Construção de hidrelétricas no Rio Madeira pode aumentar o número de casos de malária em Rondônia
Canteiro de obras da Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira
Desenvolvimento e progresso nem sempre combinam com saúde pública. A construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, ambas ao longo do Rio Madeira, em Rondônia, embute a ameaça de expansão da malária nas duas áreas do estado, caso as obras não sejam acompanhadas por melhorias nas condições de vida da população ribeirinha. A advertência está explicitada em estudo publicado, recentemente, na Cadernos de Saúde Pública, periódico científico da Fiocruz, por pesquisadores do Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais (Ipepatro), da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e do Centro de Pesquisa em Medicina Tropical, também de Rondônia. Apesar de ocupar apenas 4,7% do território da Amazônia Legal, em Rondônia está o terceiro maior índice de casos autóctones de malária, doença que, em 2006, foram registrados 550.576 casos no Brasil, 101.532 deles apenas no estado.
O aumento da área da lâmina d’água do Rio Madeira, resultado da construção das duas hidrelétricas, manterá áreas permanentemente alagadas e propícias à proliferação do principal vetor da malária, o mosquito Anopheles darlingi, alerta o estudo. Mesmo em épocas de poucas chuvas, as áreas permanecerão alagadas e, assim, estarão situadas sob a vegetação existente às margens do rio, criando um imenso ambiente natural para a procriação do vetor. Além disso, em toda região de influência das futuras usinas observou-se a presença do mosquito, dizem os pesquisadores.
Os cientistas avaliaram os moradores de Jaci Paraná, Mutum Paraná, Embaúba e Palmeiral, localidades situadas entre o bairro de Santo Antônio, na periferia de Porto Velho, e o distrito de Abunã. E ao fazerem um perfil hematológico de 432 indivíduos selecionados, de ambos os sexos, com idades variando entre 0 a 88 anos, e de toda a região, constataram que 23,8% deles, ou 103 pessoas, apresentaram resultado positivo para os dois tipos de malária: tanto pelo Plasmodium falciparum, quanto pelo vivax.
No grupo estudado, 111 pessoas, ou 25,8% da mostra, estavam com taxas de hemoglobina abaixo do valor referencial, o que, segundo os autores da pesquisa, sugere prevalência significativa de anemia na população. “A associação do episódio de malária com as precárias condições sanitárias das moradias, escassos recursos financeiros e alimentação deficiente em micronutrientes fundamentais pode estar contribuindo para esse quadro anêmico da população”, observam os pesquisadores. Quadro que, segundo esses especialistas, requer uma atenção especial dos programas de saúde pública. Embora não haja uma correlação direta, argumentam os autores, estudos anteriores demonstraram que a malária e a deficiência de ferro podem ser considerados fatores que contribuem para aumentar o grau de anemia na população.
Quanto à questão da anemia na população local, a melhoria no serviço público de saúde é fundamental, com acompanhamento e educação em saúde junto à população, sugere Tony Hiroshi Katsuragawa, que divide com Luiz Hildebrando Pereira da Silva e outros a autoria do estudo. A instalação de mais unidades básicas de saúde, diz ele, o incremento e a qualificação do quadro de profissionais são outros pré-requisitos para melhorar a saúde da população, ações que podem diminuir a sobrecarga nos hospitais e policlínicas do município.
Para Katsuragawa, embora modificar hábitos alimentares de dezenas de anos possa ser difícil, uma suplementação alimentar pode ser uma alternativa a se levar em conta, em especial se for destinada para crianças de 0 a 10 anos. Vale ressaltar, informa, que muitos ribeirinhos estão proibidos de pescar e os peixes constituem a principal fonte de renda e alimento deles. O estudo do Ipepatro também constatou que a maioria da população pesquisada apresentava eosinofilia, o que sugere provável infecção por parasitas intestinais. A prevalência de parasitoses intestinais em escolares na área estudada é superior a 60%, observam os autores.
“A associação de outras doenças com a malária agrava ainda mais a saúde da população local”, diz Katsuragawa. “A implantação de saneamento básico, educação sanitária, construção ou a melhoria de unidades de saúde adequadas e capacitadas, e controle vetorial de forma ativa e permanente, são fundamentais para conter um aumento no número de casos de malária”, adverte Katsuragawa. Para quem, a construção das usinas deve levar em conta o emprego de todas as técnicas e metodologias conhecidas para controlar a malária, bem como deve ser considerado como prioritário, em todas as esferas governamentais, dos empreendedores e da população, o suporte adequado do sistema público de saúde.
Em estudos em que se avaliaram os efeitos da construção de grandes barragens e da irrigação sobre a malária, pesquisadores concluíram que em áreas endêmicas para essa doença negligenciada, medidas integradas de controle, associadas com uma séria gerência da qualidade da água represada, são fundamentais para abrandar a sobrecarga da malária em áreas de irrigação e em torno de barragens e reservatórios de água criados pelo homem. Somada à intervenção posterior nas áreas endêmicas para malária em que venham a ser construídas hidrelétricas, os autores aconselham rapidez no diagnóstico e início da terapia específica contra esta doença infecciosas febril aguda, sem deixar de lado a implementação de políticas públicas voltadas para a educação da população para prevenção de doenças.
O serviço de diagnóstico precoce e tratamento imediato para os casos positivos de malária devem sofrer uma ampliação significativa, de modo a ser um serviço constante e diário, dentro da área de influência direta das usinas hidrelétricas, recomenda Katsuragawa. Segundo ele, o contigente de profissionais da área da saúde voltados ao Programa Saúde da Família (PSF) e controle da malária ainda é insuficiente para atuar na prevenção e combate de doenças.
Reportagem de Edmilson Silva, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 12/08/2009
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