A fenda aberta entre a ciência do clima e as negociações climáticas
O rombo entre a ciência do clima e as negociações climáticas ficou ilustrado de forma drástica na Reunião das Nações Unidas sobre o Clima realizada em Bonn nos primeiros dias de junho. Enquanto os cientistas nos dizem que são necessárias maiores reduções de gases de efeito estufa, os governos estão estabelecendo alvos de redução de emissões tão baixos que quase representam uma garantia de a mudança climática continuar descontrolada.
Em um evento paralelo, organizado pelo Instituto Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático, cientistas ministraram uma série de palestras intituladas: “Emissões controladas para permanecer abaixo de 2ºC – as propostas atuais poderão conseguir isso?”. Katje Frieler do Istituto Potsdam mencionou que mais de 100 países exigem o objetivo de limitar o aquecimento global a 2º C ou menos. “Quanto devem ser reduzidas as emissões para atingir esse alvo?” ela perguntou. E apresentou gráficos assustadores. Se tudo continuar igual as emissões irão produzir um aumento na temperatura entre 3ºC e 8ºC até o ano 2100. Contudo, o número significativo foi 1 trilhão de toneladas de CO2, essa é o volume total de emissões que podemos produzir entre 2000 e 2050 se a probabilidade de exceder os 2ºC for limitada a 25 por cento. A notícia ruim é que já emitimos a terceira parte desse volume nos últimos nove anos.
Joeri Rogelj piorou as coisas. Ele analisou os alvos que os países estão estabelecendo atualmente para a redução de emissões. E concluiu que se cada país atinge o alvo que estabeleceu temos “praticamente a certeza de exceder os 2ºC”, com concentrações médias de CO2 de mais de 700 partes por milhão até 2100.
Bill Hare do Instituto Potsdam e da organização Climate Analytics resumiu as implicações dos achados que foram publicados na revista Nature em 30 de abril de 2009. “Menos da quarta parte das reservas de combustíveis fósseis disponíveis e economicamente recuperáveis ainda podem ser queimadas e emitidas desde o ano 2009 até o ano 2050”, ele afirmou.
George Monbiot salientou que, “A prova do compromisso de todos os governos para deterem o colapso climático consiste em saber se eles estão preparados para impor um limite no uso das reservas [de combustíveis fósseis] já descobertas, e uma moratória permanente na exploração de novas reservas. Caso contrário são apenas papo furado.
A urgência manifestada na apresentação do Instituto Potsdam não se reflete nas negociações oficiais em Bonn. Nenhuma das delegações governamentais presentes em Bonn falou de impor qualquer limite no uso dos combustíveis fósseis. O Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre Ação Cooperativa de Longo Prazo na Convenção (AWGLCA) redigiu o rascunho de um texto de negociações de 200 páginas, que é quase quatro vezes maior que o rascunho redigido antes do encontro. O Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre o Protocolo de Kyoto não chegou a nenhum acordo em relação ao alvo de redução de emissões até 2012. Ou seja, papo furado.
Além de determos a queima e extração de combustíveis fósseis, é necessário determos o desmatamento. Mas, em Bonn, houve apenas um pequeno avanço durante a discussão sobre a redução de emissões provindas do desmatamento e a degradação das florestas (REDD). Em uma sessão informal plenária Michael Zammit Cutajar, o representante do AWGLCA, falou extensamente sobre chaves e colchetes. Falou da “falta de perfeição das chaves” e de algo que chamou “parênteses mentais”.
Em uma reunião do AWGLCA sobre REDD durante a segunda semana das conversas, foi surpreendente a sensação de alguém ter sonhado com REDD na noite anterior depois de tomar um ou dois copos de Kölsch. Durante 90 minutos os delegados bateram papo sobre a REDD como se não tivessem existido discussões anteriores sobre o assunto. Outros debates do AWGLCA foram diabolicamente complexos, enfatizando discussões sobre REDD plus; REDD e NAMAs: REDD e LULUCF; RED e MRV; REDD e CBD; REDD e UNDRIPs; REDD e comércio de carbono; REDD e compensação; REDD e cômputos de carbono. O que significa isso tudo não é o importante já que não há quase nenhum acordo nessas questões.
Contudo, enquanto as negociações oficiais sobre REDD se afogam em um mar de acrônimos, há organizações como The Nature Conservancy (TNC) que estão indo fundo com sua própria versão de REDD. Em um evento paralelo em Bonn, Sarene Marshall da TNC descreveu o Programa Piloto de REDD em Berau que abrange uma área de 2,2 milhões de hectares em Kalimantan do Leste. O objetivo é clarear 780.000 hectares dessa área. Isso seria a “extração de madeira de impacto reduzido/certificação”, garante a apresentação de Marshall. O projeto então iria “vender ‘créditos’ de redução de emissões a compradores voluntários do mercado de carbono.”
Nisso, há dois problemas sérios. Primeiramente, a extração de madeira produzirá grandes volumes de emissões. Comparar estas emissões com o que poderia ter acontecido com extrações mais destrutivas é uma fraude. Um novo relatório da Global Witness, “Interesses criados – extração industrial de madeira e carbono em florestas tropicais” documenta como a atividade madeireira de impacto reduzido “mata 5-10 árvores por cada árvore que se pretende cortar e libera entre 10 e 80 toneladas de carbono por hectare.” A extração madeireira também faz as florestas se tornarem mais vulneráveis a maior desmatamento e a incêndios. “Durante os eventos do El Niño no final da década de 90, 60% das florestas clareadas na Bornéu indonésia viraram fumaça comparadas com 6% de floresta primária,” aponta a Global Witness.
O segundo problema é que precisamos reduzir as emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis e deter o desflorestamento, especialmente o corte em escala industrial de florestas primárias. Não podemos compensar uma coisa com a outra. “Na prática, a compensação tem um impacto desastroso nas possibilidades de evitar uma mudança climática catastrófica,” escreve a Amigos da Terra em um novo relatório sobre compensações. “A compensação não deve ser difundida em Copenhague. Os novos programas de compensação devem ser abandonados e sair das negociações, e os mecanismos de compensação existentes precisam ser descartados.”
O slide mais extraordinário na apresentação de Sarene Marshall em Bonn sobre o projeto de Berau foi intitulado: “Estrutura da Fase I de REDD em Berau”. O slide esquematiza as transferências de dinheiro. Uma flecha com três símbolos de dólar vai de “Financiadores” a “Concessões de madeira”. Um fundo de investimentos e uma unidade de manejo do projeto devem ser estabelecidos. Por baixo das palavras “Atividades de REDD” há três caixas com as etiquetas: “Concessões de madeira”, “Dendezeiros” e “Florestas protegidas”. E na parte inferior, a palavra “compensações”. Uma caixa inclui as palavras “Governo Local, Governo Nacional, Sociedade Civil, etc.” e as outras duas são para “Governo” e “Comunidades”. Nenhuma delas parece fazer parte da supervisão dos fluxos de dinheiro, nem de nada mais. O slide de Marshall apresenta a infra-estrutura política e financeira que será estabelecida pela TNC, uma ONG americana, que não foi, pelo menos até onde eu sei, eleita para governar essa área de Kalimantan. Isso não é democracia. Isso é carbocracia.
Por Chris Lang
Global Witness, “Vested interests – Industrial logging and carbon in tropical forests”.
Amigos da Terra, “Offsetting: A dangerous distraction”.
Boletim* número 143 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, publicado pelo EcoDebate, 29/06/2009.
* Boletim Mensal do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais
Este boletim também está disponível em francês, espanhol e inglês
Editor: Ricardo Carrere
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