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O que está devorando nossas crianças? O medo dos alimentos ‘ruins’

Ilustração de Margaret Riegel. The New York Times
Ilustração de Margaret Riegel. The New York Times

Sódio é o que preocupa Greye Dunn. Ele também pensa nas calorias e se está ingerindo vitaminas suficientes. Mas é o sódio que realmente o assusta. “O sódio faz seu coração bater mais rápido, então pode provocar algo realmente sério”, diz Greye, que tem 8 anos e vive em Mays Landing, Nova Jersey.

A mãe de Greye, Beth Dunn, presidente de uma empresa multimídia, tem orgulho da consciência nutricional de seu filho e o encoraja a se alimentar com alimentos orgânicos, ajudando Greye a ler os rótulos nas latas e caixas de cereais. “Ele quer ser saudável”, ela diz.

Dunn está entre a legião de pais que estão vigilantes a respeito do consumo de açúcar, alimentos processados e gordura trans por seus filhos. Muitos tentam manter uma dieta orgânica. Em geral, a preocupação deles não deriva do medo da obesidade – apesar disso fazer parte da equação – mas de um desejo de proteger suas famílias de quadros como hiperatividade, diabete e problemas cardíacos, que acreditam que podem ser evitados, ou pelo menos administrados, com uma alimentação cuidadosa. Matéria de Abby Ellin, The New York Times.

Apesar de que dificilmente algum especialista criticaria os pais por prestarem atenção à dieta dos filhos, muitos médicos, nutricionistas e especialistas em desordens alimentares temem que alguns pais estão sendo excessivamente zelosos, até mesmo obsessivos, nos esforços para incutir bons hábitos alimentares nas crianças. Com a melhor das intenções, estes pais podem criar uma aura não saudável em torno da comida.

“Nós estamos vendo muita ansiedade nestas crianças”, disse Cynthia Bulik, diretora do programa de desordens alimentares da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. “Elas vão a aniversários e, se não for um bolo de granola, elas sentem que não podem comê-lo. A cultura leva as crianças e seus pais a levarem as mensagens de saúde pública ao extremo.”

Tiffany Rush-Wilson, uma consultora de desordens alimentares em Pepper Pike, Ohio, tem visto o mesmo. “Eu tenho muitos clientes – crianças, adolescentes e jovens adultos – que se queixam da forma como seus pais microadministram sua alimentação com base em suas próprias crenças e padrões de saúde”, ela disse. “A alimentação das crianças se torna muito restrita e é por isso que me procuram.”

Certamente, nem todos os pais que aplicam regras sobre alimentação saudável – ou qualquer plano de dieta – estão encaminhando seus filhos para uma desordem alimentar. Desordens clínicas como anorexia nervosa e bulimia, que foram diagnosticadas em um número cada vez maior de adolescentes e jovens nas últimas duas décadas, são consideradas pelos pesquisadores como tendo uma série de causas – incluindo genética, a influência da comunicação de massa e pressão social.

Até o momento, não há estudos formais sobre se a obsessão dos pais com alimentação saudável pode levar a desordens alimentares. Alguns especialistas dizem que a obsessão extrema por alimentação saudável é meramente um sintoma, não uma causa, de desordem alimentar.

Mas mesmo sem números claros, os relatos de casos por especialistas sugerem que uma preocupação em evitar alimentos “ruins” é um problema para muitos jovens que procuram ajuda.

O dr. James Greenblatt, o diretor médico chefe do Walden Behavioral Care, um hospital especializado em desordens alimentares em crianças e adultos em Waltham, Massachusetts, estimou um aumento recente de cerca de 15% no número de pacientes jovens que comem apenas alimentos orgânicos para evitar pesticidas.

“Muitos pacientes que vimos nos últimos seis anos limitaram o açúcar refinado e alimentos ricos em gordura por preocupação com o ganho de peso”, ele disse. “Mas agora, estas preocupações são manifestadas em termos de preocupações com a saúde.”

Lisa Dorfman, uma nutricionista registrada e diretora de nutricionismo esportivo e de desempenho da Universidade de Miami, disse que frequentemente vê crianças temerosas de alimentos considerados “ruins” pelos pais. “É quase um medo da morte, um medo de doença, como uma visão ilusória dos alimentos em geral”, ela disse. “Eu vejo crianças hipnotizadas por seus pais. Eu tenho crianças de 5 anos que falam como se tivessem 40. Elas não conseguem comer um cookie sem ficarem preocupadas com gordura trans.”

O dr. Steven Bratman, de Denver, cunhou um termo para descrever as pessoas obcecadas com alimentos saudáveis: ortorexia. Os pacientes ortoréxicos, ele disse, têm fixação em “comer direito” (a palavra vem da palavra grega ortho, que significa direito e correto).

“Eu digo para elas: ‘Você está viciado em alimento saudável’. É minha forma de fazer com que não se levem tão a sério”, disse Bratman, que publicou um livro sobre o assunto, “Health Food Junkies”, em 2001.

A condição, ele disse, pode começar em lares onde há preocupação com “alimentos saudáveis”.

Muitos especialistas em desordens alimentares questionam o conceito. Eles dizem que a ortorexia, que não é considerada um diagnóstico clínico, é apenas uma forma de anorexia nervosa ou desordem obsessiva compulsiva.

