Arquitetura/Urbanismo e Geologia, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos
[EcoDebate] Em tempos em que se prega a conveniência e a importância de nossa Arquitetura adotar os preceitos da sustentabilidade, vale considerar alguns aspectos essenciais dessa qualificação, até para que algum desavisado não imagine tê-la adotado apenas por abolir cortinas, recomendar a instalação de aquecedores solares e exigir madeira certificada em seus projetos.
Graves e onerosos problemas de ordem geológico-geotécnica, como processos de erosão/assoreamento/enchentes, acidentes associados a rupturas de taludes, recalques ou abatimentos de terrenos, produção maciça de áreas de risco, comprometimentos de infra-estrutura instalada, etc., incluindo não raras vezes perda de vidas humanas, têm tido sua origem em evidentes desencontros entre as concepções arquitetônicas de projetos e as características naturais dos terrenos onde são implantados.
Especialmente no que se refere a projetos habitacionais (individuais e coletivos) e empresariais uma série de fatores têm levado a Arquitetura a trabalhar com o conceito de projetos-padrão, ou projetos-tipo. A pasteurização criativa condicionada pela construção industrializada, a busca cega do máximo rendimento espacial, a conveniência financeira em prescindir de profissionais mais qualificados, o progressivo desuso da ousadia e da criatividade, têm-se constituído em alguns desses fatores.
O fato é que os conceitos orientadores de como vão se dar as relações de um determinado empreendimento com o meio natural com o qual interfere são definidos primeira e originalmente nas concepções arquitetônicas que lhe são propostas. É essa concepção arquitetônica, determinante da disposição espacial e do ajuste do empreendimento ao terreno e suas características fisiográficas, que também influenciará, por decorrência conceitual, a escolha dos procedimentos construtivos e as futuras regras de operação e manutenção; todos esses, elementos essenciais nas inter-relações com o meio natural.
Ou seja, será a concepção arquitetônica de partida que determinará o êxito ou o fracasso do empreendimento naquilo que se refere às suas relações com o ambiente geológico-geotécnico, ou de uma forma mais ampla, naquilo que se refere à sua sustentabilidade ambiental. Do que pode se concluir que será essa concepção arquitetônica que, na maioria dos casos, definirá o êxito ou o fracasso financeiro e funcional do empreendimento.
Alguns exemplos práticos são esclarecedores. Ao insistentemente exigir a produção de áreas planas através de procedimentos generalizados de terraplenagem, os projetos arquitetônicos associados à expansão urbana, seja habitacional, seja empresarial, instalados em áreas de relevo mais acentuado expõem à ação de processos erosivos, em cortes, aterros e bota-foras, solos profundos extremamente susceptíveis á erosão. Como gravíssimas conseqüências, destruição da infra-estrutura instalada, assoreamento de drenagens, enchentes, ruptura de taludes, produção de áreas de risco… Uma concepção arquitetônica orientada a relevos mais acentuados evitaria, de início, todos esses problemas.
Ao pretender ocupar faixas litorâneas sazonalmente (no âmbito do tempo geológico) sujeitas ao alcance do mar, projetos arquitetônicos associados a empreendimentos turísticos individuais ou empresariais têm via de regra redundado em clamorosos fracassos, com destruição e comprometimento estrutural das instalações implantadas. Os expedientes de proteção das instalações que nesses casos normalmente são adotados primam pelo mesmo desconhecimento da dinâmica dos processos geológico-marinhos naturais e acabam por mais comprometer ainda os empreendimentos e até regiões próximas.
Empreendimentos viários ou similares implantados em regiões serranas tropicais, com suas conhecidas encostas geologicamente instáveis, a partir de uma concepção de “encaixe da obra no terreno”, ou seja, privilegiando cortes e aterros, por certo vão pagar altíssimo preço, como também seus futuros usuários, aos constantes escorregamentos induzidos pela intervenção humana. Uma vez conhecidas e tidas em conta as condições geológicas naturais, os cortes e aterros seriam, por concepção arquitetônica, substituídos por obras de arte e túneis, expediente que deixaria intactas as singulares e sensíveis encostas.
Vários outros exemplos poderiam ser relatados, todos testemunhando a extrema necessidade da arquitetura brasileira incorporar em sua prática os cuidados com as características geológicas dos terrenos afetados. Essa nova cultura automaticamente levaria a uma mais estreita colaboração entre Arquitetura e Geologia, no caso, a Geologia de Engenharia, especialidade profissional que tem como responsabilidade maior o domínio tecnológico da interface Homem/Natureza.
Como concisa diretriz, podemos entender que está colocado o seguinte desafio à arquitetura brasileira: usar a ousadia e a criatividade para adequar seus projetos à Natureza, ao invés de, burocraticamente, pretender adequar a Natureza a seus projetos.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro{at}uol.com.br)
· Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
· Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”
· Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
· Criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão
[EcoDebate, 07/04/2009]
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