Lula e a água, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] O presidente Lula costuma repetir seus aperreios, quando menino, por falta de água. Costuma dizer, inclusive, que “carregou muita lata d’água na cabeça”. Um pouco de demagogia hídrica do presidente. Aqui, quem carrega água na cabeça são as mulheres. Os homens carregam nas bicicletas, jumentos, carroças e carros. Evidentemente, esse exagero não anula a sensibilidade do presidente para a questão.
Esse governo faz um serviço muito melhor que os anteriores em termos de fornecer água para a população ainda sem segurança hídrica. O investimento em saneamento ambiental, segundo o novo conceito, implica também no abastecimento. É um serviço em expansão. O governo tem ainda investido nas cisternas através da ASA e de vários governos estaduais do Nordeste. Timidamente, já faz algumas das adutoras que tanto reivindicamos, como na região de São Raimundo Nonato, Piauí.
Entretanto, as contradições na política da água são visíveis. Esses dias, uma simples reportagem num programa de entretenimento da TV, mostrava como o canal da Integração, que liga o grande açude do Castanhão à Fortaleza e ao complexo portuário do porto de Pecém, é inacessível aos sedentos. Cercado, defendido por guardas montados em motocicletas, a população vizinha ao canal tem que “roubar água” para matar sua sede.
Repete o que acontece aqui na região de Petrolina-Juazeiro, como acontece na Índia, como acontece em outros países do mundo onde a água foi privatizada. Aquele canal, também chamado de “Eixão”, é exatamente por onde vai passar a água transposta do rio São Francisco. Pergunta óbvia: se o povo é proibido de acessar hoje aquela água, porque vai ter acesso no futuro?
Mas a principal contradição desse governo se mostra, sobretudo, nos Fóruns Mundiais da Água. Tenho escrito anualmente para os relatórios brasileiros da sociedade civil sobre direitos humanos, como o governo brasileiro se opõe sistematicamente ao reconhecimento da água como direito humano, para a fúria dos bolivianos, venezuelanos, cubanos, uruguaios, paraguaios e países da Europa. Hoje a água é defendida como direito humano por países, igrejas e pela maioria da sociedade civil. O argumento governamental é tacanho: “o reconhecimento da água como direito pode implicar na perda da soberania brasileira sobre nossas águas”. Pura mitificação. O Brasil adotou o discurso anti-humano da água pela pressão das transnacionais da água, privatizadoras e mercantilizadoras do bem em todo o mundo, que vêem no reconhecimento da água como direito uma ameaça aos seus negócios.
Que as empresas resistam a esse reconhecimento é compreensível. Mas, de um governo que se diz respeitador dos direitos humanos, é inaceitável. Esperava-se desse governo, tanto nacional como internacionalmente, uma postura mais coerente com a tradição brasileira, signatária de todas as convenções de direitos humanos já promulgadas. Um governo que fala em nome dos que passam sede, tendo um presidente que diz ter passado sede, nega com essa atitude tudo que diz, até o que faz, numa política obscura e até anti-humana.
Roberto Malvezzi (Gogó) é Assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT, colaborador e articulista do EcoDebate.
[EcoDebate, 26/03/2009]
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Parabenizo o autor pelo artigo, que escancara uma verdade que parece que ninguém quer enxergar. A água é realmente um direito humano e as posições do governo são de fato não apenas contraditórias, eu diria que são mesmo cínicas, em torno dessa questão.
Maristela Simonin