Teste de campo de árvores geneticamente modificadas: contribuição do governo belga ao Dia Internacional da Diversidade Biológica
Em 6 de maio, a Ministra da Ciência e a Inovação de Flandres (Bélgica) Patricia Ceyssens plantou uma árvore. Não há nada estranho nisso, logicamente. O que era inusual sobre esse tipo de cerimônia “verde” era que essa não era uma árvore comum. Era de fato o primeiro choupo geneticamente modificado a ser plantado em um teste de campo aberto pelo Instituto de Flandres para a Biotecnologia (VIB), a ser seguido pela plantação de 119 choupos GM mais nos seguintes dias no mesmo lugar.
A presença da ministra não foi uma surpresa, já que o VIB é financiado pelo governo flamengo, mas sua participação ativa neste tipo particular de atividade de plantação de árvores pode também ser percebida como uma declaração política contra funcionários do governo que se opunham a esse tipo de teste de campo, contra organizações como Nature & Progrès Belgique e Greenpeace Bélgica e também contra a maioria do público em geral na Bélgica que tinha exprimido opiniões negativas sobre ele (uma das razões fornecidas para a rejeição inicial do teste por dois ministros federais foi que “a consulta pública é muito negativa”).
Por que o VIB recebeu esse tipo de apoio político? Qual a importância desse teste de campo? Qual o objetivo dessa pesquisa?
Para responder essas perguntas é necessário em primeiro lugar explicar que esses choupos têm sido manipulados geneticamente para que sua madeira tenha 20% menos lignina e 17% mais celulose. Considerando que a lignina é o material que liga as fibras de celulose e dá fortaleza às árvores, essa modificação parece não fazer sentido desde uma perspectiva biológica.
No entanto, faz muito sentido da perspectiva das corporações e do lucro. E disso se trata esse teste: lucros futuros. Além da própria indústria da biotecnologia –da que o VIB faz parte- este teste objetiva beneficiar dois atores principais: a indústria da celulose e do papel e a indústria energética.
A respeito do primeiro ator, a madeira com maiores níveis de celulose e menores níveis de lignina resultarão em matéria-prima mais barata, porque o mesmo volume de madeira conterá 17% mais celulose, que é a parte da madeira utilizada na produção de pasta. Ao mesmo tempo, 20% menos lignina significará um processo de branqueamento mais barato, já que a lignina causa o amarelecimento do papel e qualquer lignina remanescente deve ser branqueada. Portanto, menos lignina significa menores custos com branqueamento.
O segundo ator –a indústria energética- parece ser ainda mais favorecida por esta pesquisa. Não foi por acaso que o VIB recebeu 1,6 milhões de dólares do “American Global Climate and Energy Project” (Projeto Norte-americano de Clima e Energia Globais), gerido pela Universidade de Stanford, para mais pesquisa. O objetivo principal dessas árvores é servir como matéria-prima para etanol celulósico, que é produzido a partir da celulose contida na madeira. Aqui de novo o que importa é o conteúdo de celulose –mais celulose, etanol mais barato. De acordo com a mídia belga, essas árvores produzirão 50% mais etanol que os choupos normais.
O VIB e o Conselho de Biossegurança Belga prometerão logicamente que esse teste será limitado e que nenhum pólen poluirá os choupos nativos próximos. E isso provavelmente seja verdade. No entanto, deve salientar-se que este teste não é um exercício acadêmico científico, mas um primeiro passo para o objetivo óbvio: a plantação comercial –na Bélgica e em outros lugares- de choupos GM para a produção em grande escala de etanol celulósico e pasta para papel. E isso seria um desastre ambiental.
O choupo é uma espécie comum no mundo inteiro e particularmente na Europa, onde muitas pessoas o cultivam com fins comerciais. Os choupos têm a peculiaridade de hibridizar-se bem facilmente. Isso significa que o pólen de uma espécie pode fertilizar as flores de uma espécie diferente, resultando em árvores híbridas que compartilham qualidades das duas espécies. Esse é um fato bem conhecido e os florestais o tem usado para produzir muitos híbridos, cruzando diferentes espécies e até cruzando choupos europeus com americanos. Se os choupos GM fossem estabelecidos em plantações comerciais, a contaminação de pólen de choupos GM viraria inevitável. A madeira dos descendentes dos choupos poluídos conteria muito menos lignina que a espécie natural original e portanto seriam mais facilmente destruídos por tormentas e suscetíveis a ataques de pestes, justamente por causa de seu baixo conteúdo de lignina. Em decorrência disso, os ecossistemas de floresta inteiros sofreriam os impactos.
Para piorar a situação, enormes áreas de terras produtoras de alimentos seriam invadidas –no Norte e no Sul- por plantações de choupos GM em grande escala para alimentar o negócio do etanol ecológico ou o negócio do papel e da celulose ou os dois.
Em resumo, a Ministra Ceyssens não plantou uma simples árvore. O que plantou foi uma das maiores ameaças já enfrentadas pela biodiversidade das florestas, encoberta sob a etiqueta de “ciência e inovação”. O que plantou é um símbolo de controle corporativo da natureza e um primeiro passo para o desastre ambiental. Provavelmente ela obteve uma rodada de aplausos dos funcionários do VIB e seus sócios corporativos. Bem merecidos, sem dúvidas, por seus esforços.
No entanto, deve lembrar-se ao governo belga seus compromissos como parte da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, que neste mesmo mês (22 de maio), comemora o Dia Internacional da Diversidade Biológica, sendo o tema deste ano justamente “Espécies Forâneas Invasivas”. Plantar choupos GM é às claras uma tapa no rosto tanto para os objetivos da convenção quanto para o tema deste ano. Que pode ser mais forâneo que um choupo GM, que pode ser mais invasivo que isso, e que pode ser mais efetivo para destruir a diversidade biológica?
* por mais informação ver http://www.wrm.org.uy/temas/AGM/Belgica.html
e ver também http://www.wrm.org.uy/temas/biotecnologia.html).
Boletim número 142 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais
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Editor: Ricardo Carrere
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[EcoDebate, 22/05/2009]
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