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Floresta Zero: Lá vai o Código Florestal, sem choro nem vela, artigo de Marcos Sá Corrêa

[O Estado de S.Paulo] A reforma do Código Florestal é como um estouro de boiada. Depois que dispara, não se desvia mais dos argumentos que lhe surjam pela frente. Passa reto por cima deles, deixando para trás um rastro de avisos pisoteados.

Mas isso, no Brasil, vem do governo Epitácio Pessoa, na década de 1920. O que o debate tem de novo é a manada de e-mails desembestados, para mostrar que, mais uma vez, como nos bons tempos das sesmarias coloniais, a política brasileira dispensa argumentos e critérios, porque nasceu para dar terras a quem pegar primeiro, de mão beijada.

Pode haver sinal mais claro de que, lá em cima, no Planalto Central que nos governa, a decisão já tomou o rumo dos assuntos que o País resolve sem discutir do que um e-mail dizendo que “a reserva legal só serve para trazer produtores rurais para a ilegalidade”?

O que se pode dizer contra isso além de “é sim”? Qualquer lei serve, em princípio, para botar na ilegalidade – e, eventualmente, na cadeia – quem resolva enfrentá-la no peito e na raça. Traficantes de morro sabem disso. E, no caso, em favor do traficante se poderia invocar pelo menos o atenuante de que há menos interesses públicos e direitos constitucionais feridos num cigarro de maconha aceso do que numa floresta queimando.

Mas a campanha contra o código não é um movimento de ideias, mas uma nova reiteração dos fatos consumados. À falta de um debate que possa levar a sério, o País na prática já enterrou o Código Florestal nos conchavos de Brasília. E agora vale tudo para apressar o cortejo.

Vale, por exemplo, dizer: “Não é vocação do produtor rural manejar floresta legal.” Ah! Não é? Então o código parece feito sob medida para o produtor rural. A mata em geral cuida razoavelmente bem de si mesma. Sobretudo se o agricultor não quiser ajudar com machado e fogo. Como as leis brasileiras esclarecem desde os esboços de legislação ambiental por José Bonifácio, manejar floresta não é prerrogativa da mata, mas de quem estiver disposto a aproveitar seus recursos sem acabar com ela.

Se o agricultor preferir não se exaurir com manejo florestal, melhor para a floresta. Basta esquecê-la, que dificilmente ela se queixará de abandono. Para isso, o código não precisa de poda radical.

Assim como não há motivo para considerar injusto “exigir de qualquer pessoa 20% de seu tempo para ser dedicado a qualquer coisa que ele não queria fazer”. E o que tem o código a ver com 20% do tempo de seja lá quem for?

As leis que forçam as pessoas a gastarem parte de suas vidas para fazer o que não querem impõem, até onde a vista alcança, voto e serviço militar obrigatórios. Ou, por tabela, os impostos. O coitado do código não vai tão longe. Suas porcentagens não se referem ao tempo do agricultor, e sim ao espaço de preservação nas propriedades rurais. Ali, definem o que o dono não pode fazer e, de uns tempos para cá, o que ele pode fazer, se quiser. Não querendo, ele pode usar legalmente esses 20, 35% ou 80% de reserva para não fazer nada. São lugares de descanso, para a terra e para o homem. Uma ideia que aqui no Brasil não pegou, como dizia no século 19 o francês Charles Ribeyrolles ao pressentir a ruína da escravidão no Vale do Paraíba.

Enquanto a terra e o homem descansam, a mata trabalhará de graça cuidando antes de mais nada da água, o principal insumo da agricultura desde que o mundo começou a trocar, lá vão 10 mil anos, florestas por terras cultivadas, plantações por pastagens e campos exaustos por desertos, frequentemente nessa ordem.

* Marcos Sá Corrêa, é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

** Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 30/10/2009

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