O Brasil avança na área do clima? artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Afinal o presidente da República admitiu, em pronunciamento pelo rádio, que o Brasil sente efeitos das mudanças no clima que estão acontecendo no mundo, pois “há seca intensa onde nunca houve e chove no lugar onde não chovia”. No momento em que disse isso já havia cerca de 1 milhão de pessoas atingidas por inundações e deslizamentos de terra no Nordeste, do Maranhão à Bahia, e mais de 1 milhão padecendo com a estiagem de meses no Sul do País, enquanto o Pantanal mato-grossense enfrentava sua pior seca prematura em 35 anos, com um número inédito de queimadas, e a Amazônia se via próxima da maior cheia de todos os tempos. Mas “o Brasil é exemplo no aquecimento global”, dissera o presidente uns 40 dias antes.
“Não é um rio ou uma cidade; são todos os rios e todas as cidades”, escreveu o ex-presidente José Sarney sobre o quadro no Maranhão, que não era um caso isolado no Nordeste: uma em 13 cidades vivia “situação de emergência” na região, embora o Grupo de Previsão do Tempo do Ceptec já há dois meses houvesse alertado que as chuvas seriam “acima do normal”. E, de fato, em quase todas as capitais nordestinas as precipitações em abril ficaram bem acima da média histórica (80% mais em São Luís, 64% em Fortaleza, 70% em João Pessoa, 82% em Teresina, 58% em Salvador, 34% em Natal). Em Salvador, chegaram a ser registrados 80 deslizamentos de terra em 48 horas. No Sul, com estado de emergência em grande parte dos municípios gaúchos e catarinenses, as perdas nas safras de soja e milho foram muito acentuadas. Hidrelétricas baixaram sua produção para níveis mínimos por falta de água.
Modelagem do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e de uma universidade britânica indica que poderá aumentar em 30 o número de dias com chuvas acima de 10 milímetros (e “eventos extremos”) no Sul do País ao longo deste século, inclusive na capital paulista. Mas nossas cidades não estão preparadas para esses eventos, dizem várias instituições. Só oito capitais calculam seus níveis de emissão de poluentes. Menos de 90 de mais de 5.500 municípios brasileiros têm algum órgão encarregado da defesa civil, na maior parte apenas o corpo de bombeiros.
Só há poucos dias o ministro do Meio Ambiente criou o Painel Brasileiro sobre Mudanças do Clima, em que 300 cientistas e pesquisadores “atualizarão os dados” nessa área (o único inventário sobre emissões brasileiras tem por base o ano de 1994; de lá para cá, as estimativas do consultor do governo britânico sir Nicholas Stern são de que elas podem ter chegado a cerca de 12 toneladas por habitante/ano, o que significaria que dobraram desde então). De qualquer modo, acha o ministro que no mundo “estamos longe de um acordo nessa matéria”. E o Brasil continua se recusando a aceitar compromissos de reduzi-las, no âmbito da Convenção do Clima; propõe apenas “metas” voluntárias, como a de reduzir o desmatamento na Amazônia.
O quadro no mundo é mais do que preocupante: 2008 registrou pelo menos 200 mil mortos e perdas próximas de US$ 200 bilhões em 960 eventos. O instituto britânico Oxfam prevê que o número de atingidos subirá para 375 milhões em 2015. Na abertura da Conferência Mundial dos Oceanos, há poucos dias, a Indonésia alertou que, com a elevação de mais de um metro no nível dos oceanos, 100 milhões de pessoas serão atingidas na Ásia, 40 milhões na Europa, 5 milhões na África e nas Américas. Será uma das consequências do derretimento do gelo principalmente no Ártico. E se a temperatura no planeta subir 4 graus (já aumentou 0,8 grau), a opção, diz a revista New Scientist (28/2), será deslocar populações para áreas secas e frias – o que poderá provocar até guerras.
Há quem creia em soluções tecnológicas, como a da captura de carbono na fonte de emissão e sepultamento sob a terra (que já está sendo testada, principalmente na Alemanha) ou no fundo dos oceanos. Mas também há quem pense que o problema ainda será mais agudo com o derretimento do permafrost nas regiões geladas, pois sob ele se encontram quantidades gigantescas de metano e carbono (este há quem estime em 2 trilhões de toneladas).
Complicado, já que o mundo arranca os cabelos só diante da notícia de que as emissões de poluentes pelos Estados Unidos cresceram 17,2% em relação às de 1990 (quando, como país industrializado, deveriam tê-las reduzido em pelo menos 5,2%). Ficam ainda no terreno das intenções palavras como as de Hillary Clinton, admitindo que mudanças climáticas são mesmo “uma ameaça para o mundo” (o que o governo anterior negava). Ou gestos como os do presidente Barack Obama, de prever no orçamento nacional US$ 150 bilhões em estímulos para projetos de redução de emissões – já que em seus últimos pronunciamentos, até no que dirigiu à ONU, o presidente deixou de mencionar metas de redução; falou apenas em “metas robustas e ações ambiciosas”. E sua cautela parece explicar-se pelas novas resistências no Congresso, inclusive por parte dos democratas, temerosos de obstáculos à economia num momento de crise.
Um porta-voz da ONU, há alguns dias, admitiu que “há diferenças fundamentais” entre as posições defendidas pelos vários países na Convenção do Clima, que tem prazo até dezembro para aprovar acordo que substitua o Protocolo de Kyoto. A própria Europa, que parecia mais decida (aceitava até reduzir suas emissões em 30% nos próximos anos, se Estados Unidos e outros grandes emissores também aceitassem), mostra-se agora mais reticente – embora admita que as emissões terão de baixar 80% até 2050 para evitar que a temperatura suba além de 2 graus.
Ficam as palavras de sir Nicholas Stern, que não é um “ambientalista” radical, e sim respeitado ex-economista-chefe do Banco Mundial: “Somos a primeira geração com o poder de destruir o planeta. Ignorar esse risco pode ser descrito como uma temeridade” (The Guardian, 1.º/4).
Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
* Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo
[EcoDebate, 18/05/2009]
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