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Fracasso de Copenhague: Estados Unidos e China responsáveis! artigo de Tomás Togni Tarqüinio

aquecimento global

[EcoDebate] A conferência de Copenhague foi um fracasso. Os resultados foram um financiamento de US$ 30,0 bilhões para os países em desenvolvimento nos próximos três anos e um acordo a ser ratificado pelos estados visando limitar o aquecimento global à 2º C. O primeiro resultado é insignificante, enquanto que a eficácia do segundo pode ser comparada aos angélicos apelos do Papa em prol da paz. Quanto aos meios e as condições necessárias para alcançar esses objetivos nada foi decidido.

Analisando retrospectivamente, o resultado não poderia ter sido diferente. Crer que os EUA e China – principais poluidores do planeta – iriam a Copenhague dispostos a assumir um compromisso internacional diante de 190 países releva singeleza, para não dizer candura. E sem engajamento desses dois gigantes, responsáveis por 40% das emissões mundiais de CO2, nenhum acordo foi e será possível. Em que pese à apresentação de várias propostas ousadas, os demais participantes gesticularam com maior ou menor brilho, sem alcançar um denominador comum, Brasil e União Européia, inclusive. No final, as aspirações do movimento ecológico mundial ficaram reduzidas a uma carta de intenções sem valor.

O caminho iniciado na Rio-92 fundado na cooperação internacional, na definição de metas negociadas de emissão e na instituição de regras comuns, além de procedimentos de verificação mútua, esgotou-se em Copenhague. Doravante, prevalecerá a lógica nacional, tal como ficou demonstrado pela atitude dos EUA e China.

A expectativa gerada quanto às posições dos EUA e da China era muito grande. Esperava-se que ambos assumissem propostas próximas das recomendações mínimas sugeridas pelo IPCC (redução das emissões de CO2 em 25%, no horizonte 2020). A esperança era tanto maior, na medida em que, são eles os países que têm a maior margem, ou melhor, o maior potencial de redução das emissões de Gases Efeito Estufa (GEE).

As razões que os levaram a uma posição intransigente estão muito mais relacionadas às gigantescas transformações que uma política ecológica os obrigaria a assumir internamente, a médio e longo prazo, do que a crise econômica que atualmente afeta o planeta.

Ao colocar a sua assinatura em um acordo climático internacional, o governo americano, seja o de Clinton, Bush ou Obama, se comprometeria a modificar radicalmente nada menos do que “o american way of life” que nos é veiculado diariamente pela mídia como paradigma de existência terrena. Em outros termos, significa dar início a um processo de transformação de modos de produção e consumo que são a base desse estilo de vida caracterizado pelo fantástico desperdício de matérias primas e energia. Aliás, para assegurar esse nível de vida, os EUA não hesitaram em colocar tropas no Iraque e Afeganistão – e ontem no Vietnam – para sustentar a pedra angular de sua prosperidade econômica: as fontes de energia fóssil do Oriente Médio.

E os EUA têm muito a fazer no tocante à redução das emissões de GEE e ao desperdício de matérias primas e energia. Comparativamente, os americanos têm um nível de vida semelhante aos habitantes dos países da Europa Ocidental (padrão de consumo e um PIB per capita análogos). No entanto, um americano emite o dobro de GEE e consome o dobro de energia e de matérias primas do que um europeu. Por essa razão, um esforço de redução desses índices, em tese, não afetaria de maneira drástica os padrões de vida da população americana. Mas exigiria um comprometimento coletivo que está longe de ser realidade, além de ser uma fonte de conflitos internos, principalmente em razão de pressões de poderosos lobbies americanos contra propostas ambientais.

No caso da China, assinar um acordo em Copenhague significa não apenas comprometer de imediato o projeto de desenvolvimento convencional em curso há 30 anos e cujas taxas de crescimento não têm precedente na história econômica, mas também afetar seus desígnios de afirmação como grande potência econômica, política e militar.

