Guarani mbyá paulistanos devem se mudar por falta de espaço. Índios acreditam que novas terras são solução temporária
Parte dos 300 guarani mbyá residentes na comunidade indígena do Jaraguá, na zona norte da capital paulista, deverá se mudar para o município de Mairiporã (SP), a 37 quilômetros de São Paulo.
Eles passarão a ocupar cerca de 160 hectares concedidos pela Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa), empresa responsável pela construção do Rodoanel Mário Covas e da Rodovia dos Bandeirantes. O anel viário vai circundar São Paulo com o objetivo de fazer com que o trânsito de mercadorias e passageiros não passe dentro da capital.
Processo semelhante deverá ocorrer com os 300 guarani mbyá residentes em Krukutu e os 900 moradores da Aldeia da Barragem, as duas situadas em Parelheiros, ao sul do município de São Paulo. Para as duas aldeias deverão ser concedidos cerca de 150 hectares em um lugar que ainda está sendo escolhido. Juntas, elas têm atualmente 52 hectares.
Segundo o administrador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Bauru, Amaury Vieira, as terras compensam “impactos indiretos” nas comunidades da construção do empreendimento. “Minimamente, você tem que tentar garantir que as comunidades indígenas não sofram impacto dessa obra que é importante, mas que não pode passar por cima de todo mundo e ficar por isso mesmo”.
A Dersa nega, no entanto, que o Rodoanel seja responsável por impactos prejudiciais nas aldeias. “Todos os estudos mostraram um impacto da metrópole sobre as comunidades, não que pudesse ser atribuído ao Rodoanel”, ressaltou o gerente de Gestão Ambiental da Dersa, Marcelo Barbosa.
Barbosa afirma que os cerca de 300 hectares serão doados para amenizar o problema da falta de espaço que as aldeias indígenas da capital sofrem. “Por um acordo com o Ministério Público, entendemos que poderíamos colaborar para melhorar a situação das aldeias”, disse.
O antropólogo Daniel Pierri discorda que o Rodoanel não traga problemas aos guarani. “Acho que os impactos são enormes”, avaliou. Ele afirma , entretanto, que parte dos recursos naturais da região do Jaraguá havia sido comprometida antes da obra. “A nascente que passa dentro da comunidade era limpa, hoje é totalmente poluída pelo esgoto da região, antes mesmo do Rodoanel”.
Nas aldeias da zona sul há, segundo o antropólogo, uma ocupação crescente das terras utilizadas tradicionalmente pelos índios. “Cada ano que passa, a cidade vai chegando mais perto. Toda a área de uso deles [os guarani], antiga e documentada, vai se restringindo cada vez mais”.
Uma das lideranças do Jaraguá, Pedro Luís Mecena, acredita que construção do trecho oeste do Rodoanel aumentou as pressões sobre a terra indígena, a menor do país. Ele atribui a construção da via, a 4 quilômetros dos indígenas, ao aumento do número de empresas e residências nos bairros próximos à aldeia. Para Mecena, a aldeia de 1,7 hectare está sendo espremida pela metrópole de São Paulo.
“A gente se sente muito preso dentro da comunidade. Ela é pequena, o Rodoanel está trazendo moradores ao redor e isso acaba espremendo a aldeia”, reclamou o índio, que é vice-presidente da Associação República Guarani Amba Vera.
Essa proximidade com a cidade é um dos motivos que impedem que as aldeias sejam expandidas de maneira contínua. “Evidente que o ideal seria que essas terra fossem aumentadas na mesma região, mas essa é uma dificuldade que se tem na Grande São Paulo”, ressaltou o administrador da Funai..
Segundo Pedro Luís Mecena, o processo de ocupação em torno da aldeia teria começado com a construção da Rodovia dos Bandeirantes, inaugurada em 1978, cinco anos antes da identificação da terra indígena. A estrada, que liga a capital ao interior, passa ao lado da comunidade. Em meio às casas feitas com retalhos de madeirite e compensado, pode-se ouvir nitidamente o som do tráfego intenso da rodovia.
Apesar de as moradias da comunidade do Jaraguá serem semelhantes às encontradas em favelas urbanas, o guarani falado pelas crianças e adultos da aldeia demonstra o caráter diferenciado da comunidade. Ali existe também um Centro de Educação e Cultura Indígena (CECI), onde são ministradas atividades escolares na língua indígena e em português.
A religião e o convívio em língua indígena seriam as práticas que estariam ameaçadas pela ocupação ao redor da aldeia. Segundo Mecena, o contato direto com os não indígenas atrapalha o dia a dia da comunidade e inibe os índios de ficarem “à vontade”.
Os índios também se “ressentem” da dificuldade para transmitir conhecimentos tradicionais relativos à agricultura e às plantas medicinais, relatou o antropólogo Daniel Peirri. “Eles têm dificuldade de transmitir boa parte dos conhecimentos que estão ligados com a mata e com o plantio por conta desse adensamento demográfico grande e a falta de espaço”, contou.
A quantidade reduzida de terras da aldeia consegue apenas abrigar as casas dos índios. Não é possível plantar e produzir, atividades que fazem falta aos mais velhos, de acordo com Mecena. Ele afirma que são os membros mais idosos que mais sentem necessidade do modo de vida “mais tradicional”. Atualmente, a comunidade se sustenta basicamente pela venda de artesanato em diversos pontos da cidade e com os salários de alguns índios que têm trabalho fixo.
Assim que houver o mínimo de infraestrutura na nova área, os membros mais idosos da aldeia Jaraguá deverão começar a se mudar para o novo local. Para Mecena, a migração de parte dos índios deixará a comunidade mais confortável.
