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A agricultura local pode livrar o mundo da crise. Entrevista com Michel Pimbert

agricultura local

Todo poder aos pequenos produtores – Você sabia que a maior parte dos alimentos é produzida, colhida e distribuída por mais de 2,5 bilhões de pequenos produtores, pastores e pescadores artesanais? Eles são responsáveis por 80% da comida consumida no mundo. E, embora muitas vezes sejam ignorados pelos políticos e governantes, podem ajudar a combater a fome e a desnutrição no planeta. É o que pensa Michel Pimbert, diretor do Programa de Agricultura Sustentável, Biodiversidade e Subsistência do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED), com sede em Londres. No livro “A Caminho da Soberania Alimentar – Reclamando por Sistemas Alimentares Autônomos” (em inglês), ele diz que, a não ser que produtores de pequena escala e suas organizações assumam o comando sobre a produção e a distribuição de alimentos, a crise deverá se aprofundar ainda mais nos próximos tempos. Ao contrário do que se pensa, não é preciso grandes somas de dinheiro ou novas e milagrosas tecnologias para sair desse impasse. Basta que as comunidades tradicionais e a sociedade civil, através de movimentos e ações locais, recebam apoio para (re)descobrir em sua própria cultura e região as ferramentas que contribuem com a sustentabilidade e o desenvolvimento de todos. Inúmeras iniciativas comprovam que colocar em prática o que ele chama de soberania alimentar dá certo. Matéria de Clarinha Glock, fotos Horst Friedrichs, na Revista Vida Simples, Edição 79. Confira na entrevista a seguir.

Como os pequenos produtores podem ajudar a diminuir a crise de alimentos? Assumindo o papel de gerenciamento, regulamentando o acesso aos alimentos e aos recursos, bem como a administração de sistemas de alimentação. O fim da fome e da desnutrição vai depender do apoio que essas instituições receberão em nível local através de políticas específicas, subsídios apropriados e medidas para proteger os mercados locais e nacionais da concorrência da comida barata importada de outros lugares. O desafio é ampliar em escala e difundir as soluções encontradas em cada lugar, revertendo políticas que, na prática, impedem que essas organizações realmente assumam o controle da economia e da ecologia na área de alimentos.

Qual a importância da valorizacão da cultura local? Precisamos considerar a cultura e a diversidade regional para encontrar respostas adequadas à múltipla crise ecológica e social dos sistemas de alimentação industrial. Um exemplo: em Cusco, no Peru, os índios da comunidade quíchua usam suas tradições para reorganizar e fortalecer o sistema local de alimentos e continuar produzindo uma grande variedade de batatas e outros alimentos típicos dos Andes. O conhecimento dos costumes e das leis dos antepassados ajuda a administrar a área de montanhas em que vivem e a compartilhar os benefícios do trabalho coletivo. Ao mesmo tempo, essas comunidades indígenas estão abertas para o que o mundo moderno pode oferecer. Elas usam a tecnologia do vídeo digital e da teleconferência para se comunicar com outras comunidades e o mundo de fora.

Como surgiu o conceito de soberania alimentar e qual seu significado? O conceito surgiu pela primeira vez pela Via Campesina, em 1996. A Via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações camponesas de pequenos e médios agricultores em todo o mundo. Basicamente, a soberania alimentar é o direito dos povos e das pessoas de decidirem sobre sua própria política agrícola e alimentar; de proteger e regular a produção agrícola doméstica e o comércio com o objetivo de desenvolvimento sustentável; de determinar o quanto querem ser autossuficientes.

Por que os governos, em geral, não dão espaco para essas spequenas organizacões atuarem? Como o poder ficou mais centralizado nas mãos do Estado e de corporações, o papel exercido pelos cidadãos tem sido marginalizado e diminuído em importância. Convencer os governos a dar mais espaço para as organizações locais depende, em parte, de torná-los mais conscientes da tremenda contribuição social, econômica e ambiental dessas organizações envolvidas no sistema de alimentação. Mas a transformação também depende claramente de uma afirmação maior dos cidadãos de que eles têm o direito de decidir que tipo de políticas agrícolas eles querem, que comida querem comer, e como organizar e inspecionar a administração de sistemas de alimentação.

Que lugares já conseguiram implantar a soberania alimentar? Ela foi adotada pelos governos de Mali [oeste da África], Equador, Bolívia e Nepal. Esses governos estão agora buscando reformas em leis agrárias, novas pesquisas e treinamento. Muitos obstáculos precisam ser superados e as mudanças são lentas. Em nível local, existem exemplos de iniciativas em que produtores de pequena escala e consumidores urbanos estão reinventando os sistemas de alimentação. Na publicação, cito as ecovilas da Escócia, onde organizações locais administram sistemas integrados de alimentação, energia, água e lixo para reduzir os impactos sobre o meio ambiente e melhorar o bem-estar da população.

O que uma comunidade precisa fazer para se engajar na busca da soberania alimentar? O mais importante é primeiro construir e fortalecer as organizações locais e desenvolver sua própria visão de que tipo de comida, agricultura e paisagens elas querem. Depois, é necessário basear a produção local e a distribuição no uso de recursos disponíveis em cada lugar (por exemplo, a biodiversidade local, a energia solar, o conhecimento popular). Também é preciso assegurar que a ajuda externa (de governo, cientistas e outros profissionais) seja pautada no diálogo respeitoso em acordos negociados sobre funções, direitos e responsabilidades dos diferentes atores. Por último, ligar- se a outras organizações locais para formar federações maiores que possam exercer o poder de transformar as políticas agrícolas.

