Cultivares indígenas da mandioca remediam má nutrição no Brasil, artigo de Nagib Nassar
O portal Science Development (www.scidev.net) publicou texto de autoria do professor Nagib Nassar, da Universidade de Brasília (UnB), sobre a utilização de cultivares indígenas e a manipulação de espécies selvagens
Segue o artigo em português, enviado ao “JC e-mail” pelo autor:
“Gostaria de comentar sobre a publicação neste jornal (Scidev), nesta semana, do artigo com titulo “Culturas geneticamente modificadas (GM) da mandioca podem aliviar a fome?”.
Há fontes muito mais baratas e muito mais nutritivas do que GM para alimentar populações pobres, que seriam os cultivares indígenas de culturas como a mandioca. Eles são muito ricos em nutrientes e muito bem adaptados a condições severas do solo e clima, mas foram negligenciados pelos pesquisadores e autoridades em países que os hospedam e onde eles evoluíram para atingir a forma atual.
Entretanto, há um notável progresso alcançado. Nosso programa de melhoramento da mandioca no Brasil identificou um cultivar indígena da mandioca com excelente palatabilidade quando cozinhado.
O mais importante aspecto dessa avaliação é o seu conteúdo de caroteno, que mostrou ter 50 vezes mais beta caroteno (precursor da vitamina A) do que a mandioca comum (1). Somente 100 gramas dessa variedade fornecem à pessoa adulta a inteira necessidade de consumo dessa vitamina.
A falta da vitamina A em alimentos das populações pobres resulta em doenças graves, uma delas é a cegueira. O alto conteúdo da vitamina nesse cultivar surpreende quando lembramos que, para conseguir a mesma dosagem da vitamina, precisamos comer mais de 2 kg do famoso GM arroz dourado.
A variedade foi distribuída aos pequenos agricultores do Distrito Federal e por eles abraçada, e se encontra em pleno plantio em toda a região. Sua seleção e propagação aconteceram dentro de um pequeno projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq).
As espécies silvestres da mandioca são outra fonte barata e acessível de nutrientes, se forem usadas com habilidade. Por exemplo, conseguimos – a partir do cruzamento da mandioca comum com uma das espécies silvestres – um híbrido muito produtivo e que tem até 22 vezes mais quantidade de ferro e de zinco (2), micronutrientes essenciais para a saúde infantil. Sua falta conduz a doenças do crescimento e do metabolismo nessa fase da vida.
Tanto a seleção de cultivares indígenas como a produção de híbrido rico em micronutrientes não nos custou mais do que poucos mil dólares, que foram fornecidos pelo CNPq. Isto comparado ao alto custo de desenvolver culturas GM, que muitas vezes custam até 100 milhões de dólares.
As culturas GM não são capazes de atingir qualidade e adaptabilidade de cultivares indígenas por razão simples. Isto porque durante sua vida curta de sintetizados e fabricados não passaram por filtração de seleção natural. Assim, logo após seu lançamento e plantio, elas sofrem grave queda no lugar de plantio. A variedade de mandioca GM, que custou mais de 20 milhões dólares para ser sintetizada e desenvolvida, mal consegue crescer sob condições naturais do oeste da África. Nenhum agricultor a planta no presente.
Há ainda mais necessidade de selecionar, propagar e distribuir cultivares indígenas e de manipular espécies silvestres de nossas culturas, como a mandioca, para que se beneficiem populações pobres no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, há necessidade de informar e reeducar essas populações sobre o benefício de se plantar e preservar essas variedades.
Os cultivares indígenas são uma herança preciosa de nossos povos nativos, selecionados e desenvolvidos durante mil anos. Eles merecem atenção e cuidado de nossas autoridades e são merecedores de nosso orgulho pelo que possuem, e pelo que nossos avós nos deixaram.
1) Nassar, N.M.A. et al. Amarelinha do Amapá: a carotenoid-rich cassava cultivar. Genetics and Molecular Research. 8 1051-1055 (2009)
2) Nassar, N.M.A. et al. Cassava, Manihot esculenta Crantz genetic resources: a case of high iron and zinc. Genetic Resources and Crop Evolution: Volume 57: 287- 291 (2010).”
Artigo originalmente publicado no Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3954, de 23 de Fevereiro de 2010.
EcoDebate, 24/02/2010
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