Ministros da Agricultura e do Meio Ambiente se desentendem em audiência na Câmara dos Deputados
Os ministros Reinhold Stephanes, da Agricultura, e Carlos Minc, do Meio Ambiente, em foto de arquivo, em 11/11/2008 Foto: Marcello Casal Jr./Abr
Um desentendimento entre os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e do Meio Ambiente, Carlos Minc, marcou a audiência realizada ontem (23) pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. Stephanes chegou a classificar como antiética a atitude de Minc de criticar um profissional da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que elaborou um estudo mostrando que o crescimento da produção agrícola está engessado pela grande quantidade de áreas de proteção ambiental.
A audiência começou sem a presença de Minc, com o diretor do Departamento de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Bráulio Ferreira de Souza, desqualificando a pesquisa feita por Evaristo Miranda, diretor da Embrapa Monitoramento por Satélite.
Na sua vez de falar o ministro Reinhold Stephanes discordou da avaliação do diretor do MMA. “O técnico do MMA desqualificou claramente a Embrapa Monitoramento por Satélite, uma unidade criada há 20 anos no sentido de trabalhar em assuntos de interesse nacional”, disse Stephanes no momento da chegada de Minc à sala da audiência.
Numa rápida entrevista aos jornalistas, Minc defendeu a posição Bráulio Ferreira de Souza contra o estudo do diretor da Embrapa. “Não estamos criticando a Embrapa, que é uma maravilha da natureza, e sim um único estudo, feito por um pesquisador”, disse o ministro do Meio Ambiente. Depois, ao falar para os deputados da comissão, MInc também criticou o estudo feito por Evaristo Miranda.
A crítica do ministro do Meio Ambiente voltou a causar indignação no ministro da Agricultura na parte final da audiência, que se referiu ao assunto quando Minc já havia deixado o local. “Tentou-se aqui desqualificar um técnico, o que eu acho uma tremenda falta de ética, e que não foi quem fez o estudo. Foi um conjunto de técnicos, com doutorado em Meio Ambiente, e a meu pedido”, disse.
O ministro da Agricultura também explicou o motivo que levou, no fim do ano passado, ao encerramento das negociações entre os dois ministérios em torno do Código Florestal. Stephanes disse que sempre procurou o consenso, mas quando o acordo estava praticamente fechado, o MMA apresentou mais alguns pontos, entre eles, um que o deixou “chocado”. “Exigiam três anos de cadeia aos produtores infratores do Código Florestal. Minc disse que não estava presente quando aprovaram o novo item, mas mesmo assim foi lá e o apresentou”, afirmou Stephanes para os parlamentares.
Segundo Setephanes, cerca de 3 milhões de proprietários estariam na condição de infratores levando-se em consideração a legislação ambiental. Ele ainda reproduziu uma frase que teria dito ao ministro Carlos Minc na última conversa que tiveram sobre o assunto: “Desculpa [Minc], mas perdi a confiança no seu diálogo”. Mesmo assim, de acordo com o ministro da Agricultura, estaria a aberto a conversar outra vez sobre o tema com Minc.
Edição: Aécio Amado
Matéria de Danilo Macedo, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 24/06/2009.
Nota do Ecodebate: Um ‘ótimo’ exemplo de desonestidade intelectual pode ser percebido no uso dogmático do ‘estudo’ da Embrapa permanentemente usado como referencia pela bancada ruralista e pelo ministro Reinhold Stephanes. Na verdade é um estudo de Evaristo Miranda, chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite, o qual afirma que, aplicada a legislação ambiental e indigenista, sobram 29% de território para agricultura e energia no Brasil.
A primeira ‘impropriedade’ está em conceituar um estudo de um pesquisador da Embrapa como um estudo da Embrapa.
O ministro Minc, corretamente, destacou que “Não estamos criticando a Embrapa, que é uma maravilha da natureza, e sim um único estudo, feito por um pesquisador”. Em nenhum lugar do mundo, no Brasil inclusive, um pesquisador se confunde com a Instituição em que trabalha e pesquisa.
