Código Ambiental do Estado de Santa Catarina: Onde está a segurança jurídica prometida ao pequeno produtor rural pelo Projeto de Lei 0238.0/2008? artigo de Nicolau Cardoso Neto
Santa Catarina passa por um momento ambiental histórico, pois está em tramitação na Assembléia Legislativa Catarinense um projeto de lei que institui um Código Ambiental para o Estado. A intenção da criação do código é muito apropriada, pois existem diferentes legislações que abordam o assunto meio ambiente no estado, e uma das justificativas do Legislativo para a tramitação do projeto é exatamente a acessibilidade que o compêndio legal possibilitará aos aplicadores e também a população, uma vez que a matéria ambiental estará concentrada em uma única lei.
Já era hora de o Estado possuir um aparato legal para a questão ambiental. Todos os setores da sociedade pleiteavam por mais clareza sobre a matéria. Entretanto, trabalhar este assunto não é fácil e nem simples, uma vez que a matéria possibilita a identificação de diferentes intenções sobre o meio ambiente. Alguns defendem a preservação e outros apontam para a necessidade de aquecer o desenvolvimento econômico do Estado, que ocorreria com mais vigor se restrições impostas por leis federais, que limitam o uso do solo, fossem mais flexíveis.
Diferentes legislações de nível federal, mais especificamente o Código Florestal, limitam a utilização de áreas ditas como de preservação permanente, áreas estas localizadas, principalmente, no entorno de rios e nascentes, encostas e topos de morro, além de exigirem reserva legal em áreas rurais.
O setor agrícola entende esta legislação como limitadora do desenvolvimento das pequenas propriedades do Estado, alegando que, em alguns casos, o respeito ao dispositivo da lei federal inviabiliza o uso da terra das propriedades, causando grandes prejuízos para o seu proprietário. Por outro lado, os ambientalistas defendem o cumprimento da legislação federal, apontando para a necessidade de preservar o meio ambiente para que todos tenham um meio ecologicamente equilibrado.
Identificado este conflito, há a necessidade de se pensar o que está acontecendo. Para tanto é preciso estudar o projeto de lei a fim de analisar como a questão ambiental está sendo trabalhada, se estaria beneficiando o povo catarinense ou apenas privilegiando interesse de alguns.
A análise crua das audiências públicas ocorridas para discutir o Projeto de Lei expõe a intenção do Estado de diminuir as áreas de preservação permanente, com a justificativa de viabilizar a atividade econômica e oferecer a devida segurança jurídica aos pequenos proprietários de terra, pois pela primeira vez uma legislação estaria legitimando o uso e a ocupação de áreas antes proibidas. Entretanto, esta afirmação é rebatida a todo o momento pela FATMA, pelos órgãos auxiliares da justiça e pelos ambientalistas que afirmam a inconstitucionalidade do projeto em pontos que estariam confrontando matéria de competência legislativa privativa a União.
Considerando tais conjecturas, perguntas sobre o Projeto de Lei surgem, tais como: existirá segurança jurídica a quem aplicar uma lei estadual que esteja contrariando dispositivo federal? Estaria o estado agindo de forma insensata ao discutir matéria para a qual não possui competência? O pequeno proprietário rural está mesmo sendo defendido pelo Projeto de Lei ou está sendo utilizado como massa de manobra?
Estas perguntas deveriam ser respondidas urgentemente, pois a sociedade clama por respostas. O mais sensato seria que os idealizadores do projeto apontassem e tornarem públicas estas informações. O momento não é apenas de afirmações sem o devido apontamento das respostas frente ao ordenamento legal federal e estadual. Está na hora dos pequenos proprietários de terra receberem as respostas e as afirmações de que poderão utilizar a terra sem que recebam constantes visitas dos órgãos fiscalizadores e sejam freqüentemente multados e muitas vezes processados.
A necessidade por respostas não é a única demanda do cidadão catarinense, também existe a obrigação de se apontar alguns dos itens controversos no Projeto de Lei 0238.0/2008. Ao analisar o projeto, na forma como está escrito, percebe-se que este deixa passar a oportunidade de definir a prática dos serviços ambientais como instrumento da Política Estadual do Meio Ambiente. Tal instrumento poderia oferecer aos pequenos proprietários rurais um reforço em sua renda, pois os beneficiaria com uma compensação pecuniária pela preservação de áreas nativas, de nascentes, de rios. A obrigação de preservar e manter áreas, como o Estado exige atualmente, somente oferece prejuízos ao proprietário da terra; em momento algum é reconhecido o serviço que estes prestam para a manutenção da qualidade do meio ambiente.
