Declaração Final do III Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Dezenas de representantes de organizações socioambientais, ativistas de Direitos Humanos, militantes políticos e lideranças populares participaram, em Fortaleza e Caucaia (Ceará), de uma intensa programação de atividades promovidas pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) que incluiu o III Encontro Nacional da RBJA e o II Seminário de Combate ao Racismo Ambiental . Durante uma semana, dedicaram-se a troca de experiências, debates, avaliação e indicação de estratégias de lutas no processo de construção da justiça, igualdade e sustentabilidade. Ao final do Encontro da RBJA, foi aprovado o documento transcrito abaixo:
Declaração Final do III Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Nós, movimentos, organizações e pesquisadores/as protagonistas de lutas por justiça ambiental, reunidos em Caucaia, Ceará, de 26 a 28 de março de 2009, no III Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, reafirmamos nossa oposição e enfrentamento ao sistema capitalista, patriarcal e racista, especialmente neste momento em que sua crise aprofunda as injustiças por ele causadas.
Uma crise que é global, tanto na sua escala mundial quanto na sua dimensão. A crise ambiental que coloca em risco a existência do planeta, a crise alimentar que tem provocado revoltas e agravado a fome, a crise energética que ressalta a insustentabilidade do atual modelo energético baseado em combustíveis fósseis, a crise econômica que gera mais desemprego e miséria são facetas de uma mesma crise paga principalmente por aqueles que não a causaram e que demonstra que a superação do capitalismo é a única alternativa para superar a situação de barbárie em que a humanidade está mergulhada.
O Brasil, através de seu atual modelo de desenvolvimento, integra a cadeia do sistema capitalista internacional, ocupando uma situação intermediária, como provedor de bens manufaturados e matérias primas, e promovendo o avanço da fronteira de exploração de recursos – como água, energia, petróleo, minério, madeira e produtos agrícolas. A extração mineral, a expansão da produção de energia hidrelétrica, o avanço dos monocultivos de soja, eucalipto, camarão, frutas e, mais recentemente, de cana-de-açúcar e oleaginosas para atender a demanda mundial por agrocombustíveis, acompanhados da implementação de redes de infra-estrutura, têm gerado profundos impactos socioambientais.
Isso tanto no Brasil quanto nos países do Sul onde atuam as transnacionais brasileiras apoiadas pelo governo brasileiro e com apoio de instituições financeiras multilaterais (IFMs) como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES – um banco publico a serviço de interesses privados poluidores que resulta na intensificação da injustiça ambiental. Tais instituições têm historicamente sido responsáveis pela imposição de políticas que contribuíram ao aprofundamento da crise atual.
A Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana – IIRSA – e o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC – são expressões claras desta opção política. Por trás delas estão as IFMs e o BNDES.
Dramáticas são as conseqüências que incidem sobre a classe trabalhadora e as comunidades que tradicionalmente mantêm uma relação harmônica e sustentável com seus ecossistemas: desmatamento, contaminação de trabalhadores, exploração intensa de mão-de-obra, precarização do trabalho e destruição das atividades socioprodutivas tradicionais, expropriação e deslocamentos compulsórios de agricultores e agricultoras familiares, indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras, camponeses e camponesas para as cidades.
Realidade que incide particularmente sobre as mulheres dessas comunidades, por serem as principais responsáveis pelo bem estar das famílias e pelo uso e proteção dos recursos naturais como a gestão da água e o cuidado com as sementes que e fundamental para a soberania alimentar.
Nos centros urbanos vão enfrentar problemas como o déficit habitacional, irregularidade/precariedade fundiária, ausência de saneamento ambiental, poluição atmosférica e a contaminação por resíduos tóxicos, os acidentes de trânsito e a violência associada a desagregação cultural e a perda da identidade. No campo ou na cidade, o racismo ambiental e as desigualdades de gênero são componentes essenciais para se compreender os mecanismos estruturantes da distribuição injusta de danos.
