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Terraplanagem + Erosão = Desastre, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

[EcoDebate] Erros técnicos elementares de planejamento e execução na condução de serviços de terraplenagem têm implicado em generalizada e intensa ação de processos erosivos com conseqüências financeiras e patrimoniais desastrosas para os próprios empreendimentos que estão sendo implantados e, pelo decorrente assoreamento das drenagens, para toda a região de entorno desses empreendimentos. A erosão é assim madrasta, destrói o terreno onde ocorre e compromete toda uma extensa região adjacente.

O problema apontado ocorre invariavelmente em todos os tipos de obras civis, sejam habitacionais, sejam empresariais, sejam viárias, sejam nas de grande ou de pequeno porte. Tudo sugere que seja mesmo uma deformação técnica de ordem cultural que se instalou aos poucos na engenharia brasileira. No âmbito dessa deformação a terraplenagem dissociou-se do corpo maior do projeto, sendo vista simplistamente como uma operação prévia de “limpeza” e preparo do terreno para, só então, dar-se o início da efetiva implantação do projeto. Nessa condição, ela normalmente se processa por vias terceirizadas e totalmente fora de qualquer controle técnico de qualidade por parte do empreendedor. Uma operação técnica da maior importância temerariamente via de regra sob o total e único comando de “intrépidos” operadores de poderosas máquinas de terraplenagem.

Em nossas condições brasileiras de clima tropical, solos profundos e pluviosidade concentrada esse desleixo técnico é agravantemente desastroso.

Para se ter uma idéia da dimensão dessa calamidade geológico-geotécnica, basta ter-se em conta que na Região Metropolitana de São Paulo são liberados por erosão algo em torno de três milhões e meio de metros cúbicos de sedimentos a cada ano. Volume que vai assorear toda a rede de drenagem e está hoje entre as principais causas das enchentes que teimam em assolar a região.

A correção dessa deformação técnica passa por uma decisão radical de se voltar a categorizar a erosão como um mal de primeira categoria para a engenharia e para a sociedade. Um inimigo a ser batido. Em outras palavras, no âmbito dos procedimentos de qualidade impõe-se uma decisão de se adotar como referência o conceito de Erosão Zero.

Quatro cuidados técnicos compõem o suporte tecnológico a essa decisão:

* do ponto de vista preventivo é imperioso que a arquitetura e a engenharia brasileiras abandonem o preguiçoso cacoete de adequar o terreno aos seus projetos de prancheta, ou seja, “fabricar”, via intensas e extensas terraplenagens, as áreas planas que seus burocráticos projetos exigem. Os serviços de terraplenagem serão dispensáveis, ou ao menos em muito reduzidos, caso os projetos criativamente se adaptem às condições naturais (no caso, ao relevo) dos terrenos onde serão implantados. Ganha o empreendimento, ganha a estética, ganha o ambiente.

* uma vez indispensável a terraplenagem, sempre ter em conta que os solos superficiais (em nosso clima, algo entre 2 a 3 metros de profundidade), por serem geologicamente mais argilosos e pela cimentação de seus grãos por diversos tipos de óxidos, são muitíssimo mais resistentes à erosão do que os solos saprolíticos inferiores. O ideal, portanto, é não se retirar essa camada superficial de solo; mas no caso em que a terraplenagem necessária imponha essa retirada, estocar esse solo superficial para o futuro uso no recobrimento das áreas terraplenadas que ficarão expostas à ação dos processos erosivos. Além de mais resistentes à erosão, os solos superficiais têm melhores características geotécnicas e são mais férteis.

* os serviços de terraplenagem têm que ser programados com critérios rígidos. É um grave erro proceder-se toda a terraplenagem para só então se “iniciar” a obra. Esse erro implica que por um grande período, na verdade por todo o tempo de duração da obra civil, as áreas terraplenadas fiquem submetidas à erosão. O correto é que a terraplenagem caminhe junto com a implantação da obra civil, ou seja, vai-se fazendo a terraplenagem na medida que o avanço da obra a exige. Alternativamente pode-se fazer a terraplenagem por painéis. Completa-se um painel, faz-se sua proteção contra a erosão e só então inicia-se um próximo painel. Com isso o tempo de exposição do solo à erosão reduz-se em muito.

* um outro expediente prático que reduz em muito a erosão é adotar-se uma proteção, que seja provisória, dos taludes à medida do aprofundamento da terraplenagem. Exemplificando, assim que a terraplenagem produza o primeiro degrau com um talude de dois metros de altura, já de imediato se protege esse talude provisoriamente contra a erosão. De forma que quando a terraplenagem atingir a cota inferior de projeto todo o talude já estará protegido. Como proteção provisória pode-se adotar, por exemplo, a tecnologia Cal-Jet, que consiste na pulverização de uma calda de cal fluida sobre o talude.

Enfim, como foi dito, a erosão é madrasta, mas é perfeitamente possível vencê-la. Apenas uma questão de decisão para a Engenharia brasileira.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro{at}uol.com.br)
Geólogo formado pela USP em 1968
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”
Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente

[EcoDebate, 25/05/2009]

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2 thoughts on “Terraplanagem + Erosão = Desastre, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

  • Osvaldo Ferreira Valente

    Muito bem colocado, meu caro Álvaro. Você mencionou o fato e apontou soluções viáveis e é disso que nós precisamos.Tenho repetido muito que prcisamos usar tecnologuias já existentes e os profissionais competentes que também temos para adaptá-las a cada situação específica e para criar novas, se for o caso . Mas fico com a sensação de que nossos políticos e muitos ambientalistas não acreditam nisso e tentam sempre resolver os problemas ambientais com leis e mais leis.E, assim, o ambiente só vai deteriorando, pois o que não tem lógica acaba sempre não “pegando”. É claro que algumas normas são necessárias, como os planos diretores das cidades, mas traçando linhas gerais para servirem de guias para os profissionis e os usuários. Daí para a frente devem entrar ciência, tecnologia e autoridade para exigir suas aplicações, o que poderá ser feito através de projetos aprovados e dos alvarás, por exemplo.

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