A reunião do G-8, Obama e o Brasil, artigo de José Goldemberg
G8 em L’Áquila, foto ANSA
[Correio Braziliense] A cúpula do G-8 em L’Áquila, na Itália, se prestou a dar visibilidade ao histrionismo de Berlusconi e ao populismo de Lula, ao distribuir camisetas autografadas da Seleção brasileira – como se o Brasil não tivesse nada a mostrar além de futebol -, mas avançou pouco em questões de substancia. Em dois dias de reuniões (e banquetes) com a participação do Brasil, Índia, África do Sul, México e Indonésia foram emitidas 10 declarações sobre temas tão variados como pobreza na África, desarmamento nuclear e aquecimento global e elaborados mais 12 relatórios de grupos técnicos.
A declaração sobre o clima não teve grandes novidades, exceto pela atuação do presidente Obama, que, pela primeira vez, engajou os Estados Unidos seriamente numa discussão sobre o que fazer para enfrentar os problemas do aquecimento global. Esse engajamento se traduz na aceitação dos resultados de estudos científicos que mostram que é inaceitável um aumento da temperatura do planeta acima de dois graus centígrados. O governo Bush se recusava até a aceitar o fato de que o aumento da temperatura da Terra era causado pela ação do homem.
Além desse avanço – aceito por todos os países participantes da reunião de L’Áquila (inclusive o Brasil) -, não foram fixadas metas concretas, exceto repetir o acordado na reunião de Bali pelos países participantes da Convenção do Clima em 2007. Também não foi definido quem fará o que e um grande esforço será feito para decidir essas questões na reunião de Copenhague, no fim de 2009. A meta é obter nessa reunião decisões que levem a uma “redução substancial” das emissões em 2050. Os países “líderes” (que não foram especificados) apresentarão até 15 de novembro deste ano seus “planos de ação”.
Provavelmente, umas das razões para o pequeno progresso alcançado é que Obama compareceu à reunião de L’Áquila com as mãos atadas. O Senado americano ainda não votou uma lei adotada na Câmara dos Deputados (por pequena maioria), que estabelece metas e prazos para a redução das emissões dos Estados Unidos, o que colocará este país e a União Europeia na vanguarda dos países que estão levando a sério as implicações do aquecimento global. Além disso, quem impediu maiores avanços foram os grandes países em desenvolvimento, como Índia, China e Brasil, que continuam a resistir a adotar metas e prazos definidos para reduzir suas emissões, com base no argumento de que isso prejudicaria o desenvolvimento.
Essa é uma visão míope e incorreta: a incorporação de novas tecnologias e ações de controle das emissões (como reduzir o desmatamento da Amazônia) pode impedir que a curva de crescimento desses países repita a curva de crescimento tradicional seguida pelas nações industrializadas de hoje, que resultou no aumento de emissões. A declaração de L’Áquila sobre o clima usa uma linguagem obscura para dizer o que muitos de nós temos defendido há décadas.
Contudo, o esforço que precisará ser feito até 2050 é muito grande. Só para dar uma ideia dos números, as emissões de carbono dos países participantes da reunião de L’Áquila aumentaram cerca de 40% nos últimos 20 anos. As emissões dos países industrializados aumentaram pouco (exceto as dos Estados Unidos, 25%), mas as dos países em desenvolvimento cresceram enormemente, triplicando de 1985 a 2005, e representam hoje 40% do total. Em 1985 representavam apenas 17%. Isso significa que sem a colaboração ativa dos países em desenvolvimento não será possível evitar um aquecimento global elevado e 20 anos já foram perdidos em discussões estéreis.
Cientistas argumentam que seria necessário reduzir as emissões dos países industrializados em 80% até 2050. As emissões dos países em desenvolvimento teriam que cair 50%. São metas muito fortes, mas é inevitável que algo precisa ser feito, sobretudo agora que não é mais possível argumentar que os países ricos não estão fazendo nada. Obama demonstrou liderança em L’Áquila e o presidente Lula poderia ter assumido a liderança entre os países em desenvolvimento, com os progressos que temos feito (substituindo gasolina por etanol e reduzindo o desmatamento da Amazônia), mas não o fez.
José Goldemberg foi Secretário da Secretaria Especial de Meio Ambiente da Presidência da República em 1992, quando a Convenção do Clima foi assinada no Rio de Janeiro
** Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense.
EcoDebate, 17/07/2009
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