Só este estudo é defendido bancada ruralista e pelo ministro Reinhold Stephanes, desprezando muitos outros e, principalmente, diversas críticas técnicas, metodológicas e conceituais de outros pesquisadores, inclusive da própria Embrapa.
Um exemplo da crítica: “A Amazônia e Pantanal são biomas muito especiais. É desonestidade intelectual misturá-los com os outros, porque sabe-se de antemão que não têm vocação agrícola“, diz o professor da FEA-USP José Eli da Veiga. “Miranda faz o cálculo bioma por bioma, junta tudo e diz que é menos de 30%. Isso é manipulação de dados”, alerta. Ele lembra que a soma das áreas, no próprio estudo, dos biomas com aptidão agrícola, dá 65% . “É muito mais que os 40% de terra disponível nos EUA. E isto o estudo não diz.”
De acordo com Sergio Leitão outros técnicos da Embrapa apontam que se trata de um estudo falso e de uma falsa questão. “Mas se estivesse certo, 30% do Brasil são 240 milhões de hectares, é coisa para caramba“, diz um deles. “Daria quatro vezes a nossa safra, então, qual é o problema?“, continua. “A questão real é aumentar a produtividade agrícola e recuperar as áreas degradadas.”
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Não podemos partir para a desqualificação de um ou de outro meramente por termos contraiadas as nossas visões. O pesquisador da Embrapa é sério, reconhecido com um excelente especialista, e há muitos leigos palpitando por mera ideologia.Precisamos analisar o assunto com racionalidade, pois o meio ambiente só será salvo com tecnologias apropriadas e não com arroubos poéticos e legislações punitivas. O estado jamais terá condições de fiscalização de tudo que acontece no país e terá que contar com a participação consciente dos produtores rurais. Ameaçá-los, constantemente, não é a melhor alternativa. Eu trabalho com conservação de nascentes, há muitos anos, e aprendi que as nascentes estão essencialmente em propriedades rurais e que de nada adianta dizer ao produtor que a lei determina que a água é um bem de domínio público, que a nascente não é dele etc. Preciso convencê-lo de que a água é fundamnetal para ele, em primeiro lugar. De que adintaria prendê-lo, na concepção do Minc, se ele não cercou sua nascente, não tem outorag de uso etc. A ralidade rural é muito mais complexa do que pensam muitos aficcionados do ar condicinado e dos grandes ambientes iluminados artificialmente em plena luz do dia. Eu também sou da área técnica e não me sinto confortável quando colegas são perseguidos porque não corroboram desejos contrariados. Vamos discutir o trabalho da Embrapa com bases cintíficas e não com ideologia de interesses contrariados. E dizer que o trabalho de um pesquisador da Embrapa não a representa é um mero sofisma. Quem reprentaria , então, a Emnbrapa? Deveremos estar, a partir de agora, descofiando de todas as pesquisas da Embrapa? Ou selecionar apenas as que estão de acordo com o que pensamos? Para que serviria, então, a Embrapa?
Resposta do EcoDebate:
Caro Osvaldo,
Ninguém está ‘desqualificando’ o pesquisador, ao contrário, o que se questiona é a ‘hiperqualificação’ de um único estudo de um único pesquisador.
Um debate honesto deve dar espaço a outros estudos, com outra metodologia. Tanto é verdade que a Comissão de Meio Ambiente da Câmara quer estudo do Inpe sobre disponibilidade de terras para que possa comparar com o estudo
Outra questão importante é que um estudo de um pesquisador não se confunde com um estudo oficial da instituição. Isto não é um sofisma, é um fato.
Você conhece muito bem o processo de publicação de um estudo científico, o que inclui a revisão por pares (peer review) e a publicação em revista científica. Um estudo publicado também deve permitir avaliação e crítica. Nada disto aconteceu neste estudo.
Outras unidades da Embrapa não concordam e questionam a metodologia de cálculo a partir de área total e não de solo/topografia. É esta crítica que justifica a requisição de um estudo independente por parte do Inpe.
