Desenvolvimento de Nova Déli ameaça a existência de tribos indígenas dos arquipélagos de Andaman e Nicobar, na Índia
Um membro da tribo dos Jarawa, nas ilhas Andaman. Foto da AFP no Le Monde
Os arquipélagos de Andaman e Nicobar, situados a 1.200 quilômetros a sudeste do continente indiano, abrigam seis tribos cuja sobrevivência está ameaçada pela política de desenvolvimento de Nova Déli. Em Port Blair, a capital administrativa do território, homens seminus com um arco na mão estão por toda parte. Como estátuas de bronze, diante do portão da residência do governador. Como manequins de madeira, expostos no museu antropológico. Como bonecos de plástico, nas lojas de lembranças. E em carne e osso, abatidos e descabelados, em torno dos bares. Na rua, eles são chamados de “incultos” ou “inaptos para o trabalho”.
Nas 472 ilhas e ilhotas, recobertas de vegetação densa e cercadas por uma água azul-turquesa, essas seis tribos foram por muito tempo poupadas das conquistas de exploradores. Os sentineles vivem isolados em sua ilha, assim como os shompen. Outros quase desapareceram, vítimas de dois séculos de contato com a “civilização”. É o caso dos grandes andamanes, de cabelo crespo e tipo “negroide”, segundo a classificação dos antropólogos. Alguns estudos genéticos os determinam descendentes diretos dos primeiros habitantes da Terra: seus ancestrais teriam chegado da África há mais de 60 mil anos. Matéria do Le Monde.
Subsídios
“Só restam uma ou duas famílias, o que compromete seu futuro”, constata Denis Giles, redator-chefe do jornal local “The Andaman Chronicles”. Sua população passou de 5 mil no início do século 19 para menos de 50, hoje. Quando os britânicos se apossaram dos arquipélagos, em 1848, os grandes andamanes morreram defendendo seu território, ou sucumbiram ao cólera ou à malária.
Em seguida a Índia, em 1947, instaurou uma relação de dependência forçada, que aniquilou sua cultura. A introdução da moeda pôs fim ao sistema de trocas. Depois, em nome de sua “preservação”, eles foram remanejados, nos anos 1970, para a Strait Island, e alojados em casas pré-fabricadas. Uma vez sedentários, os grandes andamanes pararam de caçar e pescar. Agora eles se alimentavam de daal (lentilhas), arroz ou biscoitos, importados e distribuídos gratuitamente pelas autoridades. “Sua língua está a dois passos de desaparecer, já que as crianças da comunidade aprendem o hindi”, se preocupa a linguista Anvita Abbi. As autoridades indianas acreditavam estar protegendo-os, ao lhes ceder subsídios. “Alguns imigrantes quiseram se aproveitar disso, desposando as mulheres da tribo, antes de abandoná-las”, lamenta Denis Giles.
Na ilha de Little Andaman, as autoridades quiseram dar trabalho à tribo dos onges, desenvolvendo uma plantação de coqueiros e favorecendo a criação de gado. Mas a iniciativa foi um fracasso. Ao mesmo tempo, uma porção da ilha abrigava refugiados de Bangladesh, e uma parte da floresta era explorada, reduzindo o habitat dos onges. “Os javalis selvagens desapareciam, ao passo que sua caça tinha um lugar importante na cultura e nos ritos de iniciação. Um garoto é considerado um homem quando ele consegue capturar seu primeiro javali”, explica Anstice Justin, o diretor do museu antropológico.
Como os grandes andamanes, os 80 onges foram arrasados pelo alcoolismo. Em dezembro de 2008, oito homens morreram por beber álcool falsificado. Ainda que seja tabu se casar novamente, quatro viúvas o fizeram em fevereiro, por insistência das autoridades. “A administração começou a decidir o que era bom para as tribos sem pedir sua opinião. É uma reprodução da atitude dos britânicos frente à Índia durante a colonização”, lamenta Denis Giles.
Os jarawa são a única tribo que ainda pode ser salva. Hostis a qualquer contato com estrangeiros, seus 300 membros conservaram sua cultura, em uma reserva situada ao norte de Port Blair. “A única vez em que encontrei um deles, ele tirou minha camiseta para verificar se eu tinha um umbigo e se certificar de que eu era um ser humano”, recorda Denis Giles. As autoridades constituíram um grupo de contato encarregado de efetuar a mediação entre a tribo e a administração. E de protegê-la dos caçadores clandestinos, vindos da Tailândia e de Mianmar, que pescam caranguejos e tartarugas gigantes, colocando em risco os recursos alimentares e podendo introduzir doenças. “Infelizmente, os mediadores, capazes de se comunicar com os jarawa em sua língua, vivem em condições deploráveis, não têm formação e ficam reclusos na floresta por € 60 ao mês”, explica Denis Giles.
Nos últimos anos, foram registrados muitos casos de estupro. Para proteger os jarawa, o comissariado de planejamento, um conselho do governo indiano, propôs então interditar o acesso à sua reserva. Mas isso implicaria fechar a estrada que atravessa sua floresta. “Cuidado com os jarawa”, “Não deixe que os jarawa subam em nenhum veículo” e “Não dê comida aos jarawa”, é o que se lê nas placas distribuídas ao longo desse escoadouro. No entanto, os passageiros dos ônibus jogam pela janela alimentos aos jarawa, e as agências de viagens, sem muitos escrúpulos, prometem aos turistas ir ao encontro deles.
“Essa estrada perturba suas atividades de caça e os sedentariza”, se preocupa Anstice Justin. Em 2004, a Corte Suprema indiana ordenou seu fechamento, após uma queixa prestada pela ONG Survival International. Essa decisão não foi aplicada.
Tradução: Lana Lim
* Matéria [Tristes tropiques aux îles Andaman] do Le Monde, publicada no UOL Notícias, 28/03/2009 – 00h01.
[EcoDebate, 30/03/2009]
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