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Artigo

A nova ‘Operação Amazônia’, artigo de Gerson Teixeira

Há grande coincidência entre a ação do governo de agora para ocupar a Amazônia e a concepção dos governos militares para a região

[Valor Econômico] Tramita no Congresso Nacional a Medida Provisória n. 458, de 10 de fevereiro de 2009, que define a regularização de ocupações de áreas urbanas e rurais da União localizadas basicamente na Amazônia. A iniciativa do governo vem gerando fortes reações de organizações dos trabalhadores rurais e de outros setores da sociedade civil. Não é para menos. Afinal, a MP elege meios duvidosos para a regulação de tema de relevância inquestionável.

Dar um basta na desordem que marca o quadro fundiário na Amazônia é um imperativo político, moral e civilizatório, ademais de condição essencial para o desenvolvimento regional. No entanto, entre várias distorções graves e virtudes periféricas, a MP transforma em legítimo proprietário quem grilou terra pública até 1.500 hectares, muitas vezes, como é sabido, com o concurso de práticas condenáveis em todos os códigos. Ao ratificar a estrutura fundiária posta na Amazônia, mediante atos autodeclaratórios e frouxidão de controles, inclusive dando preferência em processos licitatórios para os ocupantes das áreas acima de 1.500 hectares, a MP chancela uma das sequelas mais lamentáveis do desastroso modelo histórico de desenvolvimento regional.

Na realidade, essas medidas, combinadas com ações em curso na política ambiental e nos investimentos em infraestrutura, procuram desatar o nó górdio operacional da nova formulação estratégica para a Amazônia sob a coordenação da SAE/PR (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República). Este projeto mantém estreita equivalência com o projeto que, a rigor, lhe deu causa histórica. Refiro-me à “Operação Amazônia”, deflagrada pelos governos militares na década de 1960. Esta iniciativa deu efetividade à concepção estratégica dos governos da ditadura com vistas à integração da Amazônia ao desenvolvimento capitalista brasileiro.

O desenho da “Operação Amazônia” esteve centrado na hipótese da ocupação econômica, a qualquer custo, como premissa para a afirmação da soberania nacional sobre aquele território do país. Para o êxito do projeto, os militares entenderam essencial a ruptura do forte controle político então exercido pelas oligarquias regionais sobre as instituições federais de desenvolvimento na região. Para tanto, foi extinta a SPEVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia) e criada a Sudam. Pelos mesmos motivos também foi extinto o BCA (Banco de Crédito da Amazônia), que deu lugar ao BASA. A política de incentivos fiscais para a região foi remodelada e vigorada, e implementados programas de investimento em infraestrutura, entre outras ações.

O resultante processo de “terra arrasada” levado a cabo pelo capital nacional e estrangeiro, com fartos recursos públicos, contabiliza passivos ambientais, sociais e econômicos incalculáveis e irreversíveis para o país, ainda não estancados ou sequer mitigados. O assalto às terras públicas, à época estimulado pelo poder público, deu origem ao fenômeno da grilagem, sob o qual foi assentada a base produtiva da “Operação Amazônia”. Naquele momento, o “custo do pioneirismo, do desenvolvimento e da soberania” serviu de álibi para a destruição ambiental, a exclusão social e a grilagem, entre tantas outras anomalias. Entretanto, nas circunstâncias históricas atuais, com o fortalecimento e a presença ativa da sociedade civil, não cabem mais tais discursos e permissividades.

É sobre esta tensão entre a ambição produtiva para aquela região e os freios impostos pela cidadania, inexistentes durante a ditadura, que se estabelece o ambiente da “Nova Operação Amazônia” intentada pelo governo. Assim, tendo em vista a coincidência de modelo, observa-se o esforço para a remoção, pela via democrática, dos fatores tidos como empecilhos para a efetividade desta nova edição da “Operação Amazônia”.

Nestes termos, “democraticamente”, a MP busca solucionar o entrave fundiário garantindo a segurança jurídica às apropriações das terras públicas. O instrumento para a flexibilização da política ambiental vem sendo gestado na área agrícola do governo, em fina sintonia com as entidades do agronegócio. No que concerne aos investimentos (estrada e energia, em especial), as ações seguem no âmbito do PAC. Enfim, as diferenças colossais nos ambientes institucionais que distinguem os momentos históricos das duas “operações”, se apequenam, ou mesmo coincidem, na base da formulação de ambos os projetos.

Na nova “Operação Amazônia”, o pensamento geopolítico é o mesmo: ocupar para garantir a soberania. O modelo é o mesmo: visa-se, neste momento, como na década de 1960, incentivar o grande capital na região orientado para commodities, ainda que hoje incluindo a agricultura familiar e camponesa nas franjas do processo. Hoje, mais do que antes, tem-se como prioridade absoluta o mercado externo – o asiático em especial, via a saída pelo Pacífico, o que vem sendo providenciado pelos investimentos articulados entre PAC e IIRSA (Peru).

A base fundiária é a remanescente da “Operação” dos anos 60, em processo de ratificação pela MP. A política de incentivos fiscais é a mesma, e coincidentemente foi recriada a Sudam.

Por fim, os trabalhadores questionam o lugar da reforma agrária neste processo. O ministro do MDA respondeu: segundo plano. É uma pena!

*Gerson Teixeira é ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA).

** Artigo originalmente publicado no Valor Econômico, 15/04/2009.

[EcoDebate, 16/04/2009]

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