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Pauta especial: Fórum Social Mundial 2009, 26/01/2009

Participantes do Fórum Social Mundial, na abertura dos trabalhos do 3º Fórum Social Mundial da Saúde Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Participantes do Fórum Social Mundial, na abertura dos trabalhos do 3º Fórum Social Mundial da Saúde Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

  • Encontro está “atrasado” e precisa de atualização, diz o cientista social e filósofo Emir Sader
  • Grajew aposta em discussões sobre sustentabilidade ambiental e neoliberalismo
  • Indígenas querem respeito de países limítrofes à Amazônia
  • Fórum Social Mundial da Saúde (FSMS) discute modelo universal de saúde pública até terça-feira

Encontro está “atrasado” e precisa de atualização, diz o cientista social e filósofo Emir Sader

Em sua nona edição, o Fórum Social Mundial (FSM) tem como desafio atualizar-se frente à “luta real” contra o neoliberalismo e à nova configuração política da América Latina. É o que espera o cientista social e filósofo Emir Sader, figura importante das edições anteriores do evento. Na avaliação de Sader, o fórum ficou atrasado ao se posicionar apenas como um “espaço de resistência”. Matéria de Amanda Cieglinski.

“Ele ficou girando em falso na medida em que se colocou apenas como fórum de crítica ao neoliberalismo. Desde que ele se fundou, a luta contra o neoliberalismo passou de resistência à construção de alternativas, do que a América Latina é a melhor expressão”, defende o especialista que durante o evento lançará o livro A Nova Toupeira, sobre as mudanças nos rumos da política latino-americana.

Para Sader, os movimentos sociais do fórum não se reconectaram às mudanças políticas e por isso esvaziaram-se. Ele crítica ainda a falta de participação de políticos, governantes e de outras autoridades no evento, que é essencialmente promovido por entidades da sociedade civil. O filósofo acredita que este é o momento de o fórum romper a barreira do discurso e passar para a apresentação de modelos alternativos de organização social e econômica.

“Antes, o que nos restava era anunciar que um outro mundo era possível. Desde então há alternativas concretas sendo construídas. Se ele [o Fórum] não tiver propostas para a crise do neoliberalismo de hoje, se ele não tiver propostas para a paz no mundo, se ele não tiver propostas de construção de modelos alternativos, ele vai ficar para trás. Espero que não seja apenas como uma análise crítica, mas propostas de uma alternativa. ”, avalia.

A presença confirmada de cinco presidentes latino-americanos no fórum é vista pelo sociólogo como uma boa chance para o evento se atualizar. “A carta original do FSM falava na participação só de movimentos sociais e expressamente excluía forças políticas. O problema é que as alternativas passam por governos. É preciso rearticular de uma maneira nova a luta social com a luta política”, aponta.

Grajew aposta em discussões sobre sustentabilidade ambiental e neoliberalismo

Considerado “pai” do Fórum Social Mundial (FSM), o presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Oded Grajew, acredita que desde a primeira edição em Porto Alegre, em 2001, sua criatura “amadureceu, se consolidou e se espalhou pelo mundo”.

Às vésperas da nona edição do FSM, que trocou o Sul pela Amazônia e vai estar em Belém (PA) entre 27 de janeiro e 1° de fevereiro, Grajew aposta na discussão sobre a sustentabilidade ambiental e o esgotamento do modelo econômico neoliberal como os principais assuntos deste encontro. Matéria de Amanda Cieglinski e Luana Lourenço.

“A escolha da Amazônia não foi fortuita. É o primeiro fórum que vai ter a questão da sustentabilidade, do modelo econômico como predador do meio ambiente, provocador do aquecimento global e do esgotamento dos recursos naturais”, afirmou em entrevista à Agência Brasil.

Nove anos depois de Porto Alegre, Grajew acredita que as bandeiras do fórum não sofreram mudanças radicais “porque não são lutas conjunturais, são estruturais”. No entanto, o empresário reconhece que a relação entre o evento e os governos, principalmente na América Latina, mudou desde 2001. Grajew inclusive atribui ao fórum parte da responsabilidade pela nova configuração política do continente, com nomes históricos da esquerda latino-americana ocupando as presidências.

“O fórum tem a ver com isso porque naquela época (2001) o neoliberalismo era o dominante. O Carlos Ménem, da Argentina, era o herói do Fórum Econômico Mundial, era o modelo apresentado para todos os países em desenvolvimento. E ele acabou levando a Argentina à bancarrota”, avalia.

Na entrevista, Grajew também comenta a expectativa do FSM em relação à gestão de Barack Obama nos Estados Unidos, a presença de nomes como os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Hugo Chávez e Evo Morales e o risco de transformação do fórum em um palanque político.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Oded Grajew.

Agência Brasil: Quais são os temas que deverão dominar as discussões do Fórum Social Mundial este ano?
Oded Grajew: Vai ser primeiro a questão da