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Pacientes com câncer atendidos pelo SUS estão impedidos de usufruir dos procedimentos mais modernos e eficazes

Pacientes com câncer atendidos pelo SUS estão impedidos de usufruir dos procedimentos mais modernos e eficazes

Direito violado – Está na Constituição Brasileira: “A saúde é direito de todos e dever do Estado”. Entretanto, quando o assunto é o câncer, doença que só neste ano deve atingir mais de 500 mil brasileiros, o direito não está sendo respeitado. Quem afirma é a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc). Segundo a entidade, procedimentos que poderiam facilitar o tratamento e melhorar a qualidade de vida das vítimas de alguns tipos de tumores malignos deixaram de ser autorizados pelo Ministério da Saúde. Os resultados, afirma a Sboc, são a diminuição na qualidade do tratamento e a redução em 25% da chance de cura para os pacientes de câncer de todo o país.

Segundo o presidente da Sboc, Enaldo Lima, o problema se acentuou em junho de 2008, quando uma portaria retirou da tabela de procedimentos autorizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tratamentos relacionados a alguns dos tipos mais comuns de câncer, como o de próstata e o de colo de útero. “Esses procedimentos foram retirados de forma arbitrária pelo ministério e não foram incluídos novamente, mesmo após nosso contato com o governo”, afirma. “Vale lembrar que, por ser um tratamento caro, mais de 80% dos pacientes com câncer são dependentes dos serviços oferecido pelo SUS”, completa. Reportagem do Correio Braziliense.

Os procedimentos a que Enaldo se refere são quimioterapia paliativa para carcinoma gástrico, quimioterapia prévia em portadores de carcinomas epidermoides de cabeça e pescoço, tratamento do carcinoma de colo uterino recorrente em área irradiada, hormonioterapia para câncer de próstata e para a hipercalcemia maligna. Os nomes podem parecer complicados, mas se referem a procedimentos comuns para quem sofre das formas mais severas da doença.

De acordo com o oncologista Anderson Silvestrini, que já atuou na rede pública de saúde do Distrito Federal e atualmente atende na rede privada, a justificativa do Ministério da Saúde para tal decisão são os resultados de estudos científicos, classificados por ele como frágeis. “Existem inúmeras pesquisas que indicam a eficácia desses tratamentos. Entretanto, o ministério prefere levar em consideração um único estudo que nós, médicos, consideramos extremamente frágil e controverso”, diz o médico, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.

Ele aponta outras falhas no sistema de atendimento aos pacientes com câncer: “Além dos problemas que já conhecemos, como as longas filas, os pacientes ainda não têm o direito de usufruir de todos os tratamentos amplamente difundidos e utilizados na rede privada. Isso impacta diretamente na chance de cura, na sobrevida e na qualidade de vida do paciente após o tratamento”, afirma. “É como se existissem pacientes de duas classes: os que podem pagar por bons tratamentos na rede privada e os que dependem do atendimento deficiente do SUS”, completa.

Dois lados
A dona de casa Maria Beatriz Figueiredo, 56 anos, conhece bem as duas faces do tratamento de câncer no Brasil. Há 10 anos, ela venceu a batalha contra um linfoma no estômago. Para Maria Beatriz, o tratamento, feito totalmente na rede privada, possibilitou que ela lidasse melhor com a doença. “O simples fato de eu ter começado a me tratar logo que eu descobri a doença contribuiu de maneira decisiva para a minha cura. Hoje, eu só faço acompanhamento por segurança, já que o câncer nunca voltou”, conta. “É um momento em que ficamos muito fragilizados, e nessas horas conforto e rapidez no controle do câncer ajudam a manter a esperança e a qualidade de vida”, completa.

Ainda durante o tratamento, Maria Beatriz tornou-se voluntária da Associação Brasiliense de Apoio ao Paciente com Câncer (ABAC) e, depois de curada, passou a acompanhar pacientes de baixa renda que se tratam nos hospitais públicos do Distrito Federal e em cidades de Goiás. A dona de casa conta que se deparou com uma realidade oposta à que enfrentou quando a paciente era ela mesma. Segundo a voluntária, há muita diferença entre o cuidado dispensado aos pacientes públicos e privados. “Muitas vezes, demoram meses para marcar exames. Aí, são outros meses para receber o resultado e mostrar ao médico. Esta é uma doença em que o tratamento precoce é fundamental, o que se torna muito mais complicado no SUS”, afirma. Para ela, “na maioria dos casos, não é o câncer que mata, e sim a demora e a qualidade do tratamento que destroem a esperança de cura e a qualidade de vida dos pacientes”.

Procurado pelo Correio, o Ministério da Saúde afirmou ter conhecimento do problema denunciado pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Segundo a assessoria de imprensa, desde novembro, o ministério discute com a Sboc a melhor forma de tratamento para esses pacientes. O órgão ainda afirmou que as reclamações da sociedade serão consideradas na próxima atualização da tabela de procedimentos do SUS, cuja data para acontecer ainda não está prevista. No entanto, o ministério garantiu que divergências de opinião sobre qual a melhor forma de tratamento são comuns e não prejudicam os pacientes que precisam recorrer ao sistema público de saúde.

É como se existissem pacientes de duas classes: os que podem pagar pela qualidade e os que dependem do atendimento deficiente do SUS”
Anderson Silvestrini, oncologista

Para saber mais
Alta complexidade

Na rede pública, quando um paciente necessita de um procedimento diferente do que normalmente é dispensando às vítimas da mesma doença que sofre, é preciso que o tratamento seja autorizado pelo Sistema Único de Saúde, por meio da Autorização de Procedimento de Alta Complexidade (APAC). Feito o pedido, um auditor analisa o caso e, de acordo com uma tabela elaborada pelo Ministério da Saúde, autoriza ou veta o procedimento. Essa análise é feita caso a caso, em todo o país.

O sistema serve para controlar os gastos com procedimentos extremamente caros e para garantir que pacientes das diversas regiões brasileiras recebam cuidados semelhantes. No caso dos tratamentos reclamados pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, uma revisão na tabela do SUS os retirou da lista de coberturas pelo governo federal.

Segundo o vice-presidente da sociedade, o resultado é a utilização de tratamentos mais antigos e que podem gerar sequelas aos pacientes. “Existem casos de tumores na laringe, por exemplo, que poderiam ser tratados com combinação de quimio e radioterapia. Entretanto, com as mudanças, muitas vezes esses pacientes são obrigados a passar por cirurgia, o que gera mutilação da garganta e perda da fala, entre outros problemas.

Saiba mais: Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia quer que pacientes da rede pública tenham acesso a tratamento de Dilma

EcoDebate, 11/01/2010

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