Enfim, é o ministério da Agricultura e a bancada ruralista que não aceitam quaisquer outros estudos e avaliações.
Não é o pesquisador Evaristo Miranda, chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite, que está sendo desqualificado, mas todos os demais pesquisadores que defendem outra análise é que estão excluídos do processo de debate.
Henrique Cortez,
coordenador do EcoDebate.
Meu Caro Henrique: Concordo em parte com você. Gosto da presteza e da franqueza com que você trata dos assuntos. Mas eu fiquei um pouco incomodado quando você se referiu, na nota do EcoDebate, ao estudo da Embrapa, e você já colocou estudo entre aspas, com sendo “ótimo exemplo de desonestidade intelectual”. Aí acho que você exagerou. Se for assim, os ruralistas também poderão ter reação semelhante em relação ao trabalho do INPE, se ele for diferente. O que você acha? Estaríamos colaborando para que os assuntos saiam das especulações e sejam tratados com bases científicas e tecnológicas? Eu tenho insistido muito em meus artigos, e em trocas de mensagens com você, que conservação do meio ambiente, no estágio atual de ocupação populacional de territórios, não poderá ser conseguida com proibições e punições. Ou partimos para pesquisas que permitam a exploração sustentada, incluindo aí as florestas, as várzeas e os topos de morros, ou vamos continuar com essas brigas inglórias do presente, com os arroubos do Minc etc., e por muitos anos. Aqui na região da Zona da Mata de Minas Gerais, se aplicarmos a legislação (reserva legal e APPs) com todo o rigor de suas múltiplas interpretações, 60% das propriedades rurais, em média, passam a ser de preservação permanente. Resultados de pesquisas da Universidade Federal de Viçosa. Os dados são ditos médios porque há muitas dificuldades de interpretação da legislação. Por exemplo, ninguém sabe, ainda, com precisão, como marcar um terço de topo de morro, quando eles são sucessivos. Será que os ambientalistas devem confiar nesses dados para a Zona da Mata? Entendeu, Henrique, a minha preocupação quando você usou a expressão “desonestidade intelectual” ? Um abraço – Osvaldo Valente
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Resposta do EcoDebate:
Caro Osvaldo,
A “desonestidade intelectual” não se refere ao estudo em si mesmo, mas ao fato de ser tratado como estudo único. Pesquisa científica e dogma são incompatíveis. Um debate honesto exige ampla discussão de teses, conceitos e métodos. Posição dogmática não favorece o debate honesto, ao impedir a livre expressão de opiniões e teses contraditórias. É esta crítica que justifica a requisição de um estudo independente por parte do Inpe.
Henrique Cortez
Respeitamos e admiramos a instituição EMBRAPA, mas não seus servidores públicos que estão defendendo a Guerra contra o Verde no Brasil, criada pela bancada ruralista do agronegócio para exportação, liderada pela senadora pela Kátia Abreu e pelos deputados Ronaldo Caiado e Valdir Colatto/SC. Entretanto se a EMBRAPA não reagir, seu conceito pode ficar abalado. Também fiquei como cidadão brasileiro, um pouco incomodado e muitíssimo preocupado com a integridade do Código Florestal, depois que ouvi o ‘’embrapiano’’ Evaristo Miranda na audiência ocorrida no Senado.
Observamos que nenhum dos citados apresentou projetos ou programas significativos voltados ao fomento da abandonada e desprezada Agricultura Familiar.
Apoiamos as colocações do jornalista Henrique Cortez e as investidas do Ministro Minc, que apenas disseram a verdade, afinal a ganância do setor está dizimando com a Amazônia e os outros biomas do país. O Código do Governador de SC é um exemplo de descaso para com os frágeis ecossistemas. A tragédia de Novembro no Vale do Itajaí, como outras que têm ocorrido em SC comprovam a importância da preservação do verde nativo na propriedade.
Tadeu Santos
Sócios da Natureza – ONG Conselheira do CONAMA biênio 2009/2011.