(mudanças climáticas) Muitos avisos, muita imprudência, artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Apesar da crise financeira – que também pode ser um motivo a mais -, o Brasil precisa mudar com urgência sua postura em relação às questões do clima. Embora o Fórum Econômico de Davos não tenha avançado (a Europa até recuou em sua proposta de auxílio econômico aos “subdesenvolvidos” nessa área), quase todos os participantes puseram em evidência a dramaticidade da situação. E as últimas notícias são, de fato, alarmantes.
1) A OTAN alerta que o fim do degelo no Ártico até 2013 poderá gerar graves conflitos entre EUA, Canadá, Rússia, China e outros países, em busca de domínio sobre rotas de navegação e áreas para exploração de petróleo. 2) Um painel da ONU informa que a acidificação dos oceanos (pela absorção de mais carbono) ameaça extinguir corais, moluscos e outros elos das cadeias da biodiversidade marinha. 3) Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, já estão ameaçados 35% das espécies de pássaros, 52% dos anfíbios e 71% dos corais. 4) O balanço dos desastres climáticos em 2008 é terrível: 211 milhões de vítimas de “desastres naturais”, entre elas 235 mil mortos; prejuízos financeiros de US$ 181 bilhões (US$ 835 bilhões em dez anos).
No Brasil o panorama não é menos inquietante: mais de 1,5 milhão de pessoas atingidas, centenas de milhares de desalojadas, dezenas de milhares de desabrigadas, dezenas de mortes em vários Estados. Em Pelotas (RS), depois de cinco meses de seca que levou à perda de lavouras, em poucas horas caiu mais chuva que toda a prevista para um mês. Debarati Guha-Sapir, diretora do Centro de Pesquisa sobre a Epidemiologia dos Desastres (que fornece à ONU as informações sobre os desastres no mundo), afirma que “não há vontade política no Brasil para lidar com desastres naturais” (Estado, 25/1). E tem toda a razão.
Levamos 12 anos, após a aprovação da Convenção do Clima, em 1992, no Rio de Janeiro, para apresentar em 2004 nosso primeiro inventário (referente a 1994) de emissões (total de 1,03 bilhão de toneladas anuais de poluentes, 75% dos quais por causa de desmatamentos e queimadas); levamos 14 anos para criar uma Secretaria de Mudanças Climáticas no Ministério do Meio Ambiente; mais dois anos para ter uma Política Nacional de Mudanças Climáticas, severamente criticada por instituições científicas e organizações sociais da área do meio ambiente. Tudo seguindo um pensamento de que o tema não era prioritário nem tinha pressa: em 2001, quando o autor destas linhas enfatizava na Comissão da Agenda 21 que era preciso dar força a essa questão na área de ciência e tecnologia da agenda em construção, o representante do Itamaraty na comissão disse que esta não deveria entrar no assunto, que era “privativo” daquele Ministério e da área de segurança nacional; em 2003, já como representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência na comissão, de novo este escriba propôs que se criasse na agenda um capítulo específico sobre o clima – a proposta foi aprovada, mas nada de concreto aconteceu.
Se não avançar rumo à criação de um Ministério específico para o clima, que fará o governo para coordenar necessidades tão diversificadas e espalhadas por várias áreas, sem que uma possa dizer à outra o que fazer – e numa hora em que, segundo disse a este jornal o ex-secretário-geral do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, o governo federal não tem uma visão ambiental que seja “transversal” nos Ministérios? Como cuidará da “mitigação” dos desastres e adaptação às mudanças, como vêm recomendando há décadas os cientistas?
Alguns exemplos: 1) Que fará nas cidades e no respectivo Ministério para remover de morros e encostas populações neles estabelecidas e que correm risco? E com as populações que ocupam planícies naturais de inundação de rios, sujeitas a enchentes periódicas em cidades com o solo todo impermeabilizado pelo asfalto e sem redes de drenagem adequadas para águas de chuvas? 2) Como conjugará isso com a indispensável e urgente necessidade de revisão dos cálculos de construção urbanos e, no Ministério dos Transportes, da rede viária (estradas e pontes), para que não desmoronem nos momentos de fortes cargas de chuva em curto espaço de tempo? 3) Que fará no desenvolvimento industrial para conseguir que se produzam veículos menos poluentes? E para que a inspeção veicular anual seja estendida a todo o País e todos os veículos? 4) Quando começará a cuidar de fato, no respectivo Ministério, da matriz energética para, neste momento em que se reduz o consumo de energia, deixar de lado os bilionários programas de implantação de mais hidrelétricas, termoelétricas (altamente poluidoras, de energia mais cara e inúteis grande parte do tempo) e 60 usinas nucleares (caras, sem destinação para o lixo nuclear perigoso, perigosas)? 5) Quando dará ênfase às energias alternativas e limpas, em que nossas possibilidades são imensas (o Proinfa, programa para a área, este ano destina apenas R$ 1,5 bilhão, muitas vezes menos que uma única hidrelétrica na Amazônia)? 6) Quando colocará mais recursos na produção de variedades agrícolas mais resistentes ao calor? 7) Quando proverá mais recursos para a pesquisa científica e tecnológica relacionada com o clima e a biodiversidade?
Seria possível enumerar muito mais razões que justifiquem a necessidade de dar ao tema do clima a importância, a visibilidade e o poder de influenciar as decisões políticas e administrativas (nas áreas de reforma agrária, recursos pesqueiros, saúde, recursos hídricos, saneamento, entre outras – sem falar na insondável Secretaria de Assuntos Estratégicos). Mas não é preciso. Basta lembrar que no Fórum Social Mundial ministros brasileiros discutiam publicamente suas desavenças a respeito de temas ali relevantes para se ver que já estamos atrasados demais. Anacrônicos. Pior que tudo, muito imprudentes.
Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
*Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo, 06/02/2009
[EcoDebate, 09/02/2009]
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