EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Piscinões um despropositado atentado urbanístico e ambiental, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

TPI-7 Eliseu de Almeida, Taboão da Serra / Córrego Pirajuçara, Vol 113 000 m3. Foto do Departamento de Águas e Energia Elétrica- DAEE
TPI-7 Eliseu de Almeida, Taboão da Serra / Córrego Pirajuçara, Vol 113 000 m3. Foto do Departamento de Águas e Energia Elétrica- DAEE

[EcoDebate] Em resumo, mas sem prejuízo da precisão, a equação das enchentes da Região Metropolitana de São Paulo (extrapolável para outros centros urbanos) pode assim ser expressa e entendida: volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão, tendo como palco uma região geológica já naturalmente caracterizada por sua dificuldade natural em dar bom e rápido escoamento às suas águas superficiais.

É para interferir nessa equação que são projetados os reservatórios de detenção (popularmente conhecidos como “piscinões”), uma providência complementar a um conjunto de medidas necessárias à minimização da ocorrência e da amplitude das enchentes. Os piscinões não constituem uma técnica nova, são e já foram muito usados nos EUA e na Europa, e compõem o elenco de possíveis providências para aumentar a capacidade de retenção de água em sub-bacias hidrográficas afluentes. Não são mais que grandes reservatórios que vão fazer o papel hidráulico/hidrológico da vegetação e dos terrenos anteriores à urbanização em sua capacidade de reduzir o volume e retardar no tempo o escoamento das águas de chuva. A um episódio de chuva intensa, uma parte das águas de um córrego é desviada para o enchimento do reservatório (piscinão), aliviando naquele momento crítico o córrego e as drenagens de jusante de um determinado volume de água. Passado o pico maior das chuvas, as águas do reservatório seriam liberadas lentamente, sem colaborar, então, para o risco de enchentes. Um raciocínio perfeito do ponto de vista hidráulico.

O grande problema é que, diferentemente das cidades de países desenvolvidos que o adotam, a metrópole paulista (e outras metrópoles) apresenta dois fenômenos gravíssimos, que obrigam técnicos, administradores públicos e sociedade entenderem o piscinão como a última das alternativas técnicas a se lançar mão para o retardamento da velocidade de escoamento das águas de chuva: a enorme e perigosa carga de poluição de suas águas superficiais e a fantástica carga de sedimentos originados especialmente da erosão nas zonas periféricas de expansão urbana que, acrescidos de lixo e entulho de construção civil, acabam por assorear e entulhar todo o sistema natural e construído de drenagem.

Assim, ao lado de seus esperados efeitos hidráulicos positivos, os piscinões implicam em graves problemas para as municipalidades e para a sociedade, exigindo que uma decisão sobre sua implantação seja anteriormente submetida a exigentes ponderações técnicas, econômicas e sociais, e não simplesmente apoiada em modismos tecnológicos, como o vem sendo atualmente. A propósito, há um elenco grande de outras alternativas de mesmo sentido técnico, de concepção e execução mais simples, que, adotadas em conjunto, poderiam cumprir papel hidráulico similar como, por exemplo, pequenos e médios reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva, estacionamentos, praças, quintais, calçadas, valetas, pátios e tubulações drenantes, poços e trincheiras de infiltração, intenso plantio de árvores e de médios e pequenos bosques florestados…

Os problemas associados aos piscinões podem assim ser sistematizados e descritos:

– são obras de elevado custo, considerada a obra propriamente dita, as desapropriações necessárias à sua implantação e operação e o alto custo de sua manutenção;

– boa parte do material de assoreamento produzido nas sub-bacias hidrográficas em episódios de chuvas intensas passará a se depositar nos reservatórios, inclusive um grande volume de sedimentos finos (siltes e argilas) que antes, sem a nova condição de lago (águas paradas), seriam normalmente levados em suspensão pelas águas correntes; acresça-se que um piscinão assoreado por sedimentos e lixo tem seu volume útil comprometido, assim como, portanto, sua capacidade de colaborar no controle de enchentes em episódios pluviométricos subseqüentes;