Extras Extras “Gente”Edições Anteriores | Edição undefinedVocê sabia que a maior parte dos alimentos é produzida, colhida e distribuída por mais de 2,5 bilhões de pequenos produtores, pastores e pescadores artesanais? Eles são responsáveis por 80% da comida consumida no mundo. E, embora muitas vezes sejam ignorados pelos políticos e governantes, podem ajudar a combater a fome e a desnutrição no planeta. É o que pensa Michel Pimbert, diretor do Programa de Agricultura Sustentável, Biodiversidade e Subsistência do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED), com sede em Londres. No livro A Caminho da Soberania Alimentar – Reclamando por Sistemas Alimentares Autônomos (em inglês), ele diz que, a não ser que produtores de pequena escala e suas organizações assumam o comando sobre a produção e a distribuição de alimentos, a crise deverá se aprofundar ainda mais nos próximos tempos. Ao contrário do que se pensa, não é preciso grandes somas de dinheiro ou novas e milagrosas tecnologias para sair desse impasse. Basta que as comunidades tradicionais e a sociedade civil, através de movimentos e ações locais, recebam apoio para (re)descobrir em sua própria cultura e região as ferramentas que contribuem com a sustentabilidade e o desenvolvimento de todos. Inúmeras iniciativas comprovam que colocar em prática o que ele chama de soberania alimentar dá certo. Confira na entrevista a seguir.

Como os pequenos produtores podem ajudar a diminuir a crise de alimentos? Assumindo o papel de gerenciamento, regulamentando o acesso aos alimentos e aos recursos, bem como a administração de sistemas de alimentação. O fim da fome e da desnutrição vai depender do apoio que essas instituições receberão em nível local através de políticas específicas, subsídios apropriados e medidas para proteger os mercados locais e nacionais da concorrência da comida barata importada de outros lugares. O desafio é ampliar em escala e difundir as soluções encontradas em cada lugar, revertendo políticas que, na prática, impedem que essas organizações realmente assumam o controle da economia e da ecologia na área de alimentos.

Qual a importância da valorizacão da cultura local? Precisamos considerar a cultura e a diversidade regional para encontrar respostas adequadas à múltipla crise ecológica e social dos sistemas de alimentação industrial. Um exemplo: em Cusco, no Peru, os índios da comunidade quíchua usam suas tradições para reorganizar e fortalecer o sistema local de alimentos e continuar produzindo uma grande variedade de batatas e outros alimentos típicos dos Andes. O conhecimento dos costumes e das leis dos antepassados ajuda a administrar a área de montanhas em que vivem e a compartilhar os benefícios do trabalho coletivo. Ao mesmo tempo, essas comunidades indígenas estão abertas para o que o mundo moderno pode oferecer. Elas usam a tecnologia do vídeo digital e da teleconferência para se comunicar com outras comunidades e o mundo de fora.

Como surgiu o conceito de soberania alimentar e qual seu significado? O conceito surgiu pela primeira vez pela Via Campesina, em 1996. A Via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações camponesas de pequenos e médios agricultores em todo o mundo. Basicamente, a soberania alimentar é o direito dos povos e das pessoas de decidirem sobre sua própria política agrícola e alimentar; de proteger e regular a produção agrícola doméstica e o comércio com o objetivo de desenvolvimento sustentável; de determinar o quanto querem ser autossuficientes.

Por que os governos, em geral, não dão espaco para essas spequenas organizacões atuarem? Como o poder ficou mais centralizado nas mãos do Estado e de corporações, o papel exercido pelos cidadãos tem sido marginalizado e diminuído em importância. Convencer os governos a dar mais espaço para as organizações locais depende, em parte, de torná-los mais conscientes da tremenda contribuição social, econômica e ambiental dessas organizações envolvidas no sistema de alimentação. Mas a transformação também depende claramente de uma afirmação maior dos cidadãos de que eles têm o direito de decidir que tipo de políticas agrícolas eles querem, que comida querem comer, e como organizar e inspecionar a administração de sistemas de alimentação.

Que lugares já conseguiram implantar a soberania alimentar? Ela foi adotada pelos governos de Mali [oeste da África], Equador, Bolívia e Nepal. Esses governos estão agora buscando reformas em leis agrárias, novas pesquisas e treinamento. Muitos obstáculos precisam ser superados e as mudanças são lentas. Em nível local, existem exemplos de iniciativas em que produtores de pequena escala e consumidores urbanos estão reinventando os sistemas de alimentação. Na publicação, cito as ecovilas da Escócia, onde organizações locais administram sistemas integrados de alimentação, energia, água e lixo para reduzir os impactos sobre o meio ambiente e melhorar o bem-estar da população.

O que uma comunidade precisa fazer para se engajar na busca da soberania alimentar? O mais importante é primeiro construir e fortalecer as organizações locais e desenvolver sua própria visão de que tipo de comida, agricultura e paisagens elas querem. Depois, é necessário basear a produção local e a distribuição no uso de recursos disponíveis em cada lugar (por exemplo, a biodiversidade local, a energia solar, o conhecimento popular). Também é preciso assegurar que a ajuda externa (de governo, cientistas e outros profissionais) seja pautada no diálogo respeitoso em acordos negociados sobre funções, direitos e responsabilidades dos diferentes atores. Por último, ligar- se a outras organizações locais para formar federações maiores que possam exercer o poder de transformar as políticas agrícolas.

IIAD (http://www.iied.org).

* Entrevista publicada na Revista Vida Simples e enviada por Edinilson Takara, leitor e colaborador do EcoDebate.

[EcoDebate, 27/04/2009]

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