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Minérios: Riqueza que acaba, artigo de Lúcio Flávio Pinto

mineração

[Adital] Os números recordes da exportação do ano passado camuflam uma perspectiva preocupante: quanto mais exportar e faturar, como tem feito, mais incerto será o futuro do Pará. Assim, o buraco é certo.

Em 2008 o Brasil teve um lucro de quase 25 bilhões de dólares no seu comércio exterior: exportou mercadorias no valor de US$ 198 bilhões e importou US$ 173 bilhões. O desempenho foi recorde em todos os tempos. O resultado positivo, porém, se sustentou numa drenagem de recursos naturais, com ênfase nos minerais, como nunca houve no país e talvez também jamais tenha sido registrado no planeta.

O saldo da balança comercial do setor mineral chegou a 93% do superávit total do Brasil, ou pouco mais de US$ 23 bilhões. Quase metade dessa façanha foi realizada pela Amazônia Legal, que contribuiu com US$ 10,3 bilhões em divisas para o país. O Pará – líder disparado no setor mineral na região – foi responsável por 30% do saldo líquido de todo comércio exterior brasileiro, com seus US$ 8,7 bilhões de superávit.

O leitor precisará voltar ao parágrafo e reter na memória esses números espantosos, ao mesmo tempo grandiosos e chocantes. O Pará se mantém como o segundo Estado minerador do país. Minas Gerais é o líder. O Espírito Santo vem a seguir, bem mais distanciado, e o Maranhão o acompanha, fechando um ranking que responde pela parte significativa de toda produção mineral nacional.

Todos eles produzem para exportar. A parcela destinada ao mercado nacional é a menor; em alguns casos, ínfima. A maior parte da exportação é de matérias primas. A parcela de produtos industrializados tem crescido, porém sua tradução – na forma de incorporação de valor – é camuflada pelo conceito de beneficiamento. Transformar em ferro gusa um minério que contém mais de 65% de hematita pura, como o de Carajás, para isso sacrificando madeira no alto forno, é verdadeira industrialização?

Minas Gerais, Estado muito mais antigo na mineração, com maior população e maior riqueza, e também mais diversificado economicamente, é líder pelos dois critérios. Em 2008 exportou US$ 7,3 bilhões em matéria prima mineral contra US$ 5,6 bilhões do Pará e US$ 4,7 bilhões do Espírito Santo (o Maranhão tem pouca expressão nesse quesito: responde por pouco mais de US$ 600 milhões). Minas aumenta a diferença no segmento de minerais transformados: exportou US$ 7,9 bilhões no ano passado por essa rubrica. O Pará ficou em US$ 3,4 bilhões, o Espírito Santo em US$ 2,5 bilhões e o Maranhão em US$ 1,6 bilhão.

Também em saldo de divisas Minas se mantém na frente, com US$ 12,2 bilhões, mas a posição do Pará é mais destacada, com US$ 8,7 bilhões. O Espírito Santo ficou mais atrás, com US$ 4,7 bilhões. O Maranhão foi o Estado que teve o maior saldo proporcional, de US$ 2,1 bilhões, porque tudo que produz no setor é para exportar (principalmente alumínio).

Esses números revelam uma situação surpreendente: as importações feitas pelos Estados mais ricos e poderosos, ou mais favorecidos, que se adiantaram no processo de industrialização, de certa forma são sustentadas pelos Estados mineradores do país.

Essa situação existe mesmo nos limites amazônicos: a economia artificial da Zona Franca de Manaus se mantém graças aos buracos cavados no subsolo do Pará, em primeiro lugar, disparado, e do Maranhão, para a extração de minérios. Os dois Estados respondem por 98% da economia exportadora mineral da região. Os minérios proporcionaram, no ano passado, um saldo total ao país de US$ 10,7 bilhões, 48% maior do que o saldo amazônico, que foi de US$ 7 bilhões, por causa das pesadas importações da ZF amazonense, muito superiores às suas próprias exportações.

O peso da mineração e seus produtos derivados já é maior na Amazônia do que no Brasil, em relação à exportação, que ainda é, infelizmente, a atividade econômica principal do país. A mineração representou metade das exportações amazônicas e apenas 22% do comércio exterior nacional. A Amazônia já equivale a um quarto da exportação mineral total do Brasil (US$ 11,7 bilhões contra US$ 43 bilhões). Seu peso é maior no segmento extrativo, equivalente a um terço da grandeza nacional (US$ 6,4 bilhões para US$ 19,5 bilhões).

