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Artigo

Desastres Naturais: No Brasil não há gestão de risco! artigo de Lutiane Almeida

“Tais exemplos demonstram que o Brasil é sim afetado por desastres naturais. É preciso desmistificar a ideia de que no Brasil não ocorrem desastres naturais”

Em um momento no qual a sociedade pós-moderna vive um clima generalizado de insegurança, tanto em função da violência cotidiana, das epidemias e das crises financeiras, quanto pelas possíveis ameaças atreladas às mudanças ambientais globais, no Brasil a sociedade parece alheia à possibilidade de ocorrência de sinistros, sejam eles oriundos de perigos naturais (ou nem tão naturais assim) ou tecnológicos.

Percebe-se, por um conjunto de fatores, que o Brasil não possui cultura de risco e não desenvolve gestão de risco, mas gestão de crise. Este artigo justificou-se pela urgência atual de um debate sobre a gestão dos riscos ambientais no âmbito da gestão do território no Brasil.

No que tange aos perigos ditos “naturais”, há estatísticas que confirmam o crescimento das perdas humanas e econômicas em todo o mundo, ao mesmo tempo em que crescem a frequência e a magnitude dos eventos naturais. Surge o questionamento: as perdas (humanas e econômicas) têm aumentado em função do acréscimo na frequência e magnitude dos eventos ou pelo aumento na quantidade de pessoas vulneráveis aos perigos naturais?

O Brasil é um dos países mais atingidos por fenômenos naturais perigosos. Em 2008, o país estava na 13ª colocação entre os países mais afetados por esses tipos de eventos, sendo pelo menos dois milhões o número de pessoas atingidas por desastres naturais, principalmente atrelados aos processos atmosféricos, tais como as chuvas.

Todavia, sendo o Brasil um dos países mais atingidos por esses fenômenos, por que ainda persiste certa leniência quanto às ações do poder público no que concerne à gestão dos riscos naturais? Ainda persiste um mito de que no Brasil não ocorrem desastres naturais? Aliás, existe gestão de riscos naturais no Brasil?

A gestão de risco é uma prática inerente ao surgimento do homem na Terra. Atualmente, a gestão de risco recobre uma série de políticas, obras, medidas, incluindo de forma genérica a proteção, a prevenção ou a previsão dos riscos.

Os riscos naturais e suas consequentes catástrofes, nos países em desenvolvimento, estão principalmente correlacionados à urbanização acelerada e não controlada, à degradação ambiental, à fragilidade da capacidade de resposta e à pobreza.

A América Latina possui 70% de sua população habitando cidades que apresentam forte concentração populacional, com as piores condições de infraestrutura possíveis. Algumas metrópoles se encontram recorrentemente expostas a desastres naturais como terremotos, ciclones, desmoronamentos de terra e inundações.

O crescimento urbano, as carências de infraestrutura, a pobreza, e a fraca estrutura política, aliada à ocupação de espaços expostos a perigos naturais, geraram ambientes de intensa vulnerabilidade e um enfraquecimento da capacidade de resposta da sociedade às crises, o que pode ser comprovado com o aumento da frequência e da magnitude das catástrofes na região.

Para a realidade do Brasil, dadas as condições geoambientais e socioculturais, os principais perigos naturais recorrentes estão associados a fenômenos morfodinâmicos, hidrológicos e climáticos – movimentos de terra, das inundações e das secas.

“No Brasil não tem terremoto!” “O Brasil é um país abençoado por Deus!” Deus é Brasileiro!”

Para os que não reconhecem o Brasil como um país assolado por desastres naturais, eis alguns dados: entre 1999 e 2008 ocorreram pelo menos 49 grandes episódios de secas, inundações, deslizamentos de terra, totalizando pelo menos 5,2 milhões de pessoas atingidas, 1.168 óbitos e um prejuízo econômico de US$ 3,5 bilhões (EM-DAT, 2009).

Em 2008, o Estado de Santa Catarina foi assolado por uma das maiores catástrofes naturais do país: 14 municípios em situação de calamidade pública, 63 em situação de emergência (dos 293 municípios do Estado, 26,27% foram atingidos). 32.853 pessoas ficaram desalojadas (27.236 pessoas) ou desabrigadas (5.617 pessoas). Ocorreram 135 óbitos e 6 desaparecimentos.

