Especial: Construção de hidrelétrica em comunidade quilombola Kalunga é tema de audiência pública
Cavalcante (GO) – Audiência pública discute o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) sobre a construção da central hidrelétrica Santa Mônica, que poderá ser erguida no interior do território quilombola Kalunga Foto: Valter Campanato/ABr
- Hidrelétrica pode colocar em risco titulação de área quilombola kalunga
- Ministério Público aponta falhas em estudo para construção de usina em território kalunga
- Lideranças quilombolas acreditam que construção de usina trará melhorias em infra-estrutura
Hidrelétrica pode colocar em risco titulação de área quilombola kalunga
Gerente de projetos da Subsecretaria de Comunidades Tradicionais da Seppir, Barbara Souza, afirma que a construção da Usina Santa Monica pode colocar em risco o processo de titulação do território quilombola Kalunga Foto: Valter Campanato/ABr
A implantação de uma pequena central hidrelétrica na área do território quilombola kalunga, no norte de Goiás, pode colocar em risco todo o processo de titulação das terras remanescentes do quilombo.
O alerta foi feito ontem (2/4) pela gerente de projetos da subsecretaria de comunidades tradicionais da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Bárbara Souza, durante audiência pública que discutiu o estudo de impacto ambiental do empreendimento.
O território kalunga foi titulado em 2000 pela Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. Em 2003, a competência para regularização dessas áreas foi transferida para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que está próximo de concluir o processo. A expectativa é que o decreto declaratório de interesse social da área seja assinado nos próximos meses pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Esse decreto permitirá o pagamento de indenizações e a retirada dos não-quilombolas do território kalunga”, explicou a antropóloga e analista em reforma e desenvolvimento agrário do Incra Paula Balduino de Melo.
No entanto, segundo a representante da Seppir, a construção da usina poderia resultar em um retrocesso, com necessidade de nova demarcação dos limites da área quilombola, já que é legalmente impossível que uma propriedade privada ocupe uma área de interesse coletivo e inalienável, caso do território kalunga.
“Uma vez que uma das possibilidades é que a área da PCH seja retirada do território kalunga, o título vai ter que ser revisto. Teria que voltar ao Incra, para análise posterior do MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário], para análise posterior da Casa Civil. Isso ocasionaria um atraso no processo”, argumentou.
Lideranças quilombolas que participaram da audiência pública, entretanto, acreditam que o empreendimento trará melhorias para a infra-estrutura da região.
O Incra montou um grupo de trabalho para realizar um levantamento das propriedades instaladas no território kalunga e intervir no procedimento regularizatório da área. Na audiência pública de hoje, a representante do Ministério Público do Estado de Goiás adiantou interesse em aprofundar a análise dos impactos fundiários da construção da usina no processo de regularização do território quilombola.
Ministério Público aponta falhas em estudo para construção de usina em território kalunga
Promotora de Justiça do Ministério Público Estadual de Goiás, Ursula Catarina, aponta uma série de falhas técnicas em documento apresentado pela empresa que pretende construir usina dentro de território quilombola Foto: Valter Campanato/ABr
O Ministério Público do Estado de Goiás apontou uma série de falhas técnicas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela empresa Rialma Centrais Elétricas para a construção de uma pequena central hidrelétrica no interior do território quilombola Kalunga, no norte de Goiás.
“O estudo tem várias falhas. Estamos conversando com a empresa para que ela readapte, refaça os estudos nos pontos falhos que o Ministério Público apontou”, disse a promotora de Justiça do município, Úrsula Catarina Fernandes.
De acordo com o perito ambiental do MP Rogério César faltam, por exemplo, informações em relação ao uso da água. Segundo ele, a empresa ainda não comprovou se há vazão suficiente para geração de energia no ponto escolhido para a implantação do empreendimento.
“Há muitas lacunas técnicas nos estudos. Não adianta vir na audiência pública falar bem ao microfone, mas na hora de mostrar os estudos técnicos e os relatórios não conseguir comprovar”, argumentou o perito que acusou a empresa de tentar afastá-lo da análise do processo de licenciamento ambiental da usina.
A promotora Úrsula Catarina afirmou que o MP pode acionar judicialmente o empreendedor casos as recomendações e os ajustes aos estudos não sejam executados.
“A gente espera que a empresa sane o que o MP detectou de falha. Se não sanar, vamos ter que tomar as medidas judiciais cabíveis. Mas esperamos evitar um embate jurídico”, ponderou.
De acordo com a promotora, por se tratar de território quilombola, o Ministério Público Federal será acionado para atuar em conjunto com a instituição estadual no acompanhamento do processo de licenciamento ambiental da usina.
Lideranças quilombolas acreditam que construção de usina trará melhorias em infra-estrutura
Ester Fernandes, moradora da comunidade Vão de Almas, dentro do território Kalunga, defende que os quilombolas tenham direito a uma parte dos lucros obtidos pela empresa a partir do uso dos recursos naturais da comunidade Foto: Valter Campanato/ABr
A possível instalação de uma pequena central hidrelétrica (PCH) no interior do território quilombola Kalunga, em Goiás, pode ser uma saída para alguns problemas sociais das comunidades do quilombo, na avaliação de lideranças da região.
A expectativa dos quilombolas é que o empreendimento gere empregos, garanta o abastecimento de energia elétrica para as comunidades e estimule obras de infra-estrutura, como a construção de estradas e ações de saneamento.
