A crise financeira deixou de lado a consciência ecológica de muitas instituições
Crise dá lugar ao ‘ecologicamente incorreto’ – Após anos como centro das atenções de todo o mundo, o conceito de desenvolvimento sustentável parece ter perdido o status de urgente, ao menos na visão de alguns países e empresas.
A reportagem é de Camila Nóbrega e publicada pelo jornal O Globo, 17-05-2009.
Com o agravamento da crise financeira, a consciência ecológica de muitas instituições foi deixada de lado, para dar lugar a um único objetivo: a recuperação econômica a qualquer custo. Para especialistas, chegou o momento de separar o joio do trigo e saber quem realmente dá prioridade a práticas ecologicamente sustentáveis.
Segundo um estudo na consultoria inglesa New Energy Finance, novos investimentos em energia limpa despencaram 53% em todo o mundo, no primeiro trimestre de 2009 em relação ao mesmo período de 2008, passando de US$ 28,3 bilhões para US$ 13,3 bilhões.
Em relação ao último trimestre de 2008, quando a maioria dos investimentos programados foi mantida, a queda foi de 44%.
No Brasil, 23% dos projetos foram adiados
No Brasil, a queda nos novos investimentos foi de 18%. No entanto, em relação ao período de outubro a dezembro de 2008, o tombo foi de 76%. Mas, segundo a chefe do escritório da New Energy na América Latina, Camila Ramos, é importante ressaltar que houve um refinanciamento (nova aprovação de crédito) para um projeto de energia limpa brasileiro que somou US$ 1,8 bilhão:
— O refinanciamento mostra interesse em manter o projeto. Mas o número de novos projetos, que já têm ao menos financiamento aprovado, caiu. No Brasil, há 138 que deveriam começar entre 2008 e 2012. Desses, 23% foram adiados e não têm nova previsão e outros 23% estão sob análise. Em todo o mundo, a principal razão é a escassez de crédito.
Ainda segundo Camila Ramos, apenas 19% dos projetos programados para começar entre 2008 e 2012 estão em andamento, 21% estão mantidos, e 6% foram abandonados. Os outros 8% dizem respeito a empresas que não quiseram informar seu planejamento.
Outro setor afetado pela crise econômica foi o mercado de carbono, que consiste na possibilidade de países desenvolvidos comprarem créditos de outras nações emergentes que possuem projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os valores são fixados para cada tonelada de carbono que deixa de ser lançada na atmosfera.
Segundo a Associação das Empresas do Mercado de Carbono (Abemc), o preço do carbono caiu 50%, de C 20 para C10, devido à desaceleração da produção industrial no mundo.
Ainda não há dados fechados sob o volume financeiro negociado no mercado neste ano, mas estima-se que haverá forte queda em relação aos US$ 118 bilhões de 2008.
Com isso, as perdas do Brasil, terceiro maior gerador de créditos de carbono no mundo, podem chegar a US$ 2 bilhões, segundo o presidente da Abemc, Flávio Gazani:
— Além da queda na produção industrial, o preço do carbono está ligado ao petróleo, que está em queda. E, reduzindo emissões de carbono, a Europa aumenta seus créditos, sem precisar comprar dos países emergentes. Como consequência disso, há um desestímulo à criação de novos projetos de MDL.
Gazani destaca também que houve queda no mercado voluntário de crédito de carbono, que é movido por iniciativas de empresas que têm medidas próprias de redução de emissão.
Como as empresas não compram créditos por obrigação de compensar sua produção, muitas companhias reduziram essas negociações durante a crise. Segundo a New Energy, houve redução de 70% nas transações no mercado voluntário, que está operando com um preço entre C 5 e C 10.
Para Camila Ramos, da consultoria, há três principais motivações para o investimento em desenvolvimento sustentável: legislação, retorno econômico atraente e marketing:
— Nesse momento, estamos vendo queda em mercados que não estão apresentando retorno financeiro atraente. E as empresas que não haviam incorporado a consciência ambiental como parte da instituição fizeram cortes.
Para Sérgio Amoroso, presidente do Grupo Orsa, maior exportador de madeira certificada no Brasil, o principal problema no país é a ausência de legislação que obrigue a utilização do produto ao menos em obras públicas. Ele conta que, desde o início da crise, as exportações caíram 80% e o preço 20% e, apesar de o Brasil ser um dos maiores consumidores de madeira no mundo, o mercado interno responde por menos de 10% das vendas:
— No Brasil, consome-se basicamente madeira não certificada. Para se obter o selo de certificação, é necessária uma grande infraestrutura e provar que não há conflito com comunidades. Deveria ser a prática padrão, portanto, uma cobrança por parte do governo é fundamental. Já reduzimos a produção e, se não houver recuperação econômica ou uma contrapartida do governo até 2011, não sabemos se a empresa vai sobreviver.
Segundo Amoroso, a queda no faturamento de outubro a abril em relação ao ano anterior foi de 50% (aproximadamente R$ 14 milhões). Ele ressalta ainda que, com a queda de preço da madeira certificada, a diferença para a não certificada caiu muito. Hoje, a madeira sem certificação é apenas 8% mais barata, enquanto antes da crise a margem era de cerca de 30%.
Segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, neste momento, ainda é impossível exigir das empresas brasileiras a certificação oficial, pois isso limitaria muito a possibilidade de disputa em licitações: — Exigimos madeira legalizada, que possui plano de manejo ambiental, isso já é uma revolução no Brasil. Não dá para exigir ainda madeira certificada, que não pode usar agrotóxico ou trabalho infantil. Esse é nosso rumo no futuro.
Orçamentos das ONGs também caíram 7%
A empresa Butzke, que vende móveis feitos com madeira certificada, também registrou queda nas exportações, de cerca de 30% e teve prejuízo de R$ 1 milhão desde setembro de 2008. Segundo o diretor da Butzke, Michel Otte, companhias que não exigiam madeira certificada reduziram as encomendas:
— Há dois tipos de clientes, os que exigem o produto certificado, e o que trabalha com os dois tipos. Esse último reduziu custos. Redes americanas como Wal-Mart e Lowe’s pararam de comprar conosco.
As ONGs também sentiram o peso da crise. Segundo a presidente da SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota, o orçamento anual foi reduzido em 7%, passando de R$ 19,5 milhões em 2008 para R$ 18,100 milhões em 2009:
— As empresas estão adiando os repasses de verbas, então temos que ser cautelosos.
(Ecodebate, 19/05/2009) publicado pelo IHU On-line, 17/05/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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