Pós-Kyoto: Copenhague, sonhos e realidades, artigo de José Goldemberg
[O Estado de S.Paulo] Copenhague, a capital da Dinamarca, próspero país no norte da Europa, vai sediar no fim deste ano a 15ª reunião dos países signatários da Convenção do Clima, adotada no Rio de Janeiro em 1992 (Rio-92), na qual os governos dos países participantes (mais de 180) se comprometeram a reduzir as emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global.
Afora a retórica, contudo, nenhum país assumiu em 1992 compromissos concretos de reduzir tais emissões, o que só foi feito cinco anos depois, em 1997, no Japão, onde foi adotado o Protocolo de Kyoto. Foi nessa ocasião que as esperanças e os sonhos gerados em 1992 começaram a se chocar com a realidade. Os países industrializados aceitaram reduzir modestamente suas emissões nos 15 anos seguintes (até 2012), mas os demais (incluindo China, Índia e Brasil) não aceitaram nenhuma limitação, usando argumentos de natureza política.
O principal é o de que os países industrializados foram os grandes emissores no passado e, portanto, têm responsabilidade histórica pelo que está acontecendo, cabendo a eles resolver o problema. Esse argumento se origina na concepção terceiro-mundista, comum em muitos países em desenvolvimento, que culpa as potências coloniais pelos problemas que enfrentam. Essa visão leva às reivindicações por “compensações” pelos males do passado e a propor, por exemplo, que os espanhóis paguem pela destruição da civilização asteca. No Brasil vemos isso frequentemente na discussão sobre cotas para afrodescendentes nas universidades públicas.
É ela que alimenta a ideia de que os países em desenvolvimento só tomarão as medidas necessárias para reduzir suas emissões se os países ricos lhes transferirem as tecnologias e os recursos necessários para tal, apesar de emitirem tanto quanto os países industrializados; além disso, suas emissões estão crescendo mais rapidamente. Consequência disso é que os EUA – o maior emissor mundial – não ratificaram o Protocolo de Kyoto; a União Europeia (UE) é o único bloco de nações engajado até agora seriamente em reduzir suas emissões. Estima-se que seria necessário transferir US$ 100 bilhões por ano. No presente, apenas pouco mais de U$ 1 bilhão por ano está sendo transferido, o que mostra quão irrealista é a posição dos países em desenvolvimento de esperar que os países industrializados paguem pelos custos da redução das emissões.
A conferência que se realizará em Copenhague tem por objetivo reformular o Protocolo de Kyoto e, eventualmente, substituí-lo por outro que conte com a adesão dos EUA e um engajamento real dos países em desenvolvimento. O que se pode esperar realisticamente dela?
Em primeiro lugar, a UE já decidiu tornar suas metas mais rigorosas e pretende reduzir suas emissões em 20% abaixo do nível de 1990, usando o método já em operação de permitir a troca de emissões entre empresas. Esse método encoraja avanços tecnológicos e as empresas mais eficientes podem vender certificados de emissão às menos eficientes. O mercado europeu de emissões já atingiu o nível de dezenas de bilhões de dólares por ano. Em segundo lugar, os EUA estão próximos de adotar um sistema de metas e troca de emissões, propondo-se a reduzi-las em 17% abaixo do nível de 2005. O que se espera como resultado é uma grande expansão do mercado de emissões europeu para um mercado transatlântico que incluirá o Canadá e o México.
Essas medidas concretas para a redução de emissões esvaziarão o argumento dos países em desenvolvimento de que, se reduzirem as suas, vão facilitar a vida dos países industrializados, que continuarão a emitir. Provavelmente, tais medidas levarão a China a abandonar a recusa de aceitar limitações às suas emissões e participar, assim, do grande mercado de emissões que se está delineando. Se isso ocorrer, o que se espera dos demais países em desenvolvimento?
De acordo com o “mapa do caminho” adotado em Bali, na 13ª reunião dos países signatários da Convenção do Clima, os países em desenvolvimento comprometeram-se a adotar “ações de mitigação apropriadas, em nível nacional”, que são voluntárias, mas sujeitas a verificação. Exemplo dessas ações voluntárias é a anunciada pelo Brasil, na 14ª reunião da Convenção, em Poznan, de que reduziria o desmatamento da Amazônia em 30% até 2013 e outros 40% até 2017.
Que outras ações podem ser tomadas? A exemplo do que fez a UE, as ações (ou metas) podem ser setoriais, isto é, atingir certas indústrias mais do que outras. A lei em discussão no Congresso americano tem as mesmas previsões.
Sendo realista, o Brasil poderia começar a pensar seriamente em adotar o mesmo procedimento, o que poderia ampliar muito os recursos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que se tornou extremamente burocrático e movimenta recursos muito menores do que as transações que existem no mercado europeu. Por exemplo, a produção atual de etanol da cana-de-açúcar, que evita o lançamento de cerca de 40 milhões de toneladas de CO2 por ano na atmosfera, não se qualifica hoje para o MDL, mas poderia ser objeto de transações no mercado europeu (e provavelmente nos EUA); essa quantidade de carbono tem um valor de mercado de cerca de US$ 1 bilhão. Outra ação seria a comercialização de créditos de carbono resultantes do desmatamento evitado, que não pode depender apenas de filantropia internacional, como é o caso atualmente. De novo, aqui, um mecanismo de mercado que mantenha o carbono na floresta poderia gerar um grande fluxo de recursos para o País.
Há condições de se alcançar um acordo em Copenhague, mas é necessário menos ideologia e mais realismo nas negociações em curso.
Lei pioneira aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo, por proposta do prefeito Gilberto Kassab, vai mais longe ainda, fixando uma meta para a redução das emissões de carbono até 2012.
José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo
* Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo, 15/06/2009.
[EcoDebate, 16/06/2009]
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