Xingu, Madeira e Tapajós: Barragens da discórdia
“Não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem macacos para morar
nos galhos das árvores. Nos deixem em paz” – Índios Munduruku.
Os caudalosos cursos d’água de três dos mais importantes afluentes do Amazonas – Xingu, Madeira e Tapajós –serão interrompidos por imponentes barragens. Florestas, rochas, árvores, fauna e flora que desde tempos imemoriais formam ecossistemas singulares serão sepultados para sempre. Águas barrentas criarão lagos artificiais e com ele milhares de pessoas serão deslocadas, cidades serão encobertas e aldeias indígenas desaparecerão.
Habituados ao percurso milenar de suas águas, os rios certamente lutarão até o final de suas forças para recuperar sua liberdade, porém chegará o momento em que serão vencidos pelas barreiras artificiais e no lugar das corredeiras apenas um lago, silencioso e estancado.
A construção das hidrelétricas de Belo Monte (Xingu), Santo Antonio e Jirau (Madeira) e São Luiz de Tapajós, Jatobá, Cachoeira dos Patos, Jamanxim e Cachoeira do Caí (Tapajós) anunciam, entretanto, muito mais do que um simples duelo entre as águas e as barragens. O duelo das águas simboliza, sobretudo uma disputa de modelo econômico para a região e para o país. O debate em torno das hidrelétricas opõe concepções e projetos de sociedade e revelam visões de mundo.
A principal luta social que se trava hoje no país se dá na região Amazônica. A “vanguarda” da luta se deslocou para o Norte do país – é lá que se dá o debate do “Brasil que queremos”. O surgimento do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Movimento Rio Madeira Vivo e Aliança Tapajós é a manifestação visível dessa luta. Acompanhar esse debate e essa luta é estar sintonizado com o que há de novo no movimento social brasileiro. É de lá que vem a inquietante e pertinente indagação: Que tipo de modelo econômico e de sociedade queremos?
Barragens da discórdia
Complexo Tapajós
“Já moramos mais de 500 anos dentro da floresta amazônica, nunca pensamos destruir, porque nossa mata e nossa terra são nossa mãe. Portanto não destruam o que guardamos com tanto carinho” – Povo Munduruku.
A construção de um complexo de usinas na bacia do rio Tapajós, entre os Estados do Amazonas e do Pará, vem sendo arquitetada desde a década de 1980. O projeto prevê a construção de cinco usinas hidrelétricas – São Luiz de Tapajós, Jatobá, Cachoeira dos Patos, Jamanxim e Cachoeira do Caí – com potência instalada de 10.680 MW (potência acumulada pouco abaixo de Belo Monte e pouco acima do Complexo Madeira).
A maior e primeira usina será a de São Luiz do Tapajós com um reservatório que ocupará uma área de 722,5 km² e potência instalada de 6.133 mw. A expectativa da Eletrobrás é que esta usina esteja pronta para licitação em junho de 2010. Os outros empreendimentos são Jatobá, com um reservatório de 646,30 km² de área e potência de 2.338 MW, Cachoeira do Caí, com reservatório de 420 km² e potência de 802 MW; Jamanxim, com área de reservatório de 74,45 km² e potência de 881 MW; e Cachoeira dos Patos, com 116,5 km² de área de reservatório e 528 MW de potência.
“Nenhum rio, no Brasil e no mundo, pode suportar a construção de cinco hidrelétricas, ou até menos, em sequência. Hidrelétricas causam prejuízos imensuráveis à biodiversidade, imagine cinco e em sequência. Neste caso se criariam cinco grandes lagos na região da bacia do Rio Tapajós em sequência. Isto transformaria esses rios em uma espécie de sistema lacustre”, alerta Telma Monteiro, coordenadora de Energia e Infra-Estrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em entrevista ao sítio do IHU.
A promessa do governo é de que as hidrelétricas seguirão um conceito inovador: o de usinas-plataformas, projeto inspirado na logística utilizada pela Petrobrás em suas operações na Bacia de Campos. Segundo o governo, esse conceito elimina a necessidade de construção de vilas no entorno das usinas, o que reduz o risco de desmatamento. Os funcionários serão levados de helicóptero para o trabalho, onde ficarão por períodos mais longos.
