Criatividade da Eletrobrás: Belo Monte agora será ‘hidrelétrica sazonal’, artigo de Telma Monteiro
Projeto criativo de “hidrelétrica sazonal”, inédita no mundo, poderá ser a “grande esperança no setor elétrico”, disse o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes.
Esperança, só se for das empreiteiras, ele quereria dizer.
Esse pessoal da Eletrobrás é mesmo criativo. Não satisfeitos em inventar uma “hidrelétrica plataforma” agora inventaram a “hidrelétrica sazonal”. Nova caracterização para Belo Monte divulgada em matéria do Estado de São Paulo, de hoje (15).
Até onde pode ir o desplante dessa gente para convencer que o reservatório não seria artificial ou que a barragem de Belo Monte não seria “um monstrengo de concreto”? Só os canais de derivação e adução para levar a água até a casa de força principal teriam 40 km de extensão com larguras variando entre 200 e 750m e revestimento de concreto com 10 cm de espessura sobre um lastro de areia e pedra de 30 cm de espessura.
Como se não bastasse, esses canais seriam escavados na rocha no curso de igarapés que serão totalmente destruídos. Mais ainda, há uma controvérsia entre a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e os desenvolvedores dos estudos de viabilidade quanto a esses volumes: para a EPE as escavações em solo e rocha seriam respectivamente 160 milhões e 40 milhões de m³ e para a Eletrobrás, Odebrecht, Camargo Corrêa de Andrade Gutierrez seriam respectivamente 151 milhões e 59 milhões de m³ (Relatório do TCU). Coincidentemente as escavações em rocha têm um custo muito mais alto que as escavações em terra. Em se tratando de empreiteiras…
E as barragens? Também aí há divergências quanto aos quantitativos de concreto e cimento utilizados. Para EPE seriam 754 mil t de cimento contra 852 mil t calculadas pelo desenvolvedor. Para a EPE seriam 3,7 milhões de m³ entre concreto estrutural e massa contra 4,3 milhões de m³ calculados pelo desenvolvedor (Relatório do TCU). As variações ficam na média de 12%.
Então, com esses números é possível ter uma noção de como esse projeto criativo de “hidrelétrica sazonal”, inédita no mundo, poderá ser a “grande esperança no setor elétrico”, como disse o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes. Esperança, só se for das empreiteiras, ele quereria dizer. Uma grande obra com quantitativos difíceis de aferir.
A que preço teria que ser vendida essa energia para o consumidor para viabilizar o retorno dos investimentos, com esse funcionamento sazonal? Só se o único interesse for o de lucrar com a execução da obra. Depois é depois…
Mais incrível ainda é o que disse o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim: “Ela [Belo Monte] acaba acumulando energia nos reservatórios de outras regiões”. Isso seria mesmo um milagre ou mágica: construir uma hidrelétrica com todo esse poder de destruição no rio Xingu, que, segundo eles, não teria lago artificial, não teria concreto, seria sazonal e ainda conseguiria acumular água e energia nos reservatórios de outras regiões!
De tanto ver triunfar as nulidades…
Telma D. Monteiro, Coordenadora de Energia e Infra-Estrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
EcoDebate, 16/03/2010
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