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Notícia

(Crise financeira global) Uma crise devastadora

Uma avalancha. A palavra talvez seja a expressão mais correta para definir os estragos da crise mundial. Numa avalancha, a massa de neve e gelo desce rápida e violentamente pela encosta das altas montanhas, arrastando consigo fragmentos de rochas, florestas, habitações, e tudo o que encontra pela frente. Após se deslocar do capital financeiro para o capital produtivo, a crise econômica mostrou a sua face mais violenta e, feita uma avalancha vem dizimando milhares de empregos em todo o mundo.

Segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o número de desempregados deve aumentar entre 18 e 30 milhões neste ano, podendo chegar a 50 milhões com o agravamento da situação econômica. Nas palavras de Juan Somavia, diretor geral da OIT, o prognóstico da organização “é realista, e não alarmista”. A mesma OIT anunciou na semana passada que o desemprego atingirá fortemente a América Latina.

A crise alcança indistintamente todos os países. A maior economia do mundo, a americana, epicentro da crise, está entre as mais atingidas. O ano de 2008, com 2,6 milhões de empregos suprimidos, já entrou para a história como o pior ano para o mercado de trabalho nos Estados Unidos desde 1945, quando o país perdeu 2,75 milhões de vagas com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Os grandes bancos do país se encontram na UTI, e as empresas do capital produtivo demitem aos milhares. Apenas em dezembro as empresas do setor privado eliminaram 693 mil postos de trabalho. Faz poucos dias, a Circuit City, segunda maior rede de eletroeletrônicos dos Estados Unidos, anunciou que liquidará suas operações – a empresa vai fechar 567 lojas e cortar 30 mil empregos.

Nunca é demais lembrar que os estragos apenas não são maiores porque o governo americano abriu os cofres para bancos e montadoras numa medida desesperada para mitigar os prejuízos. Apenas em janeiro desse ano, as grandes empresas globais cortaram mais de 300 mil vagas.

Na Europa, a situação não é diferente e assiste-se a uma onda de demissões. A crise vem solapando também a emergente China, considerada a fábrica do mundo. Milhares de trabalhadores estão retornando para os seus povoados de origem frente à falta de atividades ou o fechamento das fábricas nas quais trabalhavam. Tudo culpa da crise mundial. O presidente chinês, Hu Jintao, disse que o país enfrenta uma situação “muito sombria” no trabalho, e que enfrentar a crise vai ser uma “prova da capacidade do Partido Comunista para governar”.

O Banco Mundial prevê que a economia chinesa irá crescer 7,5% em 2009, o valor mais baixo dos últimos 19 anos. Índice ainda impressionante quando comparado ao restante do mundo, para o qual se prevê recessão, ou seja, crescimento vegetativo, ou mesmo negativo. O Brasil, nas estimativas mais otimistas e, considerada por muitos como ilusória, fala em 4%. O mais provável é que o crescimento fique em torno de 2%.

Para o Fundo Monetário Internacional (FMI) o mundo crescerá entre 1% e 1,5% em 2009 e estará em sua pior situação desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O aumento da pobreza será um dos principais sintomas.

Pelas bandas da América Latina, a situação não é diferente. Todos os países do continente lamentam a crise após a retomada do crescimento. Os argentinos já se preparam para mais uma crise, a sexta desde 1975. Já se prevê inclusive a volta de moedas paralelas que na crise do início dos anos 2000 foram fundamentais na estratégia de sobrevivência de milhares de pessoas.

No Brasil, o impacto da crise no mercado de trabalho é assustador. Os índices até então positivos de emprego despencaram, e assiste-se a uma enxurrada de demissões. O presidente Lula admitiu
que em dezembro foram registradas perdas de 600 mil vagas no mercado de trabalho, um número bem mais alto do que a média dessa época do ano. A produção industrial caiu vertiginosamente em todo o país. A indústria, o setor até então mais dinâmico que sustentava o forte crescimento do PIB, é agora o que mais elimina postos de trabalho.

Apenas em dezembro, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em São Paulo, a locomotiva produtiva do país, foram fechadas 130 mil vagas. No início do ano, quase um terço da indústria brasileira anunciou que iria reduzir o número de empregados.

