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É preciso mudar radicalmente o método de decidir e colocar em prática projetos hidrelétricos no Brasil. Entrevista especial com Lúcio Flávio Pinto

A polêmica construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (Pará) é o tema da entrevista realizada por e-mail pela IHU On-Line com o jornalista Lúcio Flávio Pinto. Para ele, a hidrelétrica foi concebida para atender os grandes consumidores de energia, no caso, as fábricas de alumínio da Albrás, no Pará, e da Alumar, em São Luís do Maranhão. Lúcio Flávio acrescenta que o objetivo do projeto não é deixar pelo menos parte da energia produzida na Amazônia, mas “atender os projetos de exportação que necessitam de grandes blocos de energia firme, estável”, o que “consolida de vez a condição do Pará como exportador de energia bruta”. E dispara: “Energia é assunto sério demais para ser tratado apenas por barragistas e o seu entorno político-burocrático”.

Jornalista profissional desde 1966, percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa brasileira. Atualmente, dedica-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho há 20 anos, baseada em Belém. No jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas, que em 1988 considerou o Jornal Pessoal a melhor publicação do Norte e Nordeste do país. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York, pelas denúncias que tem feito em seu jornal, na defesa da Amazônia e dos direitos humanos.

Tem 12 livros publicados, todos sobre a Amazônia, os últimos dos quais são: Hidrelétricas na Amazônia, Internacionalização da Amazônia, CVRD: a sigla do enclave na Amazônia, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. É sociólogo, formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como podemos entender o projeto da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu? Como é possível que o custo da transmissão supere o da geração de energia?

Lúcio Flávio Pinto – Como o rio Xingu fica muito distante dos grandes centros consumidores do Brasil, que a usina pretende atingir, as linhas de transmissão têm que cobrir um longo percurso, de até três mil quilômetros, em alta tensão. Por isso o investimento é tão alto, invertendo os termos tradicionais desse investimento, que é instalar hidrelétricas o mais próximo possível dos locais de atendimento.

IHU On-Line – Como o senhor avalia que a Eletronorte tem conduzido essas obras?

Lúcio Flávio Pinto – A Eletronorte raramente diz a verdade – ou toda verdade – desde o início. Quando o primeiro projeto de aproveitamento energético do rio Xingu foi apresentado, ele era composto por seis barramentos. Hoje, a Eletronorte jura que o projeto é viável com uma única hidrelétrica. A redução foi sendo feita na medida das objeções consistentes apresentadas pelos críticos do empreendimento. Essa estratégia sugere que a Eletronorte está apenas dourando a pílula, que continua senso a mesma – e amarga: só é viável economicamente o investimento se vários aproveitamentos forem feitos ao longo da bacia, o que torna o projeto inviável da perspectiva ambiental. Não há um diálogo franco. Em parte, por culpa de críticos que apenas negam o projeto sem conhecê-lo. Mas, sobretudo, por causa da postura autoritária da Eletronorte, que quer realizar o projeto de qualquer maneira.

IHU On-Line – Quem será beneficiado com a hidrelétrica de Belo Monte? Para quem ela gerará energia?

Lúcio Flávio Pinto – Ela foi concebida para atender os grandes consumidores de energia. Por enquanto, há apenas dois consumidores desse porte na região, que são as fábricas de alumínio da Albrás, no Pará, e da Alumar, em São Luís do Maranhão, que podiam justificar uma linha oeste-leste. O sentido predominante, porém, será norte sul, se não surgirem novos projetos eletro-intensivos na região, que criariam demanda significativa e manteriam parte da produção na própria Amazônia. Mas o objetivo do projeto é atender os projetos de exportação que necessitam de grandes blocos de energia firme, estável.

IHU On-Line – Por que o senhor considera que a obra de Belo Monte se trata de um projeto colonial?

Lúcio Flávio Pinto – Porque consolida de vez a condição do Pará como exportador de energia bruta. O Estado é o quinto maior produtor de energia do país e o terceiro em energia bruta (resultante da diferença entre o que exporta e o que importa). Com Belo Monte, será o segundo ou, talvez, o primeiro, passando à frente de Minas Gerais e do Paraná. A transformação da energia bruta em produtos acabados não ocorrerá no Pará, o Estado que tem o maior potencial hidrelétrico do Brasil, mas nas unidades da federação que receberão a matéria prima. E como a transferência de energia bruta de um estado brasileiro para outro é isenta de ICMs, a energia será mais barata no lugar que a recebe do que a produz. Por isso é que o Pará, sendo o segundo maior em território, sendo o nono em população, é apenas o 16º em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Poderá ficar em situação ainda pior no futuro com projetos como Belo Monte. Será um crescimento econômico rabo-de-cavalo: cresce, mas para baixo.

