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Migrantes ou refugiados ambientais? A polêmica por trás do conceito, artigo de Márcia Pimenta

mudanças climáticas

[EcoDebate] Esquecidos pela mídia, sem voz, deslocados internos, migrantes ambientais, onda humana, não importa como são chamadas as pessoas obrigadas a se deslocar internamente ou cruzando fronteiras devido aos efeitos das mudanças climáticas. Eles se somarão aos 163 milhões de pessoas (Christian Aid, 2007) que deixaram sua história para trás escapando de guerras, conflitos étnicos, furacões, enchentes ou abandonando terras e casas destruídas por projetos de grande escala, como plantações ou reservatórios hidrelétricos, por exemplo. Em um planeta onde quase metade da população mundial sobrevive com US$ 2/dia, recursos naturais são consumidos numa velocidade 30% maior do que sua capacidade de regeneração e a expectativa populacional mundial é de 9 bi até 2050, é possível dizer que há uma crise latente sem precedentes na história da humanidade obrigando-nos a lembrar que embora geograficamente existam limites, na prática os efeitos das mudanças do clima não têm fronteiras.

Organizações internacionais tentam trazer a questão dos “refugiados ambientais” para a agenda das discussões sobre o clima, cujo foco durante muito tempo se concentrou nos esforços de mitigação, ou seja, ações que levariam a uma redução das emissões de gases de efeito estufa – GEE, na atmosfera. A falta de vontade política em diminuir as emissões a níveis seguros, tanto dos países desenvolvidos quanto daqueles em desenvolvimento tem colocado as discussões sobre adaptação no centro das negociações, demonstrando certo ceticismo no resultado das ações mitigadoras empreendidas até agora. Se a migração será uma opção de adaptação dentre várias outras ou uma questão de sobrevivência devido à falência coletiva em oferecer alternativas adequadas de adaptação, só o tempo dirá.

A estimativa sobre o número de deslocados devido às mudanças climáticas varia, assim como a definição para este grupo de pessoas. A polêmica começa com a designação dos deslocados: migrantes ou refugiados ambientais? A Convenção de Genebra de 1951, assinada sob a égide do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados – ACNUR -, reconhece como “refugiado” aquele que em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo. Já os deslocados pelas mudanças climáticas não têm status ou proteção contemplados em nenhuma lei internacional, por isso o termo “migrantes ambientais’ foi criado como alternativa.

A publicação do relatório “Em busca de abrigo: mapeando os efeitos das mudanças climáticas nas migrações e deslocamentos humanos” durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, em Bonn, em junho deste ano, pretendia incluir na pauta das discussões climáticas o deslocamento forçado de pessoas das áreas mais vulneráveis do planeta. O esforço para incluir essa preocupação na agenda encontra dificuldades em comprovar, efetivamente, como o estresse climático pode ser considerado o vetor preponderante desses deslocamentos, já que as questões ambientais se sobrepõem a outras como as econômicas, sociais e políticas.

Estudiosos referem-se a três categorias de “migrantes ambientais”: aqueles que fogem da desertificação, aqueles deslocados pelo aumento do nível do mar e as vítimas de “conflitos ambientais”. Porém é difícil fazer o nexo causal entre degradação ambiental e migração.

Atribui-se às mudanças climáticas, por exemplo, alguns processos de desertificação que são gatilhos nos movimentos migratórios em áreas onde há séculos ocorrem secas. Esse argumento muitas vezes não se sustenta, já que historicamente muitos povos utililizam esta alternativa como forma de se proteger dos períodos de secas mais severas retornando ao local, mais tarde. A mudança climática pode não ser a responsável pela desertificação de certas áreas onde há o ciclo do “pequeno agricultor que é forçado a abandonar sua terra por causa da seca, do empobrecimento do solo e consequentemente, da fome” isso seria ignorar que muitos processos de desertificação têm suas raízes no período colonial onde a má gestão dos recursos naturais é historicamente comprovada.

