Biodiesel não se firma como alternativa para produção familiar
Para fazer estudo sobre o tema, equipe do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) percorreu 21,4 mil km, por meio aéreo e terrestre, nos estados da Bahia, Goiás, Mato Grosso e Rondônia, além do Distrito Federal
Pelo menos por enquanto, o discurso de que a produção do biodiesel pode ser um vetor para a melhoria das condições de vida dos agricultores familiares não está sendo comprovado na prática. Atualmente, 80% do biodiesel produzido no Brasil vem do óleo de soja. A participação dos pequenos na cadeia de biodiesel da soja tem se limitado à venda de grãos às usinas, que detém o Selo Combustível Social concedido pelo governo federal e desfrutam das respectivas facilidades de financiamento e incentivos fiscais. Por Repórter Brasil.
Em vez de aumentar a autonomia das famílias que estão na base da pirâmide rural, a expansão da soja tem, em diversos casos, intensificado a pressão sobre pequenos produtores em áreas como o Baixo Araguaia – conhecido como “Vale dos Esquecidos” entre o Norte do Mato Grosso e o Sul do Pará. A expectativa de asfaltamento de um novo trecho da BR-158, que viabilizará a exportação da soja pelo Porto de Itaqui, no Maranhão, foi suficiente para dobrar o preço do hectare de terra e agravar conflitos fundiários na região.
Em Rondônia, o crescimento das áreas cobertas por soja também influiu no aumento da concentração fundiária, a exemplo de Corumbiara, onde os sojicultores já invadem áreas de reforma agrária. Sem contar os flagrantes de desrespeito à lei ambiental (como o plantio de transgênicos e a utilização de agrotóxicos proibidos) no entorno do Parque Nacional das Emas, em Goiás.
A despeito da inauguração de três usinas de processamento da Petrobras em Quixadá (CE), Candeias (BA) e Montes Claros (MG), a mamona – apontada como alternativa para agricultores familiares, em especial em áreas empobrecidas do país – praticamente não é utilizada para a produção de biodiesel.
Toda a produção brasileira se destina à ricinoquímica, mesmo a parcela adquirida pelas empresas de biodiesel, que, neste caso, atuam como meros atravessadores entre a agricultura familiar e a indústria química.
A dificuldade de incluir pequenos agricultores na “onda” do biodiesel pode ser verificada nos números oficiais do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), que completa cinco anos em 2009. Se o programa conseguir cumprir a meta de inclusão deste ano, apenas 80 mil pequenos produtores, de um universo de mais de quatro milhões de agricultores familiares, serão beneficiados. O último levantamento do governo federal, principal promotor da iniciativa, aponta apenas 28 mil famílias ligadas ao PNPB.
As informações acima fazem parte do quarto relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis – impactos das lavouras sobre terra, meio e sociedade”, lançado nesta quarta-feira (29). O estudo analisa os impactos econômicos, sociais, ambientais, fundiários e trabalhistas da produção de soja e de mamona nos últimos 12 meses. Para fazer a pesquisa, a equipe do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da Repórter Brasil percorreu 21,4 mil quilômetros, por meio aéreo e terrestre, nos estados da Bahia, Goiás, Mato Grosso e Rondônia, além do Distrito Federal.
Soja
Com a diminuição de crédito ao agronegócio, a quantidade colhida de soja em 2009 (58,1 milhões de toneladas de grãos) manteve-se no mesmo patamar de 2008 (60 milhões de toneladas), de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Apesar disso, entre março de 2008 e março de 2009 foram construídas 14 usinas de biodiesel no Brasil, aumentando para 65 o número total de unidades e ampliando a capacidade nacional de produção do combustível em 23%, atingindo 4 bilhões de litros por ano. Apenas um quarto (cerca de 1 bilhão de litros por ano) da capacidade instalada no país está sendo efetivamente utilizada.