As usinas-plataformas seriam montadas – argumenta o governo – sem a necessidade de abertura de estrada ou grandes desmatamentos, com os equipamentos levados por via fluvial ou por helicópteros. “Não tem cidade, não tem estrada, não tem madeireira. Então você monta uma indústria, as pessoas vão e voltam de helicóptero. É muito promissor”, disse o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
“Estão tão embriagadas com essa orgia energética que ficaram criativos. Esse folhetim da Eletrobrás apresenta uma chamada inovação na construção de hidrelétricas na Amazônia. O tom é de ufanismo, tipo, ‘hidrelétricas do bem’ ou ‘desmatamento cirúrgico’ (inspirado no Bush) ou ainda ‘reflorestamento radical’”, critica Telma Monteiro. Segundo ela, “essa peça publicitária com propaganda enganosa está sendo distribuída à população na região do Tapajós. O conteúdo, além de conter frases de efeito, é subliminar, faz crer que a construção é iminente, passa batido sobre o processo de licenciamento ambiental e tem ilustrações que levam a falsa impressão de que não haverá impactos ambientais e sociais graças ao novo conceito de ‘usinas plataforma’”.
Quem também protesta é o padre Edilberto Sena, uma das vozes de oposição ao projeto: “A hidroelétrica de São Luiz do Tapajós, segundo a Eletronorte, será construída, quase como a bíblia descreve a criação do mundo por Deus. Assim: sem destruição, sem impactos negativos, até escadinha para os peixes subirem e descerem o rio haverá. Imagine que ela diz que os trabalhadores não residirão na área de trabalho, mas cada dia serão transportados de helicóptero e barco para a cidade de Itaituba. Quem já viu como se faz uma barragem (aquela será para gerar ao menos 8.000 megawattz de energia, um paredão de 36 metros) pode imaginar que ao menos 10.000 e até 20.000 trabalhadores estarão envolvidos na obra, então…todo dia essa tropa será levada e trazida a Itaituba…”, diz cético o padre Edilberto Sena.
E pergunta: “Mas para quem servirá a eletricidade de 5 grandes hidroelétricas, quando o Pará já tem Tucuruí? A construção de da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia começa destruindo natureza e expulsando famílias. Será diferente a hidroelétrica de São Luiz do Tapajós, de Jatobá e do Jamanxim? Por que enganar os povos do Tapajós? Quem pode impedir tais desastres? Só povos esclarecidos, unidos e organizados de Santarém, Aveiro, Itaituba e outros. Mas, estão atentos para isso? O que acontecerá no Alto Tapajós atingirá o povo de Santarém? E por fim, eticamente justifica sacrificar povos e comunidades inteiras em nome do progresso? Quem viver verá!”, conclui ele.
O anúncio do Complexo Tapajós deu origem ao Movimento “Aliança Tapajós Vivo”, cujo objetivo “é empatar a construção de qualquer hidroelétrica na bacia do Tapajós, sem diálogo real com as comunidades e os movimentos sociais”.
Em entrevista ao IHU, Jesielita Gomes, coordenadora do Movimento Tapajós Vivo e do Movimento de Mulheres da região, afirmou: “Nós dependemos da Amazônia para sobreviver, como é que vamos estragar tudo? Quantos anos nós estamos preservando para de repente o governo vir e em dias acabar com todo esse trabalho”.
Na entrevista Jesielita Gomes conta que só soube do projeto das hidrelétricas no rio Tapajós porque participou de um evento na cidade de Altamira e lá conheceu o jornalista, e historiador, Glenn Switkes: “O Glenn nos perguntou se sabíamos da construção das hidrelétricas na bacia do Tapajós. Então, falei que não sabíamos de nada”.
O jornalista, coordenador da ONG International Rivers, em entrevista ao IHU ainda no ano passado afirmava: “A visão de conquistar os rios da Amazônia com construção de grandes barragens é antiquada, obsoleta, que vem dos anos 1980, ou seja, é uma visão militar de ocupar a Amazônia e transformá-la numa estratégia econômica e política por parte de gente mal intencionada e ignorante, mas principalmente de grandes empreiteiras que querem construir essas barragens de qualquer forma (…) Os rios da Amazônia são os corredores da biodiversidade da floresta. Mexendo com isso, o impacto será muito sério na possibilidade de sobrevivência da floresta e dos povos da floresta”.
