EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Comunidades quilombolas evoluem na luta pela terra

luta dos quilombos pela preservação da terra

Estudo realizado com comunidades quilombolas que habitam regiões de mata atlântica mostra a evolução de suas estratégias de luta

As estratégias de luta dos quilombos pela preservação da terra

Em algumas regiões do Brasil houve nítidos progressos nas disputas pela terra entre as comunidades quilombolas e os poderes público e privado. Em São Paulo, por exemplo, a resistência de uma população forçou o governo estadual a fazer um redesenho de um parque estadual, localizado no litoral Sul, em Cananéia. “Na Comunidade Mandira, o poder público criou o Parque Jacupiranga, que acabou sendo sobreposto à área do quilombo. Em 2008, após várias discussões, o governo decidiu preservar a comunidade dando novo desenho ao parque”, conta a geógrafa Simone Rezende da Silva. “Até mesmo o nome mudou. O local se chama hoje Mosaico Jacupiranga.”

Depois de mais de dez anos de interesse e estudos com o tema, Simone defendeu em agosto de 2008 sua pesquisa de doutorado intitulada Negros na Mata Atlântica, territórios quilombolas e a conservação da natureza, orientada pela professora Sueli Angelo Furlan. “Desde minha graduação me interessei pelo assunto, passando pelo mestrado e agora concluindo meu doutorado”, diz. Entre muitas viagens e entrevistas, a pesquisadora selecionou para este estudo três comunidades: Mandira, em Cananéia (litoral Sul de São Paulo); Comunidade São Jorge, em São Mateus (Norte do Espírito Santo); Povoação de São Lourenço, em Pernambuco, na cidade de Goiana, na Zona da Mata.

A pesquisadora alerta, no entanto, que nas outras comunidades a situação ainda não é satisfatória, como foi o caso paulista. Segundo ela, vários fatores implicam nas dificuldades de negociação para a preservação das terras quilombolas. No Espírito Santo, as comunidades lutam contra o poder privado. Indústrias de celulose e suas plantações de eucalipto, com a anuência do poder público local, passaram a colaborar decisivamente para a devastação da mata atlântica. “Lá, o conflito foi mais forte. Em alguns momentos, membros da comunidade chegaram a sofrer ameaças. Houve recuo da comunidade”, relata Simone.

Comunidade de São Lourenço, em Pernambuco: expansão da cana-de-açucar

Já em Pernambuco, ela cita que ainda há desinformação e muitos traços do “coronelismo”. “Contraditoriamente, a comunidade local, num certo episódio, chegou a defender junto ao poder público um fazendeiro que cultivava camarões e que se dizia dono das terras”, lembra a pesquisadora. Naquela região, uma área de manguezais, as comunidades são ameaçadas pela expansão da cana-de-açucar.

Desde o fim da escravidão
As comunidades estudadas por Simone têm em comum sua origem, no final do século 19, ao fim da escravidão no Brasil. A comunidade Mandira surgiu onde era uma fazenda de arroz, herdada de um filho nascido da relação do fazendeiro com uma escrava. No Espírito Santo, os territórios foram ocupados no final da escravidão. “Aquelas terras não eram objeto de desejo de ninguém”, relata a pesquisadora. Em Pernambuco, a comunidade quilombola se formou após um fazendeiro “ter doado a terra ao santo [São Lourenço] por uma graça recebida, o que era muito comum na época.”

Os quilombolas são atuantes na preservação e na manutenção dos recursos naturais. À esquerda, morador de Mandira, SP; à direita, moradores de São Lourenço, PE

Outro traço comum nesses povoados é a relação dos moradores com a preservação e manutenção dos recursos naturais. Para a pesquisadora, os poderes públicos no Brasil devem olhar esses territórios de maneira diferente. “As formas de conservação da natureza devem levar em conta as populações que colaboram intensamente para a preservação, convivendo com os recursos naturais locais”, aconselha. Ela também destaca o papel da igreja católica progressista, que foi e é decisiva nos processos de luta e conscientização dessas comunidades.

Mas há ainda mais um aspecto comum nas maioria das comunidades quilombolas. A quase totalidade não possui documentação regularizada das terras, mas apenas a posse e a certificação federal emitida pela Fundação Palmares, do Ministério da Cultura. “Mesmo assim, considero que a situação é favorável. A conscientização vem aumentando. Basta o poder público perceber que as estratégias de conservação serão muito mais eficazes com a ajuda destas populações”, afirma. Segundo a Fundação Palmares (http://www.palmares.gov.br/), há mais de mil comunidades quilombolas devidamente certificadas no Brasil.

Imagens cedidas pela pesquisadora

Mais informações: (11) 3539-5914, com Simone Rezende da Silva, e-mail: srezende{at}usp.br

Matéria de Antonio Carlos Quinto, da Agência USP de Notícias.

[EcoDebate, 28/02/2009]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.