Planalto tibetano: temperatura sobe acima da média global e gelo derrete cada vez mais rápido
O Planalto Tibetano situa-se entre o Himalaia a sul e o Deserto de Taklamakan a norte. Foto: Wikipédia
O degelo no topo do mundo – Ao falar na Organização das Nações Unidas esta semana, o presidente Hu Jintao da China declarou que seu país “reconhece totalmente a importância e a urgência para lidar com a mudança climática”. Como deveria. A China está começando a perceber que tem muito a perder com o dióxido de carbono que o mundo emite despreocupadamente na atmosfera da Terra. Reportagem de Orville Schell, The New York Times.
As palavras de Hu me fizeram lembrar-me de um dia, há não muito tempo, em que estive numa plataforma a 4.260 metros acima do nível do mar, cercado por grupos de turistas chineses vestidos com parcas coloridas.
Um teleférico havia nos levado tão perto dos picos íngremes da Montanha de Neve Dragão de Jade e do glaciar que se estende pelo seu flanco. As pessoas tiravam fotos da massa de gelo alegremente, parecendo inconscientes do desastre que se desenrolava à sua frente.
Por causa da mudança climática, a Geleira Baishui nº 1, de quase 2,7 quilômetros de extensão, poderia bem ser um dos primeiros grandes sistemas glaciais do Platô Tibetano a desaparecer depois de milhares de anos. A geleira, situada acima da cidade movimentada de Lijiang, no sudoeste da China, encolheu 250 metros nas últimas duas décadas e parece estar se desfazendo numa velocidade ainda maior a cada ano. Ela é a geleira que fica mais ao sul do platô, então seu declínio é um dos primeiros alertas do que pode acontecer com quase 18 mil glaciares de grandes altitudes no Grande Himalaia à medida que o planeta continua a aquecer.
Como o planalto tibetano e seu entorno abrigam a maior massa de gelo perene do planeta depois do Ártico e Antártica, ele ficou conhecido como o “Terceiro Pólo”. Seus campos de neve e geleiras alimentam quase todos os principais sistemas fluviais da Ásia durante as estações quentes e secas, quando cessam as monções, e seu degelo alimenta rios desde o Indo no oeste e o Amarelo no leste, com o Ganges, Brahmaputra, Irrawaddy, Salween, Mekong e Yang Tsé no meio. (As geleiras da Montanha de Neve Dragão de Jade contribuem com a maior parte da água para as nascentes do rio Yang Tsé.)
À distância, a Geleira Baishui Nº 1 parece tão imóvel quanto a desafiadora montanha acima dela. Na realidade, é um campo fluido de gelo e rocha em constante movimento descendente. Os cientistas falam sobre o comportamento reativo dessas geleiras como se elas fossem quase humanas. Os povos tibetano e naxi, que habitam esta região, tratam as geleiras, assim como às montanhas que os abrigam, como encarnações de deidades e espíritos.
Hoje, um número cada vez maior de geleiras está perdendo seu equilíbrio, ou a capacidade de reunir neve e gelo suficientes nas altas altitudes para compensar o ritmo de degelo nas mais baixas.
Depois de pesquisar o Himalaia por muitos anos, o respeitado glaciologista chinês Yao Tandong alertou recentemente que, de acordo com as tendências atuais, quase dois terços dos glaciares do platô podem bem desaparecer dentro dos próximos 40 anos. Com o planeta tendo vivido os dez anos mais quentes já registrados, a velocidade anual média de degelo dos glaciares das montanhas parece ter dobrado depois da virada do milênio em relação a duas décadas atrás.
Além disso, as temperaturas no Platô Tibetano estão aumentando mais rápido do que a média global. Uma boa porção dos campos de gelo existentes na área foi perdida durante as últimas quatro décadas, e a velocidade de recuo aumentou nos últimos anos.
A extinção em câmera lenta da Geleira Baishui Nº 1 terá consequências abrangentes. Em curto prazo, haverá, é claro, uma abundância de água.
Mas em longo prazo haverá falta. Isso terá consequências para a segurança nacional, uma vez que os países competirão por recursos hídricos cada vez mais escassos oferecidos por rios transnacionais que têm até de dois bilhões de usuários.
Não faz muito tempo que o Platô Tibetano era visto como uma região pouco afetada, segura para os poucos aventureiros ocidentais atraídos por regiões remotas que o explorador sueco do século 20 Sven Hedin chamou certa vez de “espaços brancos” no mapa. Hoje, esses espaços brancos desempenham um papel crucial na ecologia da Ásia.
Infelizmente, pode ser tarde demais para mudar o destino da Geleira Baishui Nº 1. Mas ao prometer nesta semana tentar cortar as emissões de dióxido de carbono em relação ao Produto Interno Bruto e aumentar a proporção de combustíveis não fósseis no consumo primário de energia, Hu mostrou sua disposição para agir. A China não pode resolver este problema sozinha, e a visita do presidente Obama a Pequim marcada para novembro apresenta uma oportunidade para elaborar uma aliança bilateral sobre a mudança climática. Afinal, os campos de gelo do majestoso arco de picos que vai desde a China até o Afeganistão estão derretendo, em grande parte por causa dos gases de efeito estufa emitidos a milhares de quilômetros de distância.
Orville Schell, diretor do Centro da Sociedade Asiática sobre Relações Estados Unidos-China, é autor do livro “Virtual Tibet: Searching for Shangri-La From the Himalayas to Hollywood”.
Tradução: Eloise De Vylder
* Reportagem [The Thaw at the Roof of the World] do New York Times, no UOL Notícias.
EcoDebate, 29/09/2009
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