Quem se opõe de forma contundente ao projeto são os povos indígenas Munduruku. Perguntam eles sobre a hidrelétrica: “Para quem vai servir? Será que o governo quer acabar todas as populações da bacia do Rio Tapajós? Se apenas a barragem de São Luis for construída vai inundar mais de 730 Km². E daí? Onde vamos morar? No fundo do rio ou em cima da árvore? Aximãyu’gu oceju tibibe ocedop am. Nem wasuyu, taweyu’gu dak taypa jeje ocedop am (não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem macacos para morar nos galhos das árvores. Nos deixem em paz. Não façam essas coisas ruins. Essas barragens vão trazer destruição e morte, desrespeito e crime ambiental, por isso não aceitamos a construção das barragens. Se o governo não desistir do seu plano de barragens, já estamos unidos e preparados com mais de 1.000 (mil) guerreiros, incluindo as várias etnias e não índios”, afirmam eles.
Em carta aberta às autoridades e à população brasileira, os povos da bacia do Tapajós, denunciaram: “Temos clareza de que os impactos ambientais, econômicos, sociais e culturais, na bacia do Rio Tapajós comprometem a vida humana, animal e vegetal, sem respeitar fronteiras geopolíticas, nem acordos governamentais. Assim, denunciamos a conivência passiva e ativa do governo e seus órgãos, diante dos crimes cometidos pelas empresas construtoras de barragens (Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, etc.) e empresas eletro-intensivas (Albras, Alunorte, VALE, Pará Pigmento, Alcoa, Itacimpasa, Imerys Rio Capim Caulim, etc.) que consomem muita energia, geram pouco emprego, saqueiam nossos recursos naturais, contaminam nossos rios, terra, floresta, ar e destroem e violam os direitos das comunidades locais e comunidades indígenas”.
Complexo Madeira
“O rio Madeira e suas margens deixarão de atender ribeirinhos, indígenas e a população de Porto Velho com água, peixes, sedimentos e vida para se tornar um rio-mercadoria” – Movimento Madeira Vivo.
Somada à construção do complexo do Tapajós e Belo Monte, projeta-se a construção de duas hidrelétricas – Santo Antônio (já em andamento) e Jirau – no Rio Madeira, o maior afluente do Amazonas. As obras constam do PAC e não se resumem apenas às hidrelétricas, mas constituem-se em um complexo – que vai contar com hidrelétricas, eclusas, hidrovias e uma linha de transmissão que irá de Porto Velho até São Paulo.
A estimativa é de que o projeto vai inundar uma área de mais de 500 quilômetros quadrados e deslocar mais de 10 mil pessoas que vivem na região. Ao se colocar contra a construção do complexo, o movimento social questiona a quem o projeto irá beneficiar. Segundo Gilberto Cervisnki do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), “construir as usinas no Madeira representa a abertura para construção de dezenas de outras hidrelétricas dentro da Amazônia, sem sequer discutir uma questão que entendemos ser fundamental: energia para quê? E para quem?”. Segundo ele, o discurso do risco de apagão é utilizado para impor os aumentos nas tarifas de energia e o financiamento desses empreendimentos, mas que no final acabam beneficiando poucos.
Na opinião de Marco Antonio Trierveile, também do MAB, em entrevista ao IHU, “os grandes grupos econômicos estão interessados em aumentar sua exploração na Amazônia e em toda América Latina (recursos naturais, energia, minérios, madeira, terra, biodiversidade – principalmente para indústria financeira). Para que essas indústrias possam se instalar no País, elas precisam criar uma rede de infra-estrutura básica (energia, portos, hidrovias, redes de transmissão de energia, estradas, ferrovias), o que possibilitará a elas transportar mercadorias para fora do país”. É nesse contexto que ele situa o Complexo Madeira. Os grandes beneficiados pela construção das usinas hidrelétrica do Rio Madeira serão grupos de grande porte, como Votorantim, Vale do Rio Doce, CSN, Alcoa e Gerdau.
A maioria da população de Porto Velho (Rondônia) apóia o projeto. “No afã que as usinas vão gerar emprego, ganharam a opinião pública. Mas a maioria das pessoas desconhece os problemas que podem vir com as hidrelétricas”, avalia Iremar Antonio Ferreira, do Madeira Vivo.