Estas reflexões não pretendem, absolutamente, subestimar as consequencias nefastas da mudança climática para os mais pobres que, ironicamente, pouco contribuíram para o aumento das concentrações de carbono na atmosfera. As previsões do último relatório Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC apontam que até 2080 provavelmente 1.1 a 3.2 bilhões de pessoas padecerão de escassez hídrica; 200 a 600 milhões de fome e 2 a 7 milhões se somarão aos que enfrentam inundações nas áreas costeiras. E é urgente que políticas sejam criadas com o objetivo de diminuir o sofrimento dessas pessoas e evitar que essa onda humana provoque instabilidade econômica e política nos países de destino. Mas a questão é: se é tão difícil designar a mudança climática como vetor preponderante nos deslocamentos humanos por que tanto esforço tentando separar as migrações por causas ambientais daquelas sociais ou políticas?

Alguns argumentam que este discurso atenderia aos legisladores dos países do norte que pretenderiam restringir o asilo, portanto, o termo teria sido criado para despolitizar as causas desses deslocamentos permitindo aos Estados declinarem da sua obrigação de providenciar asilo. Porém esta leitura não coincide com o teor de tudo o que já foi escrito sobre o termo, já que na maior parte da literatura há uma tendência em querer estender a lei e a assistência humanitária àqueles deslocados devido a degradação ambiental. Outra resposta para a pergunta seria o esforço daqueles que estudam a temática ambiental que ao popularizar a expressão “refugiados ambientais” estariam reforçando a necessidade de atuar não só nas questões referentes ao asilo, mas também nas causas que influenciam o processo migratório, ou seja a degradação ambiental.

Quanto mais nos conscientizamos sobre a magnitude dos impactos ambientais negativos gerados pela emissão cada vez maior de carbono na atmosfera, mais urgentes se tornam as medidas para mitigar suas emissões. Paralelamente é preciso estratégias e fundos para adaptação. No artigo 4.4 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima os países do Anexo 1 (aqueles que têm metas obrigatórias de redução de emissões de gases de efeito estufa) e outros países desenvolvidos do Anexo II (sem metas de redução) são legalmente e moralmente obrigados a contribuir com os países em desenvolvimento no esforço de adaptação aos efeitos adversos das mudanças climáticas. Segundo o relatório da OXFAM “Suffering the Science” (numa tradução livre, “sentindo na pele as previsões da ciência”) US$ 150 bilhões/ano é a quantia inicial necessária aos países em desenvolvimento para diminuir suas emissões e para minimizar os efeitos das mudanças climáticas. Para se ter uma ideia, US$ 150 bi é praticamente a mesma quantia que foi gasta com a AIG na convulsão financeira no final de 2008. Porém o Fundo que deveria ajudar os mais pobres está repleto de retórica e vazio de contribuições.

Edgar Morin que esteve recentemente no Rio de Janeiro fazendo uma palestra alertou que enfrentamos um conjunto de crises e que é preciso desenvolver a consciência crítica em relação ao desenvolvimento. Ao falar sobre a crise ambiental, Morin ressaltou a necessidade da existência de poderes supranacionais e disse ainda que a ONU deveria criar uma declaração de interdependência planetária fazendo alusão a ausência de barreiras geográficas para os impactos da degradação ambiental e de outras crises que assolam o planeta. Às perguntas recorrentes sobre como manter esperanças num cenário tão sombrio, Morin respondeu com sabedoria; “toda história começa com um desvio. As mentes têm possibilidades que dormem e precisamos despertá-las! As crises são momentos de perigo e oportunidade. O que acontece quando um sistema não tem poder para tratar seus problemas fundamentais? Desintegrará ou encontrará a possibilidade de criar um sistema mais rico, capaz de tratar os problemas vitais, fazer uma metamorfose, uma transformação?” O resultado das discussões em torno do futuro do Protocolo de Quioto, que acontecerão em Copenhague no final do ano, poderá dar pistas do que o futuro nos reserva. Escolherão defender os ideais humanos universais ou a participação na violação sistemática e generalizada dos Direitos Humanos?

Márcia Pimenta, jornalista com especialização em Gestão Ambiental, é colaboradora e articulista do EcoDebate.

EcoDebate, 28/07/2009

Nota do EcoDebate: por sugestão da Autora, para melhor compreensão do tema, sugerimos que leiam, também, as matérias “Cientistas fazem avaliação das vulnerabilidades das áreas metropolitanas de SP e RJ em relação às mudanças climáticas” e “The New York Times: Devastação ambiental coloca tribos indígenas em perigo

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