A maioria dos moradores do território Kalunga que participou da audiência pública que discutiu os impactos ambientais da obra se posicionou a favor do empreendimento e defendeu a concessão da licença prévia para a Rialma Centrais Elétricas, responsável pelo projeto da PCH Santa Mônica.
“Precisamos de desenvolvimento lá. Nenhum órgão do governo conhece melhor a comunidade do que quem vive lá. Eu estive em outras PCHs e não vi nenhum problema, nem para o rio nem para as pessoas”, afirmou o kalunga Valtino Rosa, morador da comunidade de Vão de Almas, dentro da área remanescente do quilombo.
Rosa foi um dos cerca de 200 kalunga levados pela Rialma a um município vizinho para conhecer empreendimentos semelhantes ao que a empresa pretende instalar na região.
Durante a audiência, a população reiterou que a construção da usina poderá estimular a implantação de acessos a áreas hoje quase isoladas e garantir serviços básicos como abastecimento de água e energia elétrica. Atualmente, a Rialma desenvolve “ações voluntárias” de apoio às comunidades, mas nenhum dos acordos tem efeito legal por enquanto, já que não estão presentes no Estudo de Impacto Ambiental, único documento oficial do processo de licenciamento.
A kalunga Ester Fernandes sugeriu durante a audiência que a empresa se disponha a assinar um termo de compromisso com a comunidade e órgãos como a Fundação Palmares e o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para garantir a continuidade das ações nas comunidades na área de influência da usina.
“A comunidade quer que a PCH seja construída, mas que tenhamos uma porcentagem do lucro que a empresa vai ter a partir de uma riqueza do nosso território. E que esse repasse seja diretamente para as nossas associações. O projeto vai ser dentro do sítio histórico, então a gente acha que temos que ter benefícios”, apontou.
Matérias de Luana Lourenço, da Agência Brasil.
[EcoDebate, 03/04/2009]
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Interessante a estrutura do artigo, todos falam dos malefícios que trará a usina aos quilombolas, só no fim abre-se a palavra aos mesmos, quando eles falam me parece que estão de acordo, por que será?
Não será porque eles estão fartos de viver sem energia elétrica? Para a gerente de projetos e a promotora, que me parecem viver numa cidade com água e luz a vontade esperam que os quilombolas fiquem no estado que estão. É muito fácil criticar a implantação de energia elétrica para os outros quando se tem em abundância!
Sugiro que sejam doados para os quilombolas alguns painéis de energia solar e algumas baterias para que eles possam ter uma televisão ou um refrigerador ou umas duas lâmpadas acesas em casa, digo ou, ou, ou porque com painéis não se pode ter tudo ao mesmo tempo. Desta forma eles estarão conservando o nosso meio ambiente para nas férias irmos olhar como é linda a vida de um povo sem nenhuma infra-estrutura. É bucólico e romântico, principalmente para se olhar nas férias, para viver o ano todo assim deixa Para eles!
Abastecimento de água e energia elétrica, bem como vias de acesso é direito cidadão e obrigação do governo. O povo Kalunga, na ausência do governo, fica obrigado a aceitar apoio de entidade privada: e será essa nova energia um prenuncio de mineradoras na região? Geralmente é. Pelo lado dos interesses nacionais, o rio das Almas é a única bacia hídrica que verte do PARQUE NACIONAL DA CHAPADA DOS VEADEIROS direto para a BACIA DO RIO PANANÃ. O rio das Almas é o corredor biológico fundamental para a sobrevivência das espécies remanescentes de fauna que atravessam o PNCV em fuga da bacia do rio Maranhão que foi quase totalmente inundada nos últimos dez anos pelas hidrelétricas Serra da Mesa, Cana Breva, São Salvador e Peixe-Angical, todas em série, uma após a outra. Inundaram a bacia do rio Maranhão, com suas áreas de grande importancia para as espécies silvestres e para o susento humano. Extensos fundos de vales férteis, florestados e virgens: inundados juntos com os vales e rios tributários e afluentes, todos recentemente submersos… O governo que exportar, e está cada vez mais ausente aqui no interor: parece que os interesses das empresas transnacionais agora estão no comando: Minas e Energia de mãos dadas agora são os que mandam agora no nosso meio ambiente; as minorias e as gerações futuras que se cuidem, nós cidadãos só ficamos olhando, e agradecendo às empresas as migalhas “compensatórias” da destruição permanente e incalculável. Compensar o que mesmo? A ausência do Governo? A naturza que se foi, riqueza de vida submersa? Não obrigado, queremos um governo que cuide dos meios de vida, nossa e das múltiplas futuras gerações de brasileiros. É preciso lembrar que toda esta região da Chapada dos Veadeiros é Área Prioritária Para a Conservação (MMA)- ou não é mais? Temos muito o que refletir com esta situação, temos que abrir os olhos e ver qual o nosso futuro, em quê devemos investir – nas empresas exportadoras ou na conservação das nossas riquezas naturais e no apoio aos povos mais carentes… que tem muito o que nos ensinar (carntes somos nós todos, que ficamos sem o amparo da legislação ambiental). Espero que o Ministério Público e Dra. Ursula tenham bom êxito, pelo bem da Chapada dos Veadeiros e do nosso futuro, e que os povos Kalunga sejão atendidos diretamente pelo governo com água,lúz e vias de acesso, para que não percam a sua cultura e os seus segredos! Hoje será que não tem mais por onde o Kalunga recorrer?. Temos que refletir. piter.veadeiros@yahoo.com.br