Os problemas que virão são destacados por Gustavo Pimentel, da organização Amigos da Terra: “aumento do desmatamento, da grilagem, perda de biodiversidade, explosão demográfica e favelização em Porto Velho, aumento da malária e outras doenças, contaminação de peixes e da população por mercúrio, entre outros problemas”. A barragem de Santo Antonio fica distante apenas 7 Km de Porto Velho. A barragem deverá consumir 170 mil toneladas de estrutura metálica, além de 3,7 milhões de metros cúbicos de concreto, o suficiente para construir 60 estádios iguais ao Maracanã. Enquanto o concreto deverá ser produzido na região, a estrutura metálica será transportada pelas hidrovias amazônicas, assim como as 44 turbinas, cada uma com 33 mil toneladas.
Outro desafio crucial deverá ser a construção da linha de transmissão PortoVelho-Araraquara. Pelos planos do governo, sua concessão, orçada em 1,8 bilhão de reais. Aqui, o risco tem a ver com a eficiência de um sistema de logística a ser distribuído ao longo de 2 450 quilômetros, cruzando os estados de Rondônia, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e São Paulo. A fim de diminuir o desmatamento, as torres de transmissão, que vão atravessar áreas de proteção ambiental, terão pelo menos 40 metros de altura.
Segundo o movimento Rio Madeira Vivo, “o rio Madeira e suas margens deixarão de atender ribeirinhos, indígenas e a população de Porto Velho com água, peixes, sedimentos e vida para se tornar um rio-mercadoria. Um rio morto, estéril, com águas podres, contaminado por mercúrio, multiplicador da malária. Um rio a serviço das indústrias eletrointensivas e do agronegócio, imprestável para o povo, para a pesca artesanal, para o lazer e para as culturas de várzea”. O movimento alerta ainda que “com as usinas, o patrimônio histórico da Estrada de Ferro Madeira–Mamoré e da Igrejinha de Santo Antonio será descaracterizado para sempre. Verdadeiros monumentos ambientais como as cachoeiras de Santo Antonio e de Teotônio desaparecerão”.
Belo Monte
“Para construir a barragem terão que passar por cima de nós” – Luís Xipaia, líder kaiapó.
A maior obra de infraestrutura já realizada no país desde Itaipu e o terceiro maior empreendimento hidrelétrico do planeta, atrás apenas do projeto chinês de Três Gargantas e da própria Itaipu caracteriza a usina hidrelétrica de Belo Monte. O projeto impactará 11 municípios, nove territórios indígenas, desalojará milhares de pessoas e desmatará grandes áreas de floresta e secará parte do rio Xingu.
O governo afirma que a hidrelétrica é absolutamente indispensável para suprir a crescente demanda por energia; já na análise do movimento social, de ambientalistas e especialistas, Belo Monte configura-se como um projeto economicamente perdulário, socialmente desastroso e ambientalmente devastador. Nas palavras de dom Erwin Krautler, uma das principais vozes de resistência ao projeto, Belo Monte é “projeto faraônico e gerador de morte”. Os movimentos acusam ainda que o empreendimento atende especialmente aos interesses do grande capital.
Belo Monte foi projetada pela primeira vez pelos militares em 1975 no âmbito dos grandes projetos de ocupação da Amazônia. Em 1989, o projeto foi retomado com o nome de usina Kararaô, mas foi abortado pela resistência dos povos indígenas. Há um episódio que marcou simbolicamente a suspensão do projeto. Durante um encontro realizado em Altamira entre os povos índígenas com a Eletronorte para discutir a barragem, a indígena kayapó Tuíra encostou a lâmina de um facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes – hoje presidente da Eletrobrás –, num gesto de advertência contra o então projeto do governo de inundar 1,7 milhão de hectares com a construção de cinco barragens no Xingu. A foto correu mundo e a pressão internacional fez com que o Banco Mundial desistisse do empréstimo.
Tudo é superlativo na obra. Belo Monte é um gigante na selva. Ninguém sabe ao certo o custo da obra. Orçada em R$ 20 bilhões pelo governo e R$ 30 bilhões por empresários, a previsão é que a construção da usina mobilize 100 mil pessoas, incluída os 18,7 mil trabalhadores empregados nas obras, 23 mil nas atividades que orbitam o empreendimento e um contingente de 55 mil pessoas em busca do “novo Eldorado”. Para os críticos, a conta está subestimada e avaliam que a obra mobilizará o dobro, 200 mil pessoas. A obra prevê a construção de dois canais de até 35 km de comprimento e 500 m de largura – o volume de terra a ser retirado e o de concreto para forrá-los supera o do canal do Panamá.