– as operações de desassoreamento desses reservatórios passam à total responsabilidade dos municípios, normalmente despreparados financeira e fisicamente para esta complexa e exigente operação;

– tanto as águas a serem retidas, como o material de assoreamento e o lixo que se depositarão nos reservatórios, propiciarão a ação direta e mais prolongada do mau cheiro, de insetos, ratos e de sua perigosa carga químico-biológica poluente no âmbito da região urbanizada de entorno, implicando em riscos evidentes de possíveis contaminações e acidentes;

– para a disposição final do material proveniente do desassoreamento (limpeza) dos piscinões será natural a necessidade econômica de se encontrar local adequado próximo, ou seja, no próprio bairro, o que exige lidar-se com cuidados técnicos e operacionais específicos e dispendiosos para que esse bota-fora não venha a contaminar solos, águas ou diretamente a população;

– a implantação dos piscinões e dos bota-foras que receberão o material proveniente das operações de desassoreamento ocuparão e imobilização preciosas áreas urbanas que poderiam ser aproveitadas para o atendimento de necessidades e aspirações da população local em educação, lazer, moradias, esporte, etc.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro{at}uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
Foi Diretor Geral do DCET – Deptº de C&T da Secretaria de C&T do Est. de São Paulo
Ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico e Social de Mogi das Cruzes
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar” e “Cubatão”
Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
Criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão

EcoDebate, 27/07/2009

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

2 thoughts on “Piscinões um despropositado atentado urbanístico e ambiental, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    Muito oportuno o artigo do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos.
    De fato, os piscinões não são uma panacéia para o controle das enchentes. Há outras medidas que, em conjunto, podem ter melhor efeito que os piscinões.

    Entretanto, eles estão feitos e, pior que tentar corrigir suas falhas, será desativá-los porque, dificilmente, no curto e médio prazo, a população de São Paulo e de outros grandes municípios vai construir pequenos e médios reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva, estacionamentos, praças, quintais, calçadas, valetas, pátios e tubulações drenantes, poços e trincheiras de infiltração, vá fazer intenso plantio de árvores e de médios e pequenos bosques florestados…, como sugere o autor.

    Que fazer para combater a enorme carga de lixo e de areia que chega aos piscinões?

    O ideal seria que a população se concientizasse de que não deve lançar lixo nas ruas. Entretanto, como isso requer uma medida educacional de não curto prazo, tornam-se necessárias medidas para minimizar tal problema.

    Devemos adotar o mesmo critério usado nas estações de tratamento de esgoto. Antes do tratamento propriamente dito, há um tratamento preliminar destinado a recolher o lixo trazido pelo esgoto. É evidente que, devido à vazão variável das chuvas, o tratamento preliminar nos piscinões será um pouco mais complexo, mas nada que um duplo gradeamento e um número definido de caixas de areia não sejam suficientes para retirar o material sólido que não deveria, mas que se encontra presente na água de chuva.

    Separado o lixo da água de escoamento superficial, seu destino final serão as caçambas e o recolhimento pelos respectivos serviços de limpeza urbana. Dessa forma, evitar-se-á o assoreamento e a ação direta e mais prolongada do mau cheiro, de insetos e de ratos, com sua perigosa carga químico-biológica poluente, no âmbito da região urbanizada de entorno, implicando em riscos evidentes de possíveis contaminações e acidentes, como muito bem assevera o autor.
    Sugiro, portanto, meu caro Álvaro, que você use seu prestígio de ex-secretário de Desenvolvimento Econômico e Social de Mogi das Cruzes para fazer sugestões a esse respeito.

    Dessa forma, não teremos que começar tudo de novo, eliminando um excelente método de contenção de enchentes que se chama piscinões.

Fechado para comentários.