De outro lado, como contraface inseparável das injustiças sociais e ambientais, crescem as práticas de criminalização de lideranças, pesquisadores/as e movimentos sociais. Setores do governo e meios de comunicação de massa buscam desqualificar as lutas em defesa dos direitos de populações expropriadas, empobrecidas e oprimidas pelo padrão vigente de crescimento econômico – como é o caso dos movimentos da Via Campesina, quilombolas, indígenas e pescadores e pescadoras que vem sofrendo ataques de setores conservadores da sociedade, de empresas e de agências governamentais e de órgãos do poder judiciário, suprimindo seus direitos e fragilizando as lutas que travam em defesa de seus territórios.
Os conflitos socioambientais que vivenciamos nos mostram que a desigualdade social e a injustiça ambiental que caracterizam o nosso país decorrem (in)justamente dos padrões vigentes de desenvolvimento e não da “falta de crescimento”, como defende nosso atual governo.
Por isso, rejeitamos, denunciamos e lutamos para transformar e superar esse sistema que reduz terra, território e meio ambiente a simples insumos de um processo de produção de mercadorias, cujo sentido se esgota no mercado e na rentabilização de capitais, sob a forma de lucros e processos de acumulação e concentração de riquezas a que se chama de “crescimento”.
Um crescimento que é apresentado como resposta `a crise alimentar, climática, energética, econômica e financeira, mas cujas bases são a origem desta crise civilizatória. As falsas soluções apresentadas salvam bancos e grandes empresas, lançando os trabalhadores e trabalhadoras ao desemprego, são baseadas em mecanismos de mercado (a exemplo do mercado de carbono) e fortalecem a atuação das IFMs, as mesmas que com suas políticas neoliberais e o uso da dívida como instrumento de dominação geraram a atual crise. Assim, levam a uma maior devastação da natureza, aprofundando as injustiças e as desigualdades ambientais e, então, a crise.
Por trás desta crise está a situação não resolvida da dominação da divida. O uso da divida financeira para a acumulação de riquezas do Norte têm historicamente violado os direitos dos povos e do meio ambiente no Sul. A continuação desta realidade se expressa no fato de que em 2008 o governo brasileiro gastou 30,7% do orçamento publico para pagamento do serviço da dívida, muitas vezes superior aos gastos em áreas sociais fundamentais como saúde (4,8%), educação (2,57%), assistência social (3,08%), habitação (0,02%) e saneamento (0,05%).
Anular esta divida ilegítima significa reclamar justiça, mudar as relações econômicas e acabar com a impunidade do sistema capitalista.
Os países do Norte e a elite do Sul têm uma responsabilidade acumulada pela exploração dos recursos naturais, a apropriação predatória da biodiversidade, o roubo de conhecimentos tradicionais, os danos acumulados pelas atividades extrativistas e pelos monocultivos, pelo uso de agrotóxicos e pela ocupação ilegal da atmosfera para depositar gases contaminantes. Da mesma forma que os impactos são desiguais, a responsabilidade também. Os povos do Sul são credores de uma dívida histórica, social e ecológica que deve ser restituída e reparada e os verdadeiros devedores responsabilizados. Por isso, apoiamos a criação da CPI da Dívida como um instrumento importante de mobilização e formação para desmascarar a ilegitimidade e o impacto da divida nos povos e na natureza e para avançar no reconhecimento de que os povos do Sul são credores.
Enfrentar a crise significa recuperar a soberania dos povos e transformar os modos de produção e consumo atuais. Significa lutar pela superação de todas as formas de opressão e discriminação, radicalizando a luta pelos direitos. Por um novo sistema econômico em que a sustentabilidade da vida humana, traduzida no trabalho doméstico e do cuidado passe a ser uma responsabilidade de todos/as e não apenas das mulheres. Que a harmonia com a natureza, a solidariedade e o bem viver, e não no Mercado, o lucro e a exploração do trabalho, sejam os valores centrais de nossas preocupações e de nossas relações sociais.
Afirmamos os direitos individuais e coletivos dos grupos sociais atingidos, direta e indiretamente, pelos empreendimentos que afetam seus territórios. E por isso defendemos que os processos de licenciamento ambiental devem ser protagonizados pelos grupos sociais
potencialmente atingidos. Defendemos a busca de alternativas político-institucionais à indústria dos Estudos de Impacto Ambiental – EIA-RIMAs e outros esquemas mercadológicos de avaliação ambiental, garantindo que os estudos avaliem a eqüidade ambiental dos empreendimentos e sejam elaborados por instâncias independentes do setor produtivo. É preciso garantir o direito de escolha de comunidades, o direito de ser bem informado e de dizer “não”.