O instrumento de serviços ambientais seria uma grande oportunidade de reconhecer a importância do serviço de preservação que os pequenos agricultores exercem, mas em momento algum o Estado, através do Projeto de Lei, expõe vontade de perpetrar tal instrumento. Ao contrário, ignora esta possibilidade e não demonstra interesse em implementar tal prática na Política Estadual. Se este projeto diz defender o interesse dos pequenos agricultores, por qual motivo não aponta esta possibilidade de compensação?
Outro ponto controverso do Projeto de Lei é a diminuição do parâmetro estipulado pelo Código Florestal para as Áreas de Proteção Permanente, contrariando disposição constitucional. A diminuição das distâncias destas áreas fere a primazia do Estado Federado, pois contraria norma Federal e disposição da constituição. Não pode a legislação Estadual legislar contrário às normas primárias; em assim agindo, está exposta a sofrer processo de inconstitucionalidade.
O Projeto de Lei não oferece subsídios legais para a ocupação das áreas de margens de rios e encostas, muito menos para a diminuição das áreas de reserva legal. A simples indicação para a diminuição não oferecerá segurança jurídica para o pequeno proprietário, uma vez que os órgãos ambientais, como a FATMA, a Polícia Ambiental e o Ministério Público Estadual e da União já se manifestaram no sentido de continuar a cobrar dos proprietários de terra as exigências de preservação estipuladas pelas Legislações Federais.
A idéia de que o Projeto de Lei 0238.0/2008 irá defender o pequeno proprietário de terra é muito frágil. Não é possível vislumbrar esta proteção no corpo do Projeto, muito menos pelos conflitos de competência que suscita. Mais uma vez o agricultor está sendo iludido e com certeza será ainda mais prejudicado. Não é possível que os sindicatos e os representantes dos trabalhadores rurais não estejam percebendo as armadilhas implícitas no PL.
A legislação federal traz algumas alternativas para a pequena propriedade como a possibilidade de trabalhar as áreas de preservação permanente e de reserva legal, quando excederem a 25% em propriedades menores do que 30 hectares. Também existe a possibilidade de manejo florestal sustentável realizado na área de reserva legal para pequena propriedade e posse rural familiar. Estes pontos não são citados em nenhum momento no projeto.
O PL poderia ainda suscitar a realização de pesquisa e capacitação dos pequenos proprietários sobre as possibilidades de manejo dentro das áreas preservação permanente e de reserva legal. Todavia, novamente este ponto não é abordado. A instrução para os pequenos agricultores é um instrumento que viabilizaria a manutenção do homem no campo, pois permitiria o aumento de renda e conseqüentemente melhoraria da qualidade de vida.
Esta forma de agir, certamente, levará o homem do campo aos grandes centros, pois as dificuldades que já são enormes tendem a piorar. Desta forma os pequenos produtores estão sendo condenados a viver precariamente no campo ou nos subúrbios dos grandes centros. Este Projeto de Lei não oferece nenhum subsídio à permanência do homem no campo, ao contrário, oferece mais insegurança.
Onde está a segurança jurídica prometida pelo Projeto de Lei 0238.0/2008? Será que este projeto de lei, da forma como está escrito, não irá prejudicar ainda mais a compreensão dos deveres e obrigações dos cidadãos para com o meio ambiente? Em momento algum é possível identificar inovações que salvaguardem o devido desenvolvimento econômico tão prometido, muito menos o meio ambiente.
Estaríamos sendo levianos se não pensássemos em segurança jurídica e manutenção do meio para a garantia econômica e social contínua do estado de Santa Catarina, uma vez que já é possível identificar, em diferentes regiões do Estado, conflitos pelo uso dos recursos naturais, mas em nenhum momento o Projeto de Lei aborda tais possibilidades. Como conciliar a distribuição dos recursos naturais se estes estiverem em quantidade menor do que a demandada?
A preocupação com a manutenção do meio é imperativa. Diversos pesquisadores e instituições apontam para a saturação do meio e para um futuro de dificuldades. Este seria o momento certo para uma lei determinar a continuidade econômica do Estado. Não deve o Projeto de Lei apenas ponderar sobre lucro imediato sem se preocupar com a continuidade das atividades econômicas dependentes dos recursos naturais.
Mais uma vez os exemplos e os fatos ocorridos recentemente não servem de lição; não estamos apreendendo com os nossos erros e com os avisos da natureza. Estamos sim correndo para um beco sem saída onde apenas os mais fortes possuirão subsídios econômicos para se manter e a maioria será prejudica. Qual deveria ser a verdadeira intenção do Projeto de Lei, se não a defesa dos interesses dos catarinenses?
Nicolau Cardoso Neto – Advogado; Mestre em Engenharia Ambiental; Especialista em Direito Ambiental; Especialista em Planejamento Turístico, Gestão e Marketing; Pesquisador da Fundação Agência de Água do Vale do Itajaí; Professor do SENAI/Blumenau. E-mail: nicolau{at}scambiental.com
[EcoDebate, 20/02/2009]
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