Angelique A. Sallas, uma psicóloga clínica em Chicago, disse que a idéia de uma “desordem de alimento saudável” praticamente não tem sentido. “Eu não acho que os sintomas sejam significativamente diferentes da bulimia ou anorexia para merecer uma característica especial de diagnóstico”, disse Sallas. “É um problema obsessivo-compulsivo. O objeto da obsessão é menos relevante do que o fato de apresentarem um comportamento obsessivo.”

O dr. David Hahn, o diretor médico assistente do Centro Renfrew, uma clínica de desordens alimentares na Filadélfia, também acha que os ortoréxicos são anoréxicos disfarçados. “Eu vejo muitos pacientes que estão exageradamente preocupados com a qualidade do seu alimento, e esta é a forma de expressarem sua desordem alimentar”, ele disse.

Mas independente de como o comportamento seja chamado, aqueles que vivem uma desordem alimentada por uma obsessão por hábitos saudáveis dizem que a experiência pode ser agonizante. Kristie Rutzel, uma coordenadora de marketing de 26 anos de Richmond, Virgínia, começou eliminando carboidratos, carne, açúcar refinado e alimentos processados de sua dieta aos 18 anos. Ela se tornou tão fixada em comer apenas alimentos “puros”, ela disse, que reduziu sua ingestão diária de calorias para 500. O peso dela caiu para 31 quilos e ela foi repetidamente hospitalizada por anorexia.

Hoje Rutzel, que disse estar no peso normal, conversa frequentemente com garotas nas escolas e igrejas sobre os riscos da obsessão com alimentos saudáveis.

Laura Collins, uma escritora que vive na Virgínia, já foi uma mãe que sempre “fazia sermão sobre alimentos bons e ruins”, ela disse. “Nós não servíamos doces, meus filhos não tomavam refrigerantes.” A filha de Collins, Olympia, se tornou muito rígida em sua alimentação por temor de que os alimentos a deixariam sem saúde. Aos 14 anos, Olympia desenvolveu anorexia, disse sua mãe. Para ajudá-la a se recuperar, a família teve que repensar toda sua abordagem em relação aos alimentos.

Alguns especialistas são rápidos em apontar que não são apenas os pais que contribuem para as ansiedades alimentares das crianças. Eles citam programas nutricionais em escolas que podem exagerar. “Eu vejo crianças pequenas que apresentam desordens alimentares provocadas por uma aula nutricional na escola”, disse a dra. Leslie Sanders, diretora médica do programa de desordens alimentares do Atlantic Health Overlook Hospital em Summit, Nova Jersey.

Nos últimos cinco anos, disse Sanders, ela viu um aumento do número de crianças com fixação na forma como comem: “Alguns educadores categorizam alimentos como ‘bons’ e ‘ruins’. As crianças chegam em casa e dizem ‘não coma batata frita’ em vez de falar sobre comer com moderação”.

O problema, segundo alguns especialistas em nutrição, é que muitos professores não entendem bem de nutrição. “Nós estamos enlouquecendo nossas crianças”, disse Katie Wilson, presidente da Associação de Nutrição Escolar. “Toda essa coisa sobre conservantes e pesticidas. Tudo o que uma criança de 8 anos precisa saber é que ele ou ela deve comer uma variedade de cores e não pedir nada do tamanho extra grande exceto a garrafa de água.”

Nina Planck, autora de “Comida de Verdade”, disse que culpar as escolas e os pais pelas desordens alimentares dos filhos é “uma forma de se esquivar das responsabilidades”. “A desordem alimentar vem de uma desordem mental”, ela disse. “Não se pode culpar a informação por causar as desordens alimentares.”

Mas Jessica Setnick, uma nutricionista de Dallas e autora de “The Eating Disorders Clinical Pocket Guide”, conta uma história que sugere que a postura dos pais pode afetar as crianças. Ela lembrou de uma mãe que trouxe sua filha pré-adolescente, aparentemente bulímica. Como Setnick descobriu, a menina não estava tentando perder peso. “A mãe dela só servia arroz natural, mas ela não gostava”, disse Setnick. “Ela gostava de arroz branco. E apesar de eu não dizer a ninguém o que pode ou não servir em sua própria casa, nós discutimos que quando a família saísse, não tinha problema comer arroz branco.”

Quando a menina contou para a mãe o que Setnick disse, a mãe ficou furiosa, segundo a nutricionista. “Ela disse: ‘Você não sabe que arroz branco é igual a açúcar?'”

“Meu coração ficou partido pela menina”, disse Setnick. “Ela estava dizendo para sua mãe o que precisava, mas a mãe não estava escutando.”

Collins, a autora de “Eating with Your Anorexic”, um livro sobre a luta de sua filha com a anorexia, e diretora da organização sem fins lucrativos Feast (Families Empowered and Supporting Treatment of Eating Disorders, família empoderadas e em apoio ao tratamento das desordens alimentares) ofereceu um ponto de vista.

“É uma tragédia termos desenvolvido este relacionamento moralista, restritivo e infeliz” com a alimentação, ela disse. “Eu acho que está enlouquecendo as crianças, tirando a vida de nosso relacionamento com a comida.”

Tradução: George El Khouri Andolfato

* Matéria [What’s Eating Our Kids? Fears About ‘Bad’ Foods] do The New York Times, 25/02/2009, no UOL Notícias, 26/02/2009 – 01h58

[EcoDebate, 27/02/2009]

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