A fauna, a flora e parte da natureza intocável e de rara beleza serão destruídas. Haverá comprometimento da navegabilidade, da pesca e da agricultura. Animais serão extintos e os modos de vida locais se perderão em definitivo; grandes áreas de bosques serão inundadas. Cem quilômetros do rio Xingu, um afluente do Amazonas – com largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos, florestas, canais naturais rochosos – se tornarão secos ou serão reduzidos a um filete de água.
Belo Monte é realmente necessária? O governo diz que sim, o movimento social contesta. Na avaliação dos movimentos contrários a obra, a mesma gerará pouca energia e produzirá muitos danos. Segundo especialistas a grande oscilação entre cheias e secas do rio Xingu vai transformar a hidrelétrica de Belo Monte numa imensa usina “vaga-lume”. Análises ainda dão conta que a hidrelétrica foi concebida para atender os grandes consumidores de energia.
Conjuntura da Semana. Uma leitura das ‘Notícias do Dia’ do IHU de 01 a 09 de março de 2010 – A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A presente análise toma como referência as “Notícias” publicadas de 01 a 09 de março de 2010. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
(Ecodebate, 11/03/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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Caros ambientalistas e progressistas:
“Aceitar a síndrome do ‘fio d’água’ para os aproveitamentos hidrelétricos na Amazônia significa vergar-se ao ambientalismo-indigenismo neocolonial e privar a sociedade brasileira de um bem soberano”.
Comentários:
O alagamento produzido por reservatórios tem um efeito semelhante, em princípio, ao da poluição ambiental. “Com freqüência, a discussão pública do problema ambiental caracteriza-se mais pela emoção do que pela razão. Grande parte dela se desenvolve como se o ponto crucial fosse poluição e não poluição, como se fosse desejável e possível ter um mundo impoluto. Evidentemente isto é um absurdo. Ninguem que pense seriamente sobre o assunto considera a poluição zero como estado de coisas desejável e possível” ( Milton Friedman). Assim tambem não é desejável e possível um ambiente intocável. Qualquer reservatório — por diminuto que seja — produz prejuízo ambiental por alagamento. O Brasil pode ter tido a sorte de encontrar condições de relevo que permitiram a construção de reservatório do porte de Furnas, Itumbiara e Serra da Mesa na cabeceira dos rios Grande, Paranaíba e Tocantins, capazes de regularizar a vazão desses rios e garantir suprimento tranqüilo por cerca de 40 anos, o que é uma proeza. Mas essa foi uma estratégia plausível no século passado, quando condições sócio-ambientais nem eram levadas em conta e que só se tornaram possíveis graças a governos autoritários ou nacionalistas. Os habitantes de nosso município — um dos 34 afluentes de Furnas — sentiram na pele os estragos que não foram poucos. Não fora a construção dos reservatórios de regulação, certamente estaríamos patinando no atraso e não teríamos condições de propiciar aos brasileiros as inegáveis condições de vida hoje desfrutadas inclusive pelos “ribeirinhos” desses reservatórios.
Não se trata de aceitar ou não a síndrome do ‘fio d’água’ para os aproveitamentos hidrelétricos na Amazônia: esta é uma condição imposta pela realidade do relevo. Nem significa vergar-se ao ambientalismo-indigenismo neocolonial — uma sentença carregada de retórica — mas aos princípios elementares da física do século XVIII. A sociedade brasileira estaria privada dos confortos da vida moderna se tivesse mantido intacto o “território soberano”. Percorri as cabeceiras dos Rios Xingu e Tapajós (pelo Google é claro), inclusive o Teles Pires. São Luiz do Tapajós está quase ao nível do mar, encostado no Amazonas. Os potenciais da vizinhança do Teles Pires têm pouca altura e pequena altitude para se tornarem candidatos a constituir estoques de energia que permita qualquer regularização. Pretender regularizar a vazão dos rios amazônicos é um atentado contra os princípios da física. Não resta alternativa senão aceitar as contingências do relevo e subaproveitar os potenciais na forma utilizada nas usinas do Rio Madeira. Pode ser pouco, mas é o que a natureza oferece. Entretanto, a pouca energia produzida por estes potenciais pode ser conjugada com termoelétricas a gás — imprescindíveis na Amazônia, como de resto em todo o sistema atual. Em ano eleitoral, os candidatos precisam mostrar serviço (grandes obras), ainda que na forma de promessas irrealizáveis, porque não há tempo hábil. Esta é a razão do nacionalismo exacerbado No entanto hesitam — num claro pedido de desculpas — pela obrigação que têm se “sujar a matriz energética.” Ainda persistem redutos nacionalistas que contam como possíveis eleitores. Bem, chega por enquanto…
Hugo Siqueira Av Oscar Ornelas 157 Cabo Verde MG
APAGÃO
“O preço da liberdade é a eterna vigilância”. Parafraseando o Brigadeiro Eduardo Gomes diríamos: “O preço da governabilidade é a inconfidência dos políticos”. Os Judas que compraram indicações do velho cacique são os mesmos com os quais a nossa maior celebridade “O Filho do Brasil” vai ter de dialogar para salvar a governabilidade e a segurança do sistema elétrico. Nos regimes parlamentaristas muitas cabeças já teriam rolado e ministros renunciado ao cargo. O preço da “energia garantida” e dos “riscos operatórios” é o superdimensionamento do sistema elétrico.
