Sobre a ‘energia barata de Belo Monte’, artigo de Antônia Melo da Silva
"Insanidade é fazer sempre as mesmas coisas, esperando resultados diferentes" - Albert Einstein.
A todo momento a mídia está divulgando entrevistas com representantes do governo federal ou diretores da Eletronorte e Eletrobrás anunciando as datas para a emissão da licença prévia e o leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte. Uma última declaração do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, nos chamou a atenção. Afirma que “a sociedade não pode ser penalizada com energia mais cara, porque os ambientalistas e ONGs atrapalham a construção das hidrelétricas”. Como pôde afirmar que a energia de Belo Monte será mais barata se os estudos de viabilidade econômica não foram entregues pelo consórcio à sociedade?
Os estudos e o relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) foram recentemente aceitos pelo IBAMA, apesar do reconhecimento dos técnicos do órgão de que estavam incompletos. Só agora, a sociedade civil está começando a ter contato com os 36 volumes com mais de 20.000 páginas de estudos produzidos pelos empreendedores e deve haver amplo diálogo antes de se tomar uma importante decisão cujo impacto afetará a vida de tantas pessoas, muitas delas populações indígenas e extrativistas.
Em audiência realizada no dia 17 de março de 2009 com diretores da Eletrobrás e Eletronorte, diversos vereadores, secretários municipais, prefeitos, deputados federais e estaduais da região da transamazônica, poucas informações a respeito dos impactos sócio-ambientais da obra e das medidas mitigadoras e compensatórias propostas foram apresentadas. Muitos dos que até então vinham apoiando o processo recuaram diante de algumas informações (ou falta delas!). O entusiasmo inicial manifestado pelos mais diversos representantes dos governos da região cedeu lugar à decepção quando o diretor da Eletrobrás anunciou que royalties da obra beneficiariam somente às prefeituras de Altamira, Brasil Novo e Vitória do Xingu e ao governo do estado. Vários representantes dos municípios da região que sofrerão impactos da obra viram a possibilidade de suas demandas não serem atendidas.
As análises ainda preliminares apontam lacunas e sérias distorções nas informações apresentadas que precisam ser esclarecidas, tais como: 1) Qual a quantidade de famílias e de povos indígenas atingidos direta e indiretamente pela obra? 2) De que forma serão atingidos e quais serão as medidas mitigadoras para apoiar todas essas pessoas?(3) Como as cidades e regiões impactadas estão sendo preparadas do ponto de vista da infra-estrutura para receber um grande contingente populacional?
É fundamental que nesse processo também sejam esclarecidos os aspectos relacionados aos custos da obra. Será que os custos do empreendimento, quando comparados à energia que será efetivamente gerada, considerando-se a grande variação de vazão do rio Xingu nos períodos de pico e de seca, justificarão os gastos propostos? A verba pública está sendo utilizada de maneira eficiente e em prol da sociedade como um todo A previsão de custos do empreendimento anunciada na mídia varia de 7 a 30 bilhões de reais! Em face de tamanha incerteza e de custos possivelmente subestimados, algum investidor já vem dando sinais de reticências quanto a sua participação no negócio.
A decisão de construção de uma obra desse porte, numa Bacia como a do Rio Xingu, com sócio-biodiversidade única no planeta, não pode ser tomada de qualquer jeito, atropelando a população, os costumes locais, a sabedoria dos povos das florestas, atropelando o próprio processo de licenciamento previsto em Lei.
Quando a sociedade se manifesta contra Belo Monte, não se trata de uma oposição à obra de infra-estrutura, mas sim uma oposição ao desrespeito do governo para com o povo, sem a promoção do devido diálogo que a questão merece. Trata-se de uma oposição a um modelo de desenvolvimento que desrespeita os modos de vida tradicionais, que exaure os recursos ambientais e ameaça a sobrevivência dos povos e das futuras gerações da região.
A população se manifesta contra todos os processos desastrosos promovidos por usinas já implementadas na Amazônia, como Balbina e Tucuruí, por exemplo. E a sociedade está cansada de projetos de qualquer natureza que não sejam apresentados e conduzidos de forma transparente e democrática.
Antônia Melo da Silva é integrante do Movimento Xingu Vivo para Sempre.
*Artigo originalmente publicado no CIMI, Conselho Indigenista Missionário.
EcoDebate, 05/08/2009
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