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Notícia

Dados da CPT mostram as marcas da geografia da violência no campo brasileiro

Segundo os dados da CPT e as análises do professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carlos Walter Porto-Gonçalves, o que mais chama a atenção em 2008 é que, mesmo num ano de queda generalizada dos índices de conflitividade e de violência, o número de pessoas assassinadas tenha permanecido o mesmo de 2007.

Nota-se, entretanto, uma mudança significativa na geografia dos assassinatos, posto que o ano de 2008 retoma o padrão histórico da geografia da violência, onde o Pará toma a dianteira com 46,4% dos casos ocorridos no país, enquanto em 2007 ele contava com apenas cerca de 18% do total de assassinatos. Cabe destacar que a queda observada no número de assassinatos no país e, sobretudo no Pará nos anos de 2006 e 2007, se deveu, segundo análises de Carlos Walter, à repercussão do assassinato da freira Dorothy Stang, o que ensejou que os governos federal e estadual tomassem medidas que, os dados de 2008 agora revelam, não tocaram no padrão histórico de violência que vem caracterizando a reprodução da nossa estrutura de poder.

Enfim, o poder público, também no caso do assassinato de Dorothy Stang, agiu com medidas emergenciais e não estruturais diante da violência e, assim, o complexo de violência e devastação permanece com seu padrão de reprodução histórico. Observe-se que, além do Pará, outros três estados tiveram aumento do número de pessoas assassinadas no ano de 2008 – Bahia, Rondônia e Rio Grande do Sul.

As regiões Norte e Sul acusaram aumento do número de pessoas assassinadas pela ação direta do poder privado, com 18 casos registrados na região Norte, aumento de 80% em relação a 2007, e 3 no sul do Brasil, aumento de 33% em relação a 2007. Registre-se que os estados de Rondônia e Rio Grande do Sul são os únicos em que os dois indicadores de violência do poder privado aumentaram, isto é, tanto o número de pessoas assassinadas como o de famílias expulsas pela ação direta do poder privado. No caso das famílias expulsas, quatro outros estados acusaram aumento em 2008 em relação a 2007, todos da região Nordeste – Alagoas, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte. Aqui, vale salientar que esse aumento se caracteriza devido à retomada da expansão do monocultivo de cana nos estados da Zona da Mata (AL, PB e RN) com os incentivos governamentais em sua campanha pelo etanol e à rearticulação das entidades das oligarquias latifundiárias com sua violência privada expulsando famílias.

Violência do Poder Público
No caso da ação do poder público exercendo a violência “legal” vemos que, apesar da queda geral no país do número de prisões e de famílias despejadas, a região Norte acusa um aumento das ações de despejo lavradas pelo poder judiciário e cumprida pelo poder executivo, assim como a região Sul acusa aumento no número de pessoas presas, nesse caso com destaque para o estado do PR com um aumento de 200%!

É interessante observar que em cinco unidades da federação – Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Piauí, Amazonas e Rio Grande do Sul – a violência do Poder Público aumentou nos dois indicadores simultaneamente, isto é, tanto no número de famílias despejadas como no de prisões. Afora o Rio Grande do Sul onde a violência do poder Público tanto do Executivo como do Judiciário vem instigando o aumento geral da violência e da conflitividade, sendo o único estado em que todos os indicadores aumentaram, assinalamos o fato de que nos demais quatro estados em que o Poder Público se destacou em ambos indicadores, a presença dos latifúndios empresariais monocultores de exportação esteja avançando – Mato Grosso do Sul (cana e monocultivo de madeira), Espírito Santo (monocultivo de madeira) e o Piauí (soja). Destaquemos, por outro lado, a forte presença de unidades da federação da Amazônia Legal onde o poder público vem agindo com todo seu peso nos conflitos ou prendendo, ou lavrando ordens de despejo: no Amazonas, nos dois indicadores; no Acre, Pará e em Roraima, com prisões, e no Maranhão, com despejo de famílias. O Pará é um estado que apresenta um comportamento sui generis na medida em que nele dispara a violência do poder privado por meio dos assassinatos, mas a violência institucional por meio da ação do estado se faz, sobretudo, no aumento das ações de despejo de famílias e não no número de prisões que, ao contrário, regride. Ou, em números proporcionais, enquanto o número de assassinatos aumentou 160% o que aumentou em 53% foi o número de famílias despejadas, posto que o número de ordens de prisão, simplesmente, caiu cerca de 50%.

Os protagonistas da luta pela terra
Em 2007, segundo os dados do Setor de Documentação da CPT(*1), os Sem-Terra corresponderam a 44% do total das categorias envolvidas em conflitos por terra, mas, em 2008, essa proporção caiu significativamente para 36,3% passando os Sem-Terra a ocupar o segundo lugar entre as diversas categorias. Por outro lado, as Populações Tradicionais que ocupavam o 2º lugar em 2007, com 41% do total, passam a ocupar o lugar de maior destaque com 53% do total em 2008. A prevalência dessas duas categorias está relacionada ao fato de que os Sem-Terra de hoje são as populações que ocupavam terras e foram expropriadas e, entre essas, as populações tradicionais ocupam um lugar cada vez mais protagônico, o que nos indica a atualidade do grave processo expropriatório que está em curso desde os anos 1970. Observemos que 65,4% das Populações Tradicionais envolvidas em conflitos por terra estavam na Amazônia Legal, enquanto 60,1% dos sem-terra envolvidos se encontravam na região centro-sul do país. Quando se sabe que a política do governo com relação à questão fundiária tem sido a de manter o velho padrão de colonização em contraposição à reforma agrária, com a criação de assentamentos, sobretudo na Amazônia, vemos que o modelo expropriatório consagrado no período da ditadura civil-militar nos anos 1960-1970 é atualizado. Os dados são claros: há um aumento da proporção das Populações Tradicionais envolvidas em conflitos, sobretudo, mas não só, na Amazônia, e que diz respeito à expropriação das terras que tradicionalmente ocupavam. Já os Sem-Terra continuam predominando na região onde o processo de expropriação já avançou há mais tempo.

O efeito desse processo, contextualizado no padrão de acumulação do modelo agro-brasileiro, é que a cana, a soja, o milho (leia-se, suínos e frangos), além dos monocultivos de madeira, tendem a ocupar as terras nas regiões de melhor logística, no centro-sul do país, tornando a reforma agrária ainda mais difícil pela elevação dos preços da terra contribuindo, assim, para pressionar a ocupação de novas áreas (leia-se, a Amazônia e as chapadas e chapadões do oeste baiano, sul do Maranhão e Piauí), onde grileiros/madeireiros se antecipam tomando terras públicas e expulsando as populações tradicionais.

(*1) Os conflitos específicos envolvendo a luta pela terra ou conflitos por terra (que são as ações de despejos, somados a expulsões e casos de bens destruídos, sem os dados de ocupações e acampamentos) caíram de 615 para 459, de 2007 para 2008.

** Informação da Comissão Pastoral da Terra – Secretaria Nacional

[EcoDebate, 29/04/2009]

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