O crescimento da China é espetacular. A produção de aço passou de 27,0 milhões de toneladas, em 1980, para 127,0 milhões vinte anos mais tarde (2000). Em 2008, os chineses alcançaram 454,0 Milhões de toneladas – triplicando a produção em oito anos. A metade é consumida pela construção civil e 15% pela indústria automotiva. Quanto ao cimento, a produção passou de 253 milhões de toneladas, em 1991, para 1,35 bilhões de toneladas em 2008 (40% da produção mundial). Quanto aos veículos automotores, a China superou, em 2009, os Estados Unidos em produção de veículos (13 milhões), cujo parque é atualmente estimado em 160 milhões de veículos a motor. O número de veículos privados passou de 1,0 milhão em 1994, para 35,0 milhões em 2008. Neste embalo, eles serão 140,0 milhões em 2020, superando o número de veículos estatais.

O contraponto ao sucesso da política do “Enriquecei-vos” lançada por Deng Xiaoping em 1977, é uma crise ambiental de proporções semelhantes às taxas de crescimento da economia. A situação ambiental urbana e rural é de tal maneira grave que os dirigentes serão obrigados a adotar uma política ambiental drástica.

Toda a produção depende essencialmente de carvão. A China consome mais carvão do que os Estados Unidos, a Europa e o Japão reunidos. O consumo de dois bilhões de toneladas anuais – equivalente a dois terços do consumo total da energia primária do país – coloca o país como campeão indiscutível de emissões
de dióxido de enxofre (SO2): 34,2 milhões de toneladas em 2007 (EUA: 17,9 mi/ton.; Rússia: 9,8 mi/ton.; Brasil e Japão: 2,8 mi/ton. cada).

Não é por acaso que o país abriga 12 dentre as 20 cidades mais poluídas do mundo e seja a campeã de emissões de CO2. O número de pessoas que anualmente morrem prematuramente em razão da poluição atmosférica (SO2, NO2 e partículas em suspensão) é da ordem de 400 mil. A população urbana é estimada em quase 600 milhões de habitantes, podendo alcançar a 900 milhões em 15 anos (um Estados Unidos a mais!). Outro fator grave diz respeito à poluição da água doce.
Mais de 70% dos rios e lagos estão poluídos; a carga poluidora vertida no meio hídrico é igual a dos Estados Unidos, Índia e Japão reunidos. No entanto, as disponibilidades de água doce são modestas: uma reserva média anual por habitante equivalente a 2.200 metros cúbicos, ou seja, um quarto da média mundial.

A situação é tão grave que o número de manifestações de caráter ambiental não cessa de aumentar, apesar dos métodos musculosos empregados pelo partido único. O governo reconhece que, em 2005, houve mais 50 mil movimentos sociais de caráter ambiental em todo país reagrupando mais de 50 pessoas cada.

Por essas razões, o governo chinês lançou um plano de investimentos da ordem de 180 bilhões de dólares visando melhorar a eficiência energética e aumentar a participação das energias renováveis na matriz energética (solar, eólica e agro-combustível). Mas, tendo em vista a dimensão do problema, o esforço é pouco significativo. De qualquer maneira, as ações em favor do meio ambiente serão realizadas sem que a China tenha que prestar contas internacionalmente.

Diante desse quadro, o futuro do planeta estará ainda por muito tempo subjugado aos imperativos nacionais. A transformação das propostas da ecologia política em ações internacionais também restará mais no campo proverbial do que real. O encontro de Copenhague foi revelador de uma evidência que boa parte dos ecologistas, em geral preocupados com epifenômenos, raramente se dá conta: o progresso técnico não irá resolver os problemas ecológicos de “per si” e a solução à crise ecológica e ambiental passa pelo engajamento da população no que diz respeito ao seu comportamento individual e coletivo.

Tomás Togni Tarqüinio é Antropólogo e ecologista. Email 3.ttt{at}bol.com.br

EcoDebate, 19/02/2010

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