais dificuldades para se calcular a energia firme decorrem das incertezas nas vazões dos rios. No caso do Xingu a diferença entre cheias e vazantes – sazonalidade, é muito grande.
A Eletronorte usou o modelo MSUI no projeto de Belo Monte para calcular a energia firme de 4.700 MW.
Um grupo de pesquisa da Unicamp liderado pelo professor Secundino Soares Filho desenvolveu um outro simulador, mais evoluído, chamado HydroSim LP para calcular a energia firme para um sistema de usinas hidrelétricas.
Marcelo Augusto Cicogna (2003) apresentou em sua tese de doutorado, uma simulação realizada no HydroSim com o conjunto de usinas projetadas inicialmente para serem construídas no rio Xingu. Ele também fez simulações com o HydroSim levando em consideração a construção apenas de Belo Monte, sem os demais empreendimentos e o valor, muito diferente daquele obtido pela Eletronorte, foi de 1.172 MW médios.
Nessa outra simulação, com o HydroSim, em que o resultado obtido para a energia firme de Belo Monte foi de apenas 1.172 MW médios, deixou evidente que a sazonalidade aliada a ausência dos grandes reservatórios reguladores a montante resultaram nesse valor bem abaixo dos estudos da Eletronorte.
Os especialistas do ITA, com base na tese de Marcelo Cicogna, concluíram que:
“A geração de energia firme superior a 1.172 MW pelo Complexo Hidrelétrico de Belo
Monte, está diretamente subordinada a implantação de novos empreendimentos nessa região, uma vez que estes reservatórios proporcionariam a regularização do sistema. Concluí-se que, para a obtenção de energia firme de cerca de 4.700 MW médios, a Eletronorte utilizou em sua simulação (MSUI) a operação coordenada do conjunto de usinas do Rio Xingu. Caso contrário, não seria possível explicar a considerável diferença entre os valores de energia firme resultantes (1.172 MW e 4.714 MW) dos dois simuladores.”
Os dois estudos levam à indagação sobre qual é a verdade que está por trás da volúpia do governo na construção da usina de Belo Monte. Afinal resta demonstrado que esse mega-monstro é inviável economicamente com o agravante dos custos desprezados das externalidades (escreverei sobre isso). Os estudos podem comprovar, mesmo que só lancem dúvidas sobre os cálculos da energia firme apresentado pelos desenvolvedores.
Empresas estatais, empreiteiras, indústrias eletrointensivas, bancos estão disputando acirradamente esse anátema. Alguém teria uma explicação?
[1] Wilson Cabral Sousa Júnior – Doutor em Economia wilsonjr{at}ita.com.br
Neidja Cristine Silvestre Leitão – Mestre em Infra-Estrutura Aeronáutica cris_jansen{at}yahoo.com.br
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)
Análise Custo-Benefício Belo Monte (2006)
Estudo de Marcelo Cicogna (2003)
Telma D. Monteiro é Coordenadora de Energia e Infra-Estrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
EcoDebate, 18/03/2010
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Não sou defensor da construção de hidroelétricas a qualquer custo, muito menos de Belo Monte. Entretanto, as questões aqui levantadas precisam de esclarecimento. Começo por não entender porque a necessidade de se argumentar sobre a inviabilidade econômica da usina, já que seus malefícios sociais e ambientais parecem ser impressionantes.
Nessa avaliação, há uma confusão de conceitos, que desqualifica a análise para qualquer técnico que conheça a metodologia do setor. A energia firme de uma usina é a energia contínua que pode ser gerada sob o histórico de vazões ocorridos no chamado “período crítico do sistema”. Reparem que o período crítico não se refere às vazões do local, mas sim o período mais crítico do sistema interligado. Portanto, Belo Monte poderá gerar uma energia menor do que a firme que lhe é atribuída. E porque essa não é a variável importante? Porque nenhuma usina no sistema brasileiro vende a sua própria energia. Na realidade, o sistema geração-transmissão forma um monopólio natural, tanto que é operado centralizadamente.
Além disso, a grandeza que faz parte do modelo mercantil brasileiro não é a energia firme. Uma complexa e, naturalmente, pouco transparente metodologia define a “garantia física” ou energia “assegurada” que, ao invés de usar o histórico de vazões, utiliza um modelo sintético de afluências que gera, a partir do histórico, 2000 anos de afluências para todo o sistema. A inclusão de uma nova usina faz com que todo o sistema interligado possa atender uma carga com um risco máximo de 5% de racionamento. Isso define a chamada “carga crítica” do sistema que é separada em dois grandes blocos, um, hidráulico e outro térmico. A parcela de cada usina é então dividida proporcionalmente à sua energia firme.
Na realidade, essa questão de Belo Monte é uma boa oportunidade para que as pessoas recebam informações corretas sobre o modelo adotado no Brasil. Pela explicação acima, fica evidente que houve uma formidável e arriscada adaptação do modelo inglês aplicado ao sistema brasileiro. O livro “Setor Elétrico Brasileiro: Uma aventura Mercantil”, em formato pdf, enviado à esse site, tenta explicar toda essa confusão. O caso da viabilidade de Belo Monte é apenas uma pontinha do “iceberg” de confusões que nos aguardam.