Pesquisa do Nepp, Unicamp, mostra benefícios gerados por programas de transferência de renda
O economista Rodrigo Pereyra de Sousa Coelho, pesquisador do Nepp: “O benefício é usado de maneira bastante racional.” (Foto: Antoninho Perri)
O benefício concedido por programas de transferência de renda como o Bolsa Família (federal) e o Renda Cidadã (estadual) pode parecer pouco, mas é um dinheiro que faz a diferença para esta população pobre, segundo pesquisa realizada junto a 400 famílias das cidades de Itaquaquecetuba e Ferraz de Vasconcelos, na Região Metropolitana de São Paulo, e Monte Mor e Engenheiro Coelho, na Região Metropolitana de Campinas. O estudo é do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp, em parceria com a Fapesp, a Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social (Seads) e as prefeituras.
O levantamento aponta que 61% dos titulares dos programas em que estão inscritos consideram que a renda adicional melhorou a vida de sua família; 8%, que se tornaram menos dependentes dos demais familiares; 6%, que melhorou o relacionamento familiar; e 4%, que os cursos de capacitação profissional estão ajudando a conseguir trabalho. Apenas 5% declaram que sua vida mudou pouco, devido ao valor baixo, e 4%, que sua vida em nada mudou.
“Considero o benefício realmente baixo, mas a grande maioria dos beneficiários afirma que ele faz diferença. É uma mudança importante para pessoas que sempre viveram de ‘bicos’ e agora têm um dinheiro que, apesar de pouco, é estável e cai todo mês”, afirma Rodrigo Pereyra de Sousa Coelho, economista e pesquisador do Nepp. Coelho participou da pesquisa que durou de 2004 a 2007 e foi coordenada pela professora Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
Entre os programas avaliados estão Bolsa Família, Renda Cidadã, Benefício de Prestação Continuada (BPC), de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Agente Jovem (federal) e Ação Jovem (estadual). O estudo foi financiado pelo Programa de Pesquisas em Políticas Públicas (PPPP) da Fapesp, envolvendo pós-graduandos do IFCH e do Instituto de Economia (IE), e será repetido no intuito de averiguar como os benefícios continuaram impactando na vida das mesmas famílias.
Segundo Rodrigo Coelho, o programa mais difundido é o Bolsa Família, que já atingiu mais de 10 milhões de famílias inscritas no país e paga R$ 18 por cada filho menor de 18 anos, até um máximo de três crianças (R$ 54); famílias com renda abaixo de R$ 60 per capita recebem um adicional de R$ 58. O BPC, que concede 1 salário mínimo a idosos e deficientes físicos com renda per capita inferior a ¼ do piso nacional, também possui grande cobertura. O Renda Cidadã é um programa paulista nos moldes do Bolsa Família, enquanto os demais contemplam crianças e jovens. (Veja quadro)
“O que mais chamou atenção na pesquisa é que as pessoas levam uma vida muito diferente do que nós, com nossa carga de preconceito, imaginamos. Praticamente todas moram em casas de alvenaria, com banheiro em seu interior, água, luz, esgoto. E o benefício é usado de maneira bastante racional. As prioridades são alimentação (82%), vestuário (53%) e material escolar (41%) para os filhos. Existe um sentimento de que o dinheiro deve ser investido nas crianças”, afirma o pesquisador do Nepp.
Sustento
A pesquisa indicou que os programas de transferência de renda têm peso maior nos municípios mais rurais da RMC, onde o custo de vida é menor, permitindo, por exemplo, que apenas uma pessoa da família trabalhe e outra receba o benefício, vivendo-se desta forma. “Nas cidades mais urbanizadas da região de São Paulo, o benefício do Bolsa Família mal dá para pagar o ônibus. Todos têm que trabalhar de alguma forma, mesmo que seja recebendo míseros salários na informalidade. Nem há como plantar algo para comer no quintal”.
Coelho afirma que a grande incidência de beneficiários em trabalhos precários traz à tona a discussão sobre capacitação profissional e outras atividades de inclusão produtiva das famílias. A pesquisa mostra que 60,4% dos titulares dos benefícios não completaram o ensino fundamental, bem como 69,3% de seus companheiros. “É necessário pensar uma estratégia para melhorar a vida dessas famílias, cuja escolaridade é péssima. Essas pessoas não têm chance no mercado e as dificuldades para se emanciparem são imensas”.
A propósito, Rodrigo Coelho observa que boa parte desta população (47%) desconhece a origem dos programas e suas regras de funcionamento. “Os beneficiários colocam os programas em uma salada, misturando nomes como ‘renda família’ e ‘bolsa cidadã’. Sem entender as diferenças entre os programas, eles também desconhecem as contrapartidas. A ida dos filhos à escola, por exemplo, é cumprida independentemente da exigência de 85% de presença para ter direito ao Bolsa Família. As famílias têm consciência da importância da escola, nem que seja apenas para tirar as crianças da rua e afastá-las da violência e das drogas”.
Entretanto, acrescenta o pesquisador do Nepp, apesar de as crianças estarem indo hoje à escola, é bastante grande a evasão na passagem do ensino fundamental para o médio. “É um nível de escolaridade que não garante melhores postos de trabalho, quando a idéia central desses programas é quebrar o chamado ciclo intergeracional da pobreza: você é pobre porque seu pai era pobre e não estudou porque precisou trabalhar e ajudar a família; assim, você está gerando filhos que logo terão de trabalhar e continuarão na mesma condição”.