O óleo de soja continua sendo a matéria-prima mais utilizada na produção de biodiesel no Brasil, respondendo por 80% do total, em média. Com isso, os agrocombustíveis ainda não representam uma alternativa concreta de fortalecimento da agricultura familiar. No Rio Grande do Sul, por exemplo, estado campeão em vendas de biodiesel no mais recente leilão promovido pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a participação dos pequenos agricultores tem se limitado à venda de soja em grão às usinas, que assim obtêm do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) o Selo Combustível Social e as respectivas facilidades de financiamento e incentivos fiscais.
Nos latifúndios, a mecanização intensa e o baixo uso de mão-de-obra nas lavouras de soja não impediram que no ano passado 125 trabalhadores escravos fossem libertados pelos grupos móveis de fiscalização em sete propriedades onde havia plantio do grão. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o caso mais grave em área de soja ocorreu em uma fazenda em Goiás, onde foram encontrados 78 trabalhadores escravos.
Os povos e comunidades tradicionais também sofrem com a aposta brasileira no agronegócio. Não por acaso, a 2ª Assembléia Geral da Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado (Mopic), ocorrida em dezembro de 2008, teve como tema “O impacto da soja sobre as terras indígenas do Cerrado”.
Além da campanha da bancada ruralista para que a demarcação de terras indígenas deixe de ser atribuição exclusiva da Fundação Nacional do Índio (Funai) e passe pelo Congresso Nacional, há impactos diretos, como invasão de áreas por fazendas de soja e a poluição (causada pelos agrotóxicos) de nascentes de rios que entram em terras indígenas. Apesar disso, diante da dificuldade em consolidar alternativas de renda sustentáveis para as aldeias, o povo Paresi, no Mato Grosso, produz soja em grande escala, em parceria com fazendeiros e uma empresa de farelo da região.
O lobby ruralista se expressa também na reivindicação por investimentos em infra-estrutura, como o asfaltamento da BR-158, rodovia que viabilizará a exportação da soja pelo Porto de Itaqui, no Maranhão. Apesar de cruzar uma área de transição entre floresta e Cerrado e passar por duas terras indígenas, a obra não tem despertado no governo os mesmos cuidados que a rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163).
Na região do Baixo Araguaia, o chamado “Vale dos Esquecidos”, só a expectativa de asfaltamento da BR-158 já foi suficiente para dobrar o preço do hectare de terra, agravar conflitos fundiários e atrair investimentos das multinacionais de soja (a Cargill, por exemplo, quadruplicará a capacidade de armazenamento de um silo localizado à margem da rodovia).
Dentre os impactos socioambientais da produção de soja no Brasil, o relatório traz ainda flagrantes de desrespeito à legislação ambiental no entorno do Parque Nacional das Emas, em Goiás, como o plantio de soja transgênica e a utilização de agrotóxicos proibidos.
Na Amazônia, a pressão da soja sobre a floresta diminuiu, segundo os signatários da Moratória da Soja. Mas ambientalistas avaliam que o desmatamento continua ocorrendo, agora em outros moldes, principalmente em áreas menores. Municípios como Feliz Natal, Gaúcha do Norte e Querência, no Mato Grosso, e Dom Eliseu, no Pará, campeões de desmatamento e importantes produtores de soja, continuaram a desflorestar e a plantar o grão nestas áreas.
Estado eleito pelo CMA para uma análise mais minuciosa, Rondônia vive uma expansão da soja que, de forma geral, tem empurrado a pecuária para áreas de floresta, causando assim o desmatamento indireto. Os produtores do estado – que em 2008 apresentou o segundo maior crescimento percentual da área de soja do Brasil -, também estão pressionando por mudanças no Código Florestal que permitam uma ampliação do desmatamento legal. A soja em Rondônia também é responsável pelo aumento da concentração fundiária, a exemplo de Corumbiara, onde os sojicultores já invadem áreas de reforma agrária.