A velocidade da crise surpreende a própria Fiesp. O ritmo de demissões é tão grande que os sindicalistas pediram uma “acalmada” por parte dos empresários. O economista Paulo Nogueira Batista Jr. já fala em recessão: “A definição mais comum de recessão é a queda do PIB em dois trimestres consecutivos, isto é, duas diminuições trimestre contra trimestre na série com ajuste sazonal. Por essa definição, é bem possível que uma recessão tenha começado em outubro último”.

Entre os setores que mais demitiram está o automotivo. Todas as grandes montadoras colocaram gente na rua, apesar das linhas de crédito disponibilizadas pelo governo e da produtividade ter atingido recordes inéditos. Ricardo Melo, jornalista, comenta: “Uma olhada nos dados da Anfavea indica que, excluída a rubrica de máquinas agrícolas e automotrizes, o setor, em 1991, empregava cerca de 110 mil pessoas para produzir 960 mil veículos. Já no ano passado, com praticamante o mesmo número de funcionários, as empresas fabricaram nada mais, nada menos que 3,2 milhões de unidades. O ganho espantoso de produtividade, tenha certeza, não foi parar no bolso dos trabalhadores”.

Quem vem demitindo também é o agronegócio. Em dezembro de 2008, o número de desempregados no campo foi de 134 mil pessoas, o dobro do registrado no mesmo mês de 2007. E mais: a perda de postos de trabalho no setor sucroalcooleiro contribuiu com nada menos que 70,1 mil demissões. Os desempregados nas lavouras de cana correspondem a 52% do total, ou seja, os que mais demitiram foram os usineiros — a quem Lula chamou de “heróis” em 2007 por terem uma “política séria” de investimentos.

Os mais vulneráveis na linha de corte do mercado de trabalho são aqueles quem têm contrato temporário ou terceirizados. Como esse tipo de relação trabalhista é frágil, fica mais simples e barato para as empresas a dispensa desses profissionais do que a de funcionários com vínculo tradicional. Segundo estimativa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), cerca de 25% dos profissionais com carteira assinada no País têm a chamada relação precarizada com seus empregadores – o que inclui terceirizados, temporários, que são a maioria, além de estagiários e os contratados como pessoa jurídica. Isso significa que cerca de 7,7 milhões de brasileiros estão na berlinda e têm mais chance de perder o posto de trabalho neste momento.

Em tempos de crise, o desemprego também revela a sua face nas grandes metrópoles do país. E ela é majoritariamente feminina, preta ou parda, jovem e com pelo menos o ensino médio completo, segundo dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego) levantados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O presidente Lula está assustado com a quantidade de demissões e falou que não esperava “uma porretada tão grande”. Segundo o jornalista Kennedy Alencar, o presidente disse em reunião com banqueiros: “Não é para vazar. Se vazar o que vou dizer, vocês estão fodidos. Mas eu fiquei muito assustado com a quantidade de demissões em dezembro. Fiquei puto. Não esperava”. O presidente usou palavrões para se referir a ações do governo que não chegariam “na ponta”. Uma dessas ações seria a recomendação para que os bancos oficiais baixem o “spread” – diferença entre o custo de captação dos recursos para os bancos e o que essas instituições financeiras cobram de clientes nas diversas operações de empréstimo.

As centrais sindicais estão em estado de alerta. A CUT deflagrou o movimento Os trabalhadores e trabalhadoras não pagarão pela crise. A campanha vai reivindicar garantia de emprego, manutenção dos direitos dos trabalhadores, queda imediata dos juros e a contrapartida das empresas que receberem incentivos do governo. A Força Sindical, por sua vez, calcula em cerca de 3 milhões os postos de trabalho eliminados até março, ou 10% dos brasileiros com carteira assinada.

Curiosamente, a crise vem revigorando o movimento sindical brasileiro. Com o corte drástico de empregos, os presidentes das entidades ganharam voz nas negociações com governadores, presidentes de federações de indústrias, empresários, ministros e até com o presidente da República. “Vocês têm que cobrar mesmo!”, admitiu Lula num encontro recente com dirigentes de centrais sindicais.

(Ecodebate, 05/02/2009) publicado pelo IHU On-line, 04/02/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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