Em 2009, milhares de pessoas dos Estados do Nordeste e do Norte, além do Estado de Santa Catarina, passam por situações semelhantes, quando mais de 300 municípios foram atingidos pelas consequências da chuva, mas também pelo descaso do poder público em relação a políticas de prevenção de desastres.

Segundo dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil, mais de 1,2 milhão de pessoas foram atingidas, 200 mil desalojados, 100 mil desabrigados e 40 óbitos.

Tais exemplos demonstram que o Brasil é sim afetado por desastres naturais. É preciso desmistificar a ideia de que no Brasil não ocorrem desastres naturais.

Existe uma relação tênue entre o aumento da degradação ambiental, a intensidade das consequências dos desastres naturais e a crescente vulnerabilidade social (pobreza, déficit habitacional, carência de serviços urbanos).

Acrescente-se aos fatores anteriores a falta de aplicação ou o desrespeito à legislação ambiental e urbanística (e.g. Código Florestal e leis de uso e ocupação do solo), que prepondera em todo o território nacional e que corrobora para o aumento da frequência e magnitude dos desastres (ou mesmo catástrofes) e da incapacidade, e às vezes condescendência do poder público na gestão do território frente à especulação imobiliária e o clássico predomínio do poder econômico sobre a lei e o poder público, este responsável em resguardar o direito público em relação ao direito privado.

No que tange à gestão de risco no Brasil, apenas nos últimos 5 anos se tem percebido maiores preocupações com o tripé da gestão de risco: proteção, previsão e prevenção.

O que se fez em relação aos desastres naturais no Brasil se concentrou na denominada gestão de crise, ou seja, ações engendradas após a ocorrência de sinistros. Também pouco se tem feito no sentido de criar entre os brasileiros uma cultura de risco pautada no conhecimento, na consciência e na memória de risco.

Para se ter ideia do quanto é recente essas preocupações no Brasil, somente em 2005 ocorreu a institucionalização da Defesa Civil no país. A instituição do Decreto 5.736 de 17 de fevereiro de 2005 criou o Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC) e o Decreto de 26 de setembro de 2005 instituiu a Semana Nacional de Redução de Desastres.

A única entidade responsável pela gestão de risco em âmbito nacional é a Secretaria Nacional de Defesa Civil. A função primordial da defesa civil é o desencadeamento de ações preventivas e de resposta aos desastres.

Se a defesa civil tem como prerrogativa maior a atuação sobre os desastres, então se presume que sua atuação será pautada, frequentemente, sobre o pós-desastre o que pode conceitualmente dificultar a compreensão e a institucionalização da gestão de risco enquanto conjunto de ações que visam equacionar as consequências dos eventos danosos.

Além disso, há concentração exorbitante de ações de governo no Brasil, na remediação dos desastres, ou seja, no pós-desastre; o que se configura na prática em liberação de verbas emergenciais, distribuição de cestas básicas, colchões, remédios, incentivo a campanhas de doação de alimentos, criação de fundos de emergência em caso de perda de safras e de residências, atuação da defesa civil, dos bombeiros, das forças armadas, entre outros.

Dados os padrões de uso e gestão do território realizados no Brasil, há uma grande carência de gestão dos riscos ambientais, com relação à previsão e à prevenção de perdas humanas e econômicas atreladas aos desastres naturais, sendo as ações de governo concentradas na mitigação pós-sinistro, ou seja, na gestão de crise, tal como apresentado nos acontecimentos do Estado de Santa Catarina.

Recomenda-se ao governo brasileiro uma mudança na postura de investimentos e gastos públicos em relação aos desastres naturais, no sentido de privilegiar a prevenção e a previsão de perigos naturais, na criação efetiva de mecanismos de produção de uma cultura de risco entre os brasileiros, o que perpassa a uma institucionalização do conceito de risco (diferente do que ocorre no presente: a institucionalização do desastre); à divulgação de conhecimento de risco, e.g. conhecimento que faça parte do conteúdo programático das escolas; à produção de uma cartografia de risco oficial, ou seja, produzida pelos Estados e municípios; ao incentivo aos centros de pesquisa e universidades na formação de grupos de pesquisa sobre riscos, vulnerabilidades e redução de desastres; a criação de um sistema de microseguros para comunidades mais pobres e mais vulneráveis a eventos naturais perigosos, entre outros.

Lutiane Queiroz de Almeida é geógrafo, doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro (SP) (lutianealmeida{at}hotmail.com).

Artigo publicado no Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3764, de 19 de Maio de 2009.

[EcoDebate, 20/05/2009]

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