IHU On-Line – Como ficará a geração de energia no período seco no Pará?

Lúcio Flávio Pinto – Uma usina com 20 máquinas, cada uma delas com capacidade de gerar 500 MW (um terço a mais do que Tucuruí, a maior hidrelétrica inteiramente nacional, no rio Tocantins, também no Pará) ficará praticamente paralisada durante cinco meses por falta de água. A diferença de vertimento no Xingu é de 30 vezes menos entre o inverno e o verão. Através do Sistema Integrado Nacional poderia, em tese, vir energia do sul do país, nesse momento do ano, em outro período hidrológico. Mas sem grande consumo, essa inversão não será viável economicamente.

IHU On-Line – Quais as conseqüências, para a questão energética, da falta de demanda de energia no Pará? Qual a importância aqui do surgimento de empreendimentos produtivos que justifiquem a oferta abundante de energia?

Lúcio Flávio Pinto – O Pará tem que aproveitar seu enorme potencial energético para empreendimentos produtivos verticalizados, capazes de agregar mais valor ao produto e assim, gerando mais renda, ter um efeito germinativo maior. Infelizmente, o Pará foi obrigado a se especializar em exportação de matérias primas e insumos básicos. É, hoje, o 2º Estado que mais gera divisas líquidas para o país. Mas como, pela malfadada Lei Kandir, de 1997 (“por coincidência”, o mesmo ano da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que é a maior empresa exportadora do país, utilizando em sua atividade os recursos naturais do Pará, como minério de ferro, manganês, cobre, bauxita, alumina, alumínio e caulim), esse tipo de exportação é isento de imposto, o Pará tem visto o trem partir carregado de riquezas sem nenhum efeito positivo. Só fica o apito do trem.

IHU On-Line – Quais os principais impactos ambientais e sociais que envolvem a construção de uma hidrelétrica, principalmente no caso de Belo Monte?

Lúcio Flávio Pinto – As características físicas da Amazônia, com rios de planície, de baixa declividade natural, desaconselham os mega-aproveitamentos hidrelétricos, que exigem a criação de um grande desnível artificial para permitir a movimentação das pesadas turbinas. É essa a melhor concepção de engenharia para a região. Ela pode ser alterada com inovações tecnológicas, como a adoção de turbinas bulbos. O problema é que elas não têm a mesma potência das turbinas convencionais, tipo Kaplan, e não há hidrelétricas com maior quantidade de turbinas bulbo instaladas. O projeto hidrelétrico para o Rio Madeira pretende enfrentar esse desafio, já que lá a barragem é de baixa queda. Mas até o construtor nos convencer sobre o ajuste do projeto ao meio ambiente, é preciso submeter o discurso ao teste de consistência, o que não tem sido feito.

IHU On-Line – Qual sua opinião sobre a geração de energia por meio de hidrelétrica? Qual a importância de investir em fontes de energia alternativa, tanto para o consumo local, quando para exportação?

Lúcio Flávio Pinto – Não sou intransigentemente contra o aproveitamento hidrelétrico. Acho que ele pode ser feito em barragens de baixa queda e para atender consumidores próximos, para o país não gastar tanto dinheiro e causar tantos efeitos negativos com linhas de grande extensão. Mas a intervenção deve ser feita com extremo critério e cuidado. E com honestidade absoluta. Não a toque de caixa, no impulso de discursos fáceis e para consolidar as distorções econômicas e sociais desse modelo. É preciso mudar radicalmente o método de decidir e colocar em prática projetos hidrelétricos no Brasil, com destaque à Amazônia, que tem as reservas de hidroeletricidade em potencial. Mas sou a favor de investir tanto ou mais na conservação da energia, na racionalização dos processos e nas vias alternativas ajustadas às condições do nosso país. Energia é assunto sério demais para ser tratado apenas por barragistas e o seu entorno político-burocrático.

(Ecodebate, 04/02/2009) publicado pelo IHU On-line, 03/02/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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