Mas porque justo agora com nossa “celebridade” — considerada “a maior hidroelétrica do mundo” — foi acontecer o de repente (in) esperado? Qual a razão da súbita mudança de estratégia provocada pelas recentes notícias? Os sinais são claros:
Postergada para 2010 a licitação da Usina de Belo Monte.
Cadastramento preponderante de usinas térmicas para o leilão de energia nova marcado para 17 de dezembro.
Só agora os especialistas e professores estão se manifestando sobre as fragilidades do Sistema Elétrico Brasileiro.
“Apagões e inconfidências acontecem nas melhores famílias”, não é privilégio de países subdesenvolvidos como atesta a maior freqüência nos Estados Unidos, cuja distribuição de energia é regionalizada e cujos efeitos são naturalmente restritos, ao contrário do Brasil que tem um sistema único interligado. Os técnicos da Eletrobrás — que foram extremamente eficientes ao projetar o Sistema Elétrico Brasileiro — já tiveram que lidar com problema semelhante de manter “energia garantida” em sistemas predominantemente hidroelétricos. Sistemas como este são naturalmente inseguros pela inerente dependência do fator clima que constitui fenômeno imprevisível. Não podendo contar com térmicas — indisponíveis na época para aumentar a confiabilidade — a estratégia de sucesso utilizada foram os reservatórios de acumulação, com evidente antecipação de investimentos e endividamento externo. Este, o preço pago pela intuição dos técnicos: o superdimensionamento. Projetam agora alongar a vida de um sistema de fonte única hidroelétrica ao repetir na Amazônia a mesma estratégia de sucesso utilizada no Sudeste com o emprego de reservatórios de acumulação. Sabidamente os potenciais de fio d’água da Amazônia não produzem estoques de energia, por isso a interligação elétrica por si só, não transfere estoques simplesmente porque não há estoques para transferir. A interligação com o Norte só agrava os riscos operacionais de um sistema inerentemente inseguro pela sua elevada concentração. Como afirma Friedman, “nada é de graça”: assim como não existe meio ambiente impoluto não haverá sistema elétrico incólume. Não existem sistemas hidroelétricos isentos de risco, como se fosse possível e desejável um sistema de risco zero. Evidentemente isto é um absurdo. Ninguem que estude seriamente o problema considera o risco zero como estado de coisas desejáveis e possíveis. O preço da garantia é o superdimensionamento. A manutenção de “energia garantida” é muito dispendiosa por sua inerente dependência do clima. É um luxo somente permitido aos países industrializados. A forma natural de ter 100% de “energia garantida” é através de fontes térmicas porque nestas o combustível já constitui um estoque de energia, disponível a qualquer tempo, independente de condições climáticas. Aliás, ainda está por entender porque no não foi feito isso no recente apagão: na pressa esqueceu-se de abrir a torneira do gás e apertar o botão das termoelétricas.
Hugo Siqueira Avenida Oscar Ornelas 157 Cabo Verde MG fone 0313537361355
Se existe algo que se assemelha ao desastre que será causado pela hidrelétrica de Belo Monte, seria o Holocausto. Sacrificar a vida em prol de interesses políticos, ideológicos e econômicos. É uma lástima o governo apoiar (corruptamente) planos de empresas de logística, exploração e construção de lucrar com a destruição de ecossistemas, protegidos por um pano de geração de empregos e “destruição sustentável” que encobre os verdadeiros interesses na construção da usina, gerar votos e conseguir apoio das grandes empresas para bancar suas campanhas eleitoreias milhonárias e enriquecimento ilícito.