Por que chove qualquer chuva? artigo de Osvaldo Ferreira Valente
Chuva, imagem Corbis
[EcoDebate] Estamos acostumados com a expressão, “as chuvas chegaram”, uma observação muito comum no início de períodos chuvosos. Mas o comum nem sempre vem acompanhado de sua inteira compreensão. Fingimos que estamos entendendo tudo e tocamos a vida sem maiores preocupações. Afinal, sempre acreditamos que a rotina diária é a mais importante para a nossa boa vida. E se a chuva chove é porque chove e pronto. Se for muita, nós reclamamos, só por reclamar, ou lamentamos por aqueles que sofreram danos materiais ou perderam entes queridos nas enchentes. Se não chove, como no Semiárido, pensamos que resta, àquele povo sofrido, a alternativa de pedir a intervenção de São José. É até possível que façamos, por eles, uma pequena oração e depois abrimos a torneira – a nossa torneira ainda com água – e lavamos a consciência para um sono tranqüilo.
Mas eu e muitos outros, com certeza, já paramos muitas vezes para apreciar o cair de uma chuva e, nessas ocasiões, ficamos a relembrar os diversos fenômenos físicos que estão envolvidos na formação e queda daquelas gotículas, ou daqueles pequenos grãos de gelo. Já aconteceu com você? Não? Permita, então, que eu me divirta um pouco, contando alguns pedaços dessa história. E não se esqueça nunca de que a chuva é a fornecedora da matéria prima para a produção das nascentes e dos rios.
Em primeiro lugar, é fácil entendermos que para haver chuva é necessário haver água na atmosfera. E a água está ali previamente em forma de vapor, que precisa ser condensado para formar gotas com pesos suficientes para caírem. O processo guarda até certa sofisticação física, mas vamos tentar explicações em linguagem mais palatável para nós, os não-especialistas.
A existência de vapor d’água na atmosfera, e consequentemente no ar à nossa volta, pode ser comprovado pelo aparecimento de uma fina lâmina de água, em forma líquida, quando colocamos água gelada em um copo e o deixamos exposto ao ar. A parede fria do copo serve como superfície de condensação e, dependendo da quantidade de vapor existente, pode até começar a escoar descendentemente. A quantidade existente depende essencialmente de duas coisas: de uma fonte líquida de onde a água possa se evaporar e da temperatura do ar. A respeito da fonte, é notória a importância dos oceanos, mas também não podem ser esquecidos os cursos d’água, os lagos e a umidade do solo que é retirada e transferida ao ar pelas plantas (transpiração). Em escala menor, pode ser aquela bacia com água que nos aconselham colocar no quarto das crianças para umedecer o ambiente, quando ele está muito seco. Quanto às quantidades, há fórmulas da Física que calculam seus valores em função de variações da temperatura ambiente e gerando tabelas, como a pequena amostra a seguir, que podem ser encontradas na literatura especializada. São as chamadas umidades absolutas e que são referidas em gramas de água por metro cúbico de ar (g/m3).
5o C …….6,8 g/m3 20o C ……….. 17,3 g/m3
10o C ….. 9,4 g/m3 25o C …………23,0 g/m3
15o C ….12,8 g/m3 30o C …………30,4 g/m3
Os valores representam o máximo de vapor d’água que o ar poderá admitir para as respectivas temperaturas. É a chamada umidade de saturação. Mas se por falta de uma fonte suficiente para a evaporação necessária, a umidade absoluta do ar a 25o C estiver com 15 g/m3, por exemplo, poderemos calcular a tal de umidade relativa, ou seja, a porcentagem da umidade atual em relação àquela de saturação para a referida temperatura. Para isso, dividimos 15 por 23 e multiplicamos por 100, resultando 65 %, em valores inteiros. Assim, quando aqueles quadros de previsão de tempo dos canais de televisão chamam a nossa atenção para uma umidade relativa muito baixa é porque a umidade absoluta está muito abaixo da de saturação para a temperatura ambiente, 6,0 g/m3 para uma temperatura de 30oC, por exemplo, dando uma umidade relativa de 20 %. Se a umidade relativa for de 90 %, o ar estará bem próximo da saturação, Se for de 100 %, o ar estará saturado (para 25oC, por exemplo: 23,0 dividido por 23,0 e vezes 100 é igual a 100%). Felizmente a circulação atmosférica (ventos) é capaz de transferir umidade de uma região para outra. A atmosfera passa a ser, assim e ao mesmo tempo, um reservatório e um meio de transporte de vapor d’água, permitindo que áreas mais úmidas, como a Amazônia, possam colaborar com chuvas em áreas mais secas, Sudeste, por exemplo. Ou que o Atlântico Norte possa fornecer umidade para as chuvas do Semiárido Nordestino.
A tabela anterior poderá ser usada, também, para mostrar o efeito do esfriamento de uma massa de ar. Vamos lá: 1) a massa de ar está, inicialmente, com uma temperatura de 25o C e umidade absoluta de 17,3 g/m3; não está saturada, portanto; 2) sofre esfriamento até 20o C e fica saturada; 3) continua a ser esfriada até 15o C e poderá conter um máximo de vapor d’água de 12,8 g/m3. O que acontecerá com o vapor excedente de 4,5 g/m3 (17,3 menos 12,8)? Vai ser condensado sobre uma superfície fria qualquer. Os orvalhos das madrugadas são formados dessa maneira.
Mas você já poderá estar curioso para saber como se passa a condensação na própria atmosfera, formando as gotas de chuvas. Como a natureza parece sábia, a atmosfera terrestre é formada por gases e por minúsculas partículas sólidas (poeiras). Essas minúsculas partículas servem de núcleos de condensação quando a temperatura cai (está lembrado da parede do copo?) e a quantidade de vapor d’água fica muito próxima ou até acima da de saturação. São geradas, assim, as microgotículas de água que, por serem ainda muito leves, continuam flutuando e, quando agrupadas em massas contínuas, ficam visíveis em forma de nuvens. Mas precisam aumentar de tamanho para entrar em queda e isso poderá acontecer principalmente por: 1) condensações posteriores em torno das microgotículas iniciais; e 2) coalisão de microgotículas provocada pelo choque entre elas, pois as mesmas estão em constante movimentação no interior das nuvens. As chuvas propriamente ditas ocorrem quando as gotículas atingem diâmetros iguais ou maiores do que 0,5 mm. Quando menores, formam as garoas.
Em resumo, as chuvas só acontecem quando: 1) há quantidade suficiente de vapor d’água na atmosfera; 2) ocorre algum processo capaz de promover o esfriamento das massas de ar; e 3) existe núcleos de condensação e instabilidade para movimentar as gotículas iniciais, facilitando o crescimento das mesmas.
E encerrando a nossa história de hoje, fica o convite para o próximo artigo que será publicado aqui e daqui a uns quinze dias, falando dos tipos de chuvas e das condições complementares para que as mesmas possam ocorrer.
Osvaldo Ferreira Valente, Engenheiro Florestal, Especialista em Hidrologia e Manejo de Pequenas Bacias Hidrográficas e Professor Titular,aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV); ovalente{at}tdnet.com.br
[EcoDebate, 04/03/2009]
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