Queremos discutir com a sociedade o que se produz, para quê e para quem se produz, e também onde e como se produz. É preciso mostrar a perversidade do modelo atual e buscar alternativas comprometidas, em primeiro lugar, com os grupos sociais que hoje sofrem diretamente os efeitos do sistema econômico e social vigente.
Queremos políticas em apoio às alternativas concretas que os movimentos já estão implementando como é o caso da agroecologia, do turismo comunitário e da economia solidária.
Queremos justiça climática porque sabemos que os grupos que primeiro serão atingidos pelas mudanças climáticas serão as comunidades vulnerabilizadas pelo sistema hegemônico. Hoje, 28 de março, completam cinco anos do ciclone Catarina, que atingiu Santa Catarina e Rio Grande do Sul deixando centenas de pessoas desalojadas e mostrando o grau da urgência das transformações necessárias.
Queremos um ambiente realmente sustentável que passa pela relação da pessoa com o ambiente e seus recursos naturais, mas principalmente pelas relações estabelecidas entre as pessoas, que, portanto, precisa ser pautada na ética, na solidariedade, na igualdade entre mulheres e homens.
Estamos comprometidos e comprometidas em fortalecer a luta contra todas as injustiças ambientais e as desigualdades de gênero, raça/etnia, orientação sexual, de geração e regionais. Para isso, estamos construindo unidade com outras redes, movimentos e organizações em torno de bandeiras e lutas comuns.
Por fim, reiteramos a luta central para enfrentar essa crise civilizatória construindo na prática uma alternativa anticapitalista de sociedade, baseada na sustentabilidade – no seu verdadeiro sentido – e justiça socioambiental, sem exploração, opressão ou discriminação de qualquer tipo.
ADRVDT/CPA – Associação em Defesa dos Reclamantes e Vitimados por Doença do Trabalho na Cadeia Produtiva do Alumínio
CPP/BA – Conselho Pastoral dos Pescadores Regional Bahia
Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente / Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
ORIASHÉ Sociedade Brasileira De Cultura E Arte Negra
AMPJ – Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania
Articulação Nacional de Agroecologia
Associação de Maricultores da Baia da Ilha Grande
Associação dos Aquicultores e Pescadores da Pedra de Guaratiba
Associação dos Remanescentes de Quilombo de São Francisco do Paraguaçu
Associação Homens do Mar da Baia de Guanabara
Campanha Justiça nos Trilhos
CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva
Centro de Cultura Negra do Maranhão
CEPEDES — Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul
CPT – Comissão Pastoral da Terra
ECOA – Ecologia e Ação
Esplar
ETTERN – Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza, do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
FASE
FIOCRUZ
Fórum Carajás
Fórum de Defesa da Zona Costeira do Ceará
Fórum do Vale do Jequitinhonha
IBASE
Instituto Terramar
Jubileu Sul Global
Kanindé
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
Marcha Mundial das Mulheres
Movimento de Mulheres Camponesas
Movimento dos Sem Terra
Movimento pelas Serras e Águas de Minas
Movimento Reage São Luís
NINJA – Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental da Universidade
Federal de São João del Rei
Núcleo Amigos da Terra
Núcleo TRAMAS – Universidade Federal do Ceará
ONG Visão Mundial
PACS – Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul
Povo indígena Anacé
REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos
Rede Alerta contra o Deserto Verde
Rede Brasil sobre instituições financeiras multilaterais
Rede de Integração Verde
SAPE – Sociedade Angrense de Proteção Ecológica
SINSESP – Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo
Sociedade Ambientalista Mãe Natureza
Sociedade de Direitos Humanos do Maranhão
Sócios da Natureza
STTR-STM – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém
Terra de Direitos
* Enviada por Zoraide Vilasboas, da Coordenação de Comunicação da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, colaboradora e articulista do EcoDebate.
[EcoDebate, 23/04/2009]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.