O líder se queixa de não ter havido estudos para avaliar os impactos do Rodoanel no Jaraguá. “Quando a Dersa fez o Rodoanel Mário Covas não consultou a comunidade indígena do Jaraguá. Não fez um levantamento ambiental, não fez um levantamento antropológico para dizer se a gente ia sofrer com esse impacto”, ressaltou.
O gerente de Gestão Ambiental da empresa afirmou que como a comunidade do Jaraguá “já está integrada no tecido urbano”, fica difícil fazer uma avaliação de quais seriam os impactos do trecho oeste do Rodoanel. Ele destacou o fato de nenhum órgão ter se manifestado sobre a existência dos índios na época da construção dessa parte da via.
Índios da capital paulista acreditam que novas terras são solução temporária
As terras que serão concedidas às três comunidades guarani mbyá da capital paulista pela Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa) como compensação dos impactos da construção do Rodoanel Mário Covas são apenas uma solução temporária para os problemas enfrentados pelas comunidades. A avaliação é das lideranças indígenas das aldeias.
A Dersa concederá cerca de 300 hectares em terras, no valor aproximado de R$ 6 milhões divididos em duas áreas. Uma das propriedades ficará com a comunidade do Jaraguá (300 habitantes), na zona norte de São Paulo, e outra beneficiará as aldeias Krukutu (300 habitantes) e da Barragem (900 habitantes), situadas em Parelheiros, na zona sul da capital.
Para a liderança indígena da aldeia Krukutu, Marcos Tupã, existe uma “pressão muito forte” sobre a comunidade devido à tendência de crescimento da região. Ele acredita que transferir parte da população para o novo território pode não ser uma solução definitiva para os problemas da falta de espaço e da ocupação em volta da aldeia.
“Eu diria que daqui a mais alguns anos estaremos passando pelo mesmo processo[falta de espaço e pressão externa]”. As terras indígenas da Barragem e Krukutu têm 26 hectares cada uma. Tupã acredita que seria necessário uma quantidade de terras ainda maior do que a oferecida pela Dersa para que as comunidades tivessem a área necessária para manter o modo de vida tradicional.
Esse novo espaço poderá garantir a sobrevivência dos guarani, segundo o administrador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Bauru, Amaury Vieira. “Diante da situação que eles têm hoje em São Paulo, as três aldeias, uma área de terra muito pequena e a dificuldade de ampliar isso, qualquer coisa que aumente esse território indígena é importante e necessário”.
Um dos líderes do Jaraguá, Pedro Luís Mecena, acredita que a área é boa, mas teme pelo futuro da comunidade. “Hoje é grande, mas daqui a dez anos pode ser pequena”, avaliou. Ele defende que haja um planejamento para longo prazo com o objetivo de evitar nova compressão da aldeia pela expansão urbana.
O antropólogo Daniel Pierri, que trabalha desde 2005 com os guarani paulistanos, explicou que toda a etnia tem uma ligação forte entre si, por isso é importante resolver o problema de todos os índios. “A longo prazo, a única solução para um vida decente, digna para as comunidades guarani é que todas as terras que precisam ser identificadas e demarcadas realmente sejam”, afirmou.
Quando foi demarcada, em 1987, havia apenas uma família na terra indígena do Jaraguá, hoje são aproximadamente 80 ocupando os mesmos 1,7 hectare. Segundo Mecena, após a construção do Rodoanel e da Rodovia dos Bandeirantes houve um aumento da ocupação em volta da comunidade, que acabou cercada por residências e empresas. O líder indígena afirma que esse adensamento atrapalha o dia a dia dos índios e interfere na preservação dos costumes tradicionais.
Marcos Tupã teme que um processo semelhante ocorra com as comunidades de Parelheiros devido à construção do trecho sul do Rodoanel. A obra deverá passar a cerca de oito quilômetros da aldeia, na zona sul de São Paulo. “A tendência é crescer a população no entorno [da aldeia], [haver] ocupação de terras e especulação imobiliária”, afirmou
As comunidades do trecho sul ficam em uma região menos povoada que a do Jaraguá, a cerca de 30 quilômetros ao sul do Autódromo Municipal de Interlagos. No entanto, de acordo com o gerente de Gestão Ambiental da Dersa, já existe uma ocupação “consolidada” de 70 mil pessoas entre as aldeias Krukutu e Barragem e o local onde será construído o Rodoanel.
Com base nisso, ele nega que haverá impactos diretos do empreendimento. “Os nossos estudos não apontaram nenhum tipo de impacto sobre as aldeias da zona sul [por conta do Rodoanel]”, garantiu.
Para a socióloga Maria Bernadette Franceschini, que trabalhou no estudo etnoambiental para implementação do empreendimento, os impactos sobre as comunidades podem ser pequenos se o projeto original de não haver acessos ao Rodoanel pela região de Paralheiros for mantido.
Ela destaca, no entanto, a existências de pressões econômicas para a abertura de acessos à rodovia na região, o que poderia atingir as aldeias. “É difícil acreditar [que o projeto original seja mantido]. A tendência é agravar os problemas que já existem e criar outros”, avaliou.
Apesar disso, Franceschini não acredita que a comunidades do Krukutu e da Barragem sejam “engolidas” pela metrópole. Para ela, mesmo que eles sejam envolvidos pela cidade, ali dentro os guarani continuam falando a sua língua e praticando a própria religião.
Reportagem de Daniel Mello, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 10/08/2009
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