Mamona
Em 2009, a área plantada de mamona voltou a sofrer uma pequena queda. Segundo o relatório de safra da Conab de abril de 2009, a oleaginosa deve ocupar cerca de 150 mil hectares, diminuição de 7,8% em comparação com 2008, quando o país plantou cerca de 160 mil hectares. Esta queda atinge principalmente a Região Nordeste, maior produtora do país, que, dos 156 mil hectares cultivados em 2009, plantou apenas 142 mil este ano.
Este fenômeno pode parecer estranho, já que em 2008 a mamona atingiu ótimos preços (um pico de R$ 85 na Bahia e R$ 80 no Rio Grande do Sul). O cultivo da oleaginosa também recebeu um novo incentivo com a inauguração de três usinas da Petrobrás – em Quixadá (CE), Candeias (BA) e Montes Claros (MG) – e a opção política da estatal de investir prioritariamente nos produtores familiares de mamona.
A catastrófica atuação da empresa Brasil Ecodiesel nos últimos anos – atraso nos pagamentos, quebra de contratos, abandono da produção, entre outros -, no entanto, assustou muitos agricultores, que abandonaram a cultura. De acordo com o governo, e três a quatro das seis usinas da Brasil Ecodiesel devem perder o Selo Combustível Social – mecanismo que garante a participação das usinas nos leilões de biodiesel e implica ainda em vantagens fiscais – este ano porque grande parte dos requisitos não foram cumpridos. Segundo o MDA, esta medida deve “quebrar a Brasil Ecodiesel”.
Os pequenos agricultores também afirmam que tanto as empresas de biodiesel quanto os governos estaduais atrasaram a entrega de sementes ou entregaram sementes de baixa qualidade. Além disso, não providenciaram a assistência técnica prometida, o que impactou o desenvolvimento da cultura. Outra crítica é a falta de visão sistêmica e de investimentos mais amplos nas propriedades familiares. Em Cafarnaum, município campeão de produção da mamona na região de Irecê, Bahia, centenas de agricultores migram para outros estados em busca de trabalhos temporários porque não sobrevivem da própria produção.
De qualquer forma, apesar de ainda ser a vedete do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) e da Petrobrás, a mamona não é utilizada para biodiesel. Toda a produção brasileira se destina à ricinoquímica, mesmo a parcela adquirida pelas empresas de biodiesel, que, neste caso, atuam como meros atravessadores entre a agricultura familiar e a indústria química.
Este novo relatório do CMA também analisa a fundo as políticas do governo e da Petrobrás para a mamona, mostrando que o PNPB está tendo muitas dificuldades para atingir seus objetivos sociais. Se o programa conseguir cumprir a meta de inclusão deste ano, apenas 80 mil pequenos produtores, de um universo de mais de quatro milhões de agricultores familiares, serão beneficiados. O último levantamento aponta apenas 28 mil famílias ligadas ao PNPB.
Quanto ao Selo Combustível Social, mecanismo que premia empresas que compram da agricultura familiar, mudanças levaram à diminuição das obrigações das usinas no Nordeste, que agora podem incluir na cota de gastos com os custos dos contratos (assistência técnica, sementes, diárias, adubos, alimentação etc.), diminuindo o volume de produção efetivamente comprado dos agricultores – e, consequentemente, diminuindo seus ganhos.
Por fim, a decisão da Petrobrás de investir na mamona, oleaginosa muito mais cara que a soja, pode ser colocada à prova pelo mercado e por seus acionistas nos próximos tempos. No entanto, a empresa se justifica alegando que sua aposta é no futuro, quando a mamona, caso sua área plantada se expanda, poderia se tornar matéria-prima relevante para o biodiesel brasileiro. Enquanto isso, sertanejos nordestinos que cultivam mamona tem encontrado mercado garantido para sua produção no setor químico. É difícil prever, porém, quando a oleaginosa virará de fato biodiesel.
Leia a íntegra do estudo:
http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/o_brasil_dos_agrocombustiveis_v4.pdf
Visite o site do Centro de Monitoramento dos Agrocombustíveis (CMA)
[EcoDebate, 02/05/2009]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
Fechado para comentários.