O problema é que o crescimento quantitativo do setor não é acompanhado por seu desempenho qualitativo. Enquanto a exportação de matérias primas cresceu 53% no Brasil em 2008, essa indústria de transformação só se expandiu em termos nacionais. A relação foi ainda mais danosa na Amazônia: o extrativismo mineral foi 62% maior no ano passado em relação a 2007, enquanto o incremento da indústria de transformação foi de 18%. Significa a consolidação da “vocação” colonial da Amazônia, com ênfase no Pará.

A situação para o Estado é ainda mais cruel. A exportação de matérias primas paraenses é nove vezes maior (US$ 5,7 bilhões contra 663 milhões) do que a do Maranhão, mas, quando se considera a indústria de transformação, essa relação é de quase 50% (US$ 3,7 bilhões paraenses para US$ 1,6 bilhão maranhenses). O perfil melhor (na verdade, se a gramática permite, “menos pior”) do Estado vizinho deve-se ao recebimento da bauxita produzida no Trombetas, no Pará, e sua transformação em São Luís, no Maranhão, em alumina e alumínio pela Alumar, que faz a exportação.

A relação desfavorável é arrematada pela exportação de energia bruta do Pará para o Maranhão, isenta de ICMS (que não é cobrado no Estado consumidor). A situação persistirá ou se agravará quando a Alcoa, uma das donas da Alumar (junto com outra multinacional, a BHP Billiton), remeter bauxita da sua própria jazida, em Juruti, no Pará, que se encontra na fase pré-operacional.

A imprecisão conceitual entre o que é matéria prima e o que é produto transformado não permite ver o problema em sua exata dimensão. A ausência de sinergia entre os minérios, remetidos ao exterior sem uma tentativa de combinar seu uso para agregar valor ao produto final, alarga esse dano irreparável, já que minério é bem não renovável, sem segunda safra.

O Pará exportou 88 milhões de toneladas de minério de ferro no ano passado (a produção total foi de 93 milhões de toneladas, mas os cinco milhões de diferença foram beneficiados no pólo guseiro instalado entre o Estado e o Maranhão). A receita dessa produção foi de US$ 4,6 bilhões (dá pouco mais de US$ 50 por tonelada, um valor excepcional, recorde mesmo, não incluindo o frete até o centro importador, de valor ainda maior, porque o preço de venda é FOB, posto no porto de embarque). O Pará efetuou também uma enorme exportação de manganês, de 1,8 milhão de toneladas, ao valor de US$ 579 milhões.

Ferro mais manganês dá aço. O Pará não exportou um grama sequer de aço. Exportou 3,5 milhões de toneladas de ferro gusa, que, com a valorização incrível das commodities (já em processo de baixa), geraram US$ 1,7 bilhão, sendo o produto industrial de maior expressão. Por um fator conjuntural, devido ao consumo da China, o Pará foi privado dos bens que poderiam lhe proporcionar um produto final de muito maior valor, o aço, e talvez jamais consiga realmente constituir um parque siderúrgico integrado. Essa possibilidade existe em tese, mas ninguém a coloca em prática.

As alterações ocorrem em função de fatores externos, sobre os quais o Estado exerce pouca ou nenhuma influência. Por falta de comando, não há uma continuidade no processo produtivo, que muda apenas para se adaptar à conjuntura internacional. Baixou a exportação de bauxita, que já foi o segundo item da pauta de minerais, para atender o consumo interno incrementado pela expansão da Alunorte, a maior indústria mundial do seu setor.

Com isso, a alumina passou do alumínio como segundo maior produto de exportação entre os industrializados (US$ 1,5 bilhão contra US$ 1,3 bilhão). A diferença está em que a produção de alumina foi de 4,5 milhões de toneladas (absorvendo 9 milhões de toneladas de bauxita), enquanto a produção do metal é de 537 mil toneladas. O valor é nove vezes menor. E só não foi ainda menor porque o preço da alumina estava nos píncaros. Ainda assim, significa vender o almoço para comprar o jantar, sem garantia de que ele será servido.

O futuro do Pará estará na mineração se essa realidade se mantiver. Significa que o Pará não terá futuro.

Lúcio Flávio Pinto é Jornalista

* Artigo originalmente publicado na Adital.

[EcoDebate, 06/03/2009]

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