Nada temos que comemorar no Dia Mundial da Água, por Henrique Cortez
Um olho d’água à beira do esgotamento.
[EcoDebate] O dia mundial da água e a realização do V fórum Mundial da Água foram pauta de toda a grande mídia, com grande destaque para o crescente stress hídrico e a severa ameaça de escassez em escala global. Em todo o planeta, aqui inclusive, incontáveis discursos, solenidades, eventos e ‘festividades’ comemoraram o dia mundial da água e ‘destacaram’ a sua importância cotidiana na vida de todos.
Mas, no geral, foi mais um grande tema de fundamental importância que caiu no vazio da alienação e do consumismo. Mais uma vez, como em outros temas absolutamente fundamentais como as mudanças climáticas e a crise alimentar, prevalece a atitude do tipo ‘Tô nem aí’.
Mesmo sendo, aparentemente, inútil reavaliar a grave situação atual, ainda assim, acho que precisamos manter o tema em discussão, se pretendemos a construção de um futuro minimamente suportável.
No V fórum Mundial da Água, mais uma vez, o poder econômico e político conseguiu impedir que o princípio do acesso à água potável como direito humano fosse reconhecido. Este embate já havia sido caracterizado no IV fórum, realizado no México em 2006.
O Brasil reafirmou sua posição contrária ao reconhecimento do acesso à água potável como direito humano. Esta é a posição histórica do governo brasileiro e manteve-se intocada na Turquia.
A diplomacia brasileira, tal como no México, defendeu a posição, dizendo que foi adotada “para evitar o risco de que a soberania do País sobre o uso desse recurso pudesse ser afetada“. Parece lógico, mas é um nacionalismo de fachada, já que a soberania sobre as ‘águas nacionais’ não está em risco e as águas transfronteiriças já são assunto de tratados e acordos. É um argumento diplomaticamente vazio, que nada significa, além de que o governo apenas reconhece a água como um bem econômico. E ponto.
Não é estranho que isto aconteça em um país no qual á água sempre foi um instrumento de poder, controlado pelas oligarquias (políticas e econômicas) e pela sempre pujante indústria da seca.
É esta visão econômica que orienta o conceito da não cobrança da captação da água bruta, que tanto favorece o agronegócio. A irrigação é responsável por quase 70% do consumo de água, com um desperdício médio de 50% da água captada.
O problema é conhecido há décadas, mas, até agora, não há um único programa público de redução de perdas e de adoção de sistemas eficientes de irrigação. O perdulário pivô central ainda reina absoluto no país.
Os sistemas de distribuição de água tratada, públicos e privados, em média, desperdiçam 40% da água distribuída por falhas operacionais (vazamentos, rompimentos de adutoras, etc). As distribuidoras não se preocupam porque não tem qualquer prejuízo, uma vez que as perdas estão consideradas nas tarifas. Ou seja, é o cidadão/consumidor é quem paga pela ineficiência.
As campanhas que incentivam o cidadão/consumidor a reduzir o consumo pessoal e familiar são necessárias, mas não são justas. Não é o consumidor urbano o responsável pelo consumo maior da água bruta (é a agricultura irrigada), nem pelo maior desperdício de água tratada (é a operação ineficiente do sistema).
É claro que, na qualidade de consumidores, precisamos mudar nossa atitude em relação à demanda de água. Precisamos, de fato, ser mais responsáveis pela água que consumimos.
Mas, acima de tudo, é como cidadãos que precisamos mudar nossa atitude.
Como cidadãos e eleitores temos o poder de influenciar as políticas públicas que dizem existir em nosso nome. Como cidadãos e eleitores temos o poder de dizer que a água é um direito humano fundamental, essencial para garantir o direito à vida.
Se a alienação e o consumismo prevalecerem como agora nada mudará no nosso futuro. Ou melhor, mudará para pior, porque a escassez será crescente.
Cedo ou tarde, arcaremos com as consequências dos que decidirmos. Ou do que deixarmos que os outros decidam por nós.
Henrique Cortez, henriquecortez{at}ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate
[EcoDebate, 23/03/2009]
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