A exigência de que alguém da família participe de discussões em grupo, por outro lado, faz com que o Renda Cidadã seja o programa menos bem avaliado, apesar de oferecer benefício de R$ 60, maior que do Bolsa Família. “Veja que não falamos de programas para desempregados, mas para quem precisa trabalhar e não pode passar uma tarde de dia útil em reuniões. Como se trata de atividades socioeducativas, e não de pensar alternativas concretas de emancipação, as famílias não entendem como essas discussões trarão mudanças práticas em suas vidas”.
Alternativas de rendimentos
De acordo com o estudo, poucas famílias recebem outro tipo de sustento financeiro regular e, no caso do Bolsa Família e do Renda Cidadã, a ajuda de parentes não-moradores (6,4% e 8,9%, respectivamente) é mais freqüente do que a renda com aposentadoria (4,5% e 6,7%). “Os benefícios não podem ser acumulativos, a não ser em casos de filhos que também estejam em programas para crianças e adolescentes. Por isso, mais da metade (54%) das famílias já passou por outros programas semelhantes”.
Perguntados sobre o que fariam quando terminasse o prazo do benefício, boa parte respondeu que não pensava nisso (34%) nem estava procurando trabalho (28%), enquanto 10% já buscavam outro programa; apenas 8% faziam cursos para arranjar emprego. “Isto é problemático, pois os programas não são eternos. O Renda Cidadã tem prazo de dois anos e mesmo no Bolsa Família, que é mais duradouro, a criança perde o benefício aos 17 anos”.
Repeteco
Para Rodrigo Coelho, se a pesquisa já mostrou que os programas de transferência de renda têm efeito extremamente positivo para alívio da pobreza no curto prazo, a sua repetição periódica junto às mesmas famílias servirá justamente para avaliar os impactos no longo prazo. “Poderemos averiguar se os beneficiários estão buscando trabalhos melhores e mantendo os filhos na escola mesmo após o término do programa, se diminuiu taxa de evasão no ensino médio e o que aconteceu com os jovens depois dos 18 anos”.
Segundo o pesquisador do Nepp, as novas pesquisas também permitirão verificar se o poder público vem oferecendo programas complementares aos beneficiários, como de saúde e de qualificação. “É preciso avançar nas atividades com grupos de familiares. Os municípios já estão rediscutindo seus trabalhos com as famílias, a partir de uma diretriz do governo federal publicada em 2006. A expectativa é de que atividades que eram percebidas pelos beneficiários como inócuas hoje tenham outro status”.
PROGRAMAS AVALIADOS NA PESQUISA
BOLSA FAMÍLIA – Voltado a famílias com renda per capita até R$ 120. Benefício: R$ 18 por filho menor de 18 anos, com um máximo de três filhos (R$ 54); na condição de extrema pobreza (renda per capita abaixo de R$ 60), há um adicional de R$ 58. Contrapartida: matricular os filhos em idade escolar e garantir a freqüência em no mínimo 85% das aulas; assegurar a vacinação das crianças menores de 7 anos e o acompanhamento da saúde de crianças, grávidas e nutrizes.
RENDA CIDADÃ – Programa estadual que concede um benefício temporário de R$ 60, associado a ações para melhoria da qualidade de vida. É voltado para famílias que residam em bolsões de pobreza, com um responsável legal maior de 18 anos (com prioridade para mulheres). A contrapartida é ter crianças e adolescentes frequentando a escola e manter atualizada a carteira de vacinação de crianças até 7 anos.
BPC – O Benefício de Prestação Continuada é de 1 salário mínimo, concedido ao idoso com 65 anos ou mais e ao portador de deficiência que tenham renda per capita inferior a 25% do piso nacional. Não há exigência de contrapartida.
PETI – O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil visa tirar os menores de 16 anos de atividades perigosas, insalubres ou degradantes, estimulando seu acesso e permanência na escola. Concede a famílias com renda per capita inferior a R$ 120 benefícios de R$ 25 (zona rural) e R$ 40 (zona urbana) por criança, e um complemento de R$ 20 em caso de jornadas ampliadas. A permanência no PETI é de até 4 anos.
AGENTE JOVEM – Programa federal que concede bolsa de R$ 65 a jovens entre 15 e 17 anos em situação de vulnerabilidade e de famílias com renda per capita até meio salário mínimo. Dirige-se também a jovens infratores que cumprem medidas sócio-educativas ou em programas para vítimas de exploração sexual. Contrapartida: participar de 75% das aulas na escola e das atividades previstas no programa.
AÇÃO JOVEM – Programa estadual para jovens de 15 a 24 anos, com ensino fundamental ou médio incompletos e que se encontram em situação de vulnerabilidade social, priorizando aqueles de famílias com renda até 2 salários mínimos. O benefício é de R$ 60, por 12 meses, podendo ser renovado por igual período. O objetivo é possibilitar o retorno à escola e capacitar os jovens para o mundo do trabalho.
Matéria de Luiz Sugimoto, do Jornal da Unicamp, ANO XXIII – Nº 423
[EcoDebate, 24/03/2009]
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