Reduzir vem antes de reciclar
Imagem: Stockxpert
[EcoDebate] Ao tratar aqui na semana passada do atraso dos nossos municípios na questão da coleta seletiva, falamos do conceito 3Rs — ou 3 erres ou, ainda, 3R’s, os três modos de sua identificação. Trata-se de Reduzir, Reutilizar e Reciclar os materiais sólidos, visando sua redução. E por uma razão muito simples: não há mais espaço nas cidades para depositar adequadamente tanto lixo.
Falamos da demora das prefeituras em dar a atenção devida à questão do lixo e a falta quase total de coleta seletiva em nossas cidades. Porém, temos que ter claro que a necessidade da ativação da coleta seletiva em todo o Brasil nada mais é que o sintoma da gravidade do problema do lixo.
A disposição dos 3Rs — Reduzir, Reutilizar e Reciclar — não atende somente à sonoridade da frase. Reduzir está em primeiro lugar, destacando que esta é a atitude de resultados positivos mais consistentes, com melhores conseqüências de longo prazo para o meio ambiente.
Reciclar é uma necessidade, mas, por si só, pode até servir na manutenção de péssimos hábitos de consumo cuja tendência, mais cedo ou mais tarde, implicará colapso que deve atingir algum recurso natural. O fato de este item estar hoje à frente dos outros dois na discussão pública do problema do lixo, atende a conveniências variadas, que juntam certas correntes de ecologistas, educadores e até setores com responsabilidade direta na produção desse tipo de lixo.
Atualmente a questão da reciclagem tem uma alta aceitabilidade política social. Até prefeituras sem nenhuma responsabilidade ambiental fazem no final do ano suas árvores de Natal de garrafas Pet ou outro lixo reciclável.
É um debate muito mais fácil de ser enfrentado do que a redução do lixo na fonte, ou seja, na produção industrial e nos hábitos de consumo com impactos ambientais. É muito mais fácil — para citar um objeto simbólico — ficar na conversa de que a latinha de alumínio deve ir para o lixo reciclável que discutir a redução ou abolição desse tipo de embalagem supostamente prática. Para esse tipo de discussão, inclusive, o ecologista jamais contará como o apoio de nenhuma grande indústria.
E quem aceitaria voltar à velha prática de comprar a cerveja ou o refrigerante levando o vasilhame usado para ser reutilizado? É apenas um exemplo, mas podemos pensar em muitos outros modos de vida abandonados por imposição das indústrias e da propaganda.
Centrar a discussão do lixo no ato de Reciclar pode também atender a interesses que não são propriamente ecológicos. A organização Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), responsável pela pesquisa sobre a coleta seletiva no Brasil que discutimos na semana passada traz entre suas empresas associadas a Ambev, Coca-Cola, Tetra Park e a Alcan.
Essas e outras empresas que compõem a Cempre tem interesse direto em manter o assunto no âmbito da reciclagem. As embalagens tetra park, usadas em variados produtos, causam graves problemas ambientais. Só no Paraná, são 500 milhões de embalagens todo ano. Segundo informações repassadas pela própria empresa ao governo paranaense, 35% deste total são recicladas. Ou seja, 340 milhões vão para aterros sanitários, lixões ou direto no meio ambiente.
As latinhas de alumínio são outro problema. Uma das vantagens da latinha, segundo a Alcan diz em seu site na internet, é que ela não enferruja. De fato, o alumínio não se desfaz na natureza, mas levando em conta que sobe de ano pra ano o consumo de bebidas em lata (com 12,2 bilhões de unidades em 2007), é discutível ver nisso uma vantagem.
Além do mais, é preciso levar em conta também os outros custos inerentes ao processo de fabricação das latinhas, como os problemas ecológicos gerados pela atividade mineradora e o alto consumo de eletricidade. As empresas de alumínio utilizam hoje em dia 8% de toda a energia produzida no país, exigindo sempre mais, com a construção de usinas hidrelétricas, com terras e matas perdidas, além da destruição da vida aquática e da água potável.
Para o problema dos resíduos sólidos as dificuldades podem ser bem maiores que encontrar o lixo adequado. E a reciclagem, isoladamente, pode até servir apenas para escamotear o verdadeiro debate.
É óbvio que com isso, não queremos dizer que o ato de Reciclar deve ser colocado à parte. É uma medida altamente necessária. Mas entre os erres, é melhor prestar bastante atenção ao primeiro. E começar a adquirir a consciência de que no longo prazo, para uma economia sustentável ecologicamente, não há espaço para tanta latinha. Reciclada ou não.
* Texto do Movimento Água da Nossa Gente
[EcoDebate, 09/02/2009]
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