Títulos irregulares de terra multiplicam Pará por dois
Corregedora do Tribunal de Justiça recusou pedido de cancelamento dos grilos. Instituições públicas apelam ao Conselho Nacional de Justiça
Um estudo conduzido pelas principais instituições que atuam na questão fundiária revela a dimensão da grilagem de terras no Pará. Depois de três anos, cruzando informações de várias fontes, constatou-se que 6.102 títulos de terra registrados nos cartórios estaduais contém irregularidades. Somados, os papéis representam mais de 110 milhões de hectares, quase um Pará a mais, em áreas possivelmente griladas.
A magnitude dos problemas nos registros – que abrangem de fraudes evidentes à erros de escriturários – levou a um pedido, dirigido à Corregedoria do Interior do Tribunal de Justiça, para que iniciasse imediatamente o cancelamento administrativo de todos os títulos irregulares, já bloqueados por medida do próprio TJ. A desembargadora Maria Rita Lima Xavier, corregedora do interior, negou o pedido no último mês de março.
A comissão responsável pelo estudo – Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem – criada pelo próprio TJ, resolveu recorrer ao Conselho Nacional de Justiça, para que determine o cancelamento administrativo dos papéis com evidência de grilagem ou incorreção. A petição será enviada por correio hoje ao CNJ.
Na prática, o cancelamento administrativo pode evitar que se iniciem simultaneamente mais de seis mil processos judiciais para tramitar pelos já abarrotados gabinetes do Judiciário paraense. “Os indícios de fraude são evidentes demais para ficarem esperando processo judicial”, argumenta Felício Pontes Jr, procurador da República e representante do Ministério Público Federal na comissão.
A posição de Pontes Jr é compartilhada por outros integrantes da Comissão, que subscrevem o pedido para cancelamento dos títulos: o MP do Estado, o Iterpa e a PGE.
Os outros membros da Comissão são representantes do TJ, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra e Federação da Agricultura do Estado do Pará.
Origem –
Para as instituições que vão hoje ao CNJ, o cancelamento administrativo é uma chance de sanar, respeitando o direito à defesa, mas com rapidez, boa parte da confusão fundiária paraense. Os dados levantados permitem chegar à origem de muitos dos conflitos antigos e recentes do estado campeão de violência no campo.
Entre os imóveis com títulos irregulares está, por exemplo, a fazenda Espírito Santo, em Xinguara, palco de violência no último dia 18 de abril. Com quase oito mil hectares, é uma das propriedades vendidas a partir de um título de aforamento, situação muito comum no sudeste do Pará.
O aforamento é um documento usado para conceder terras públicas a particulares sob certas condições. Se as condições fossem desobedecidas, as terras deveriam voltar para o domínio público. No caso da Espírito Santo, o particular não cumpriu as exigências mas, em vez de perder o direito às terras, as vendeu ilegalmente.
Situação idêntica é a da fazenda Balalaica, em Ipixuna do Pará, com mais de 34 mil hectares, e registro de assassinatos, conflitos e crimes ambientais. Os títulos da fazenda são considerados nulos pelo Instituto de Terras do Pará e, para piorar, 18 mil hectares estão sobre um território indígena, de propriedade da União.
Também entre os episódios de grilagem mais famosos do Pará está o do “fantasma” Carlos Medeiros, ente juridica e fisicamente inexistente que acumula 167 títulos de terra irregulares. Todos os títulos de Medeiros, em dez municípios paraenses, somando 1,8 milhões de hectares, estão bloqueados.
As três situações citadas se repetem milhares de vezes entre os 6.102 títulos bloqueados e serão resolvidas definitivamente se o CNJ determinar que o cancelamento pode ser feito por via administrativa, como propôem as instituições.
Procuradoria da República no Pará, Assessoria de Comunicação
[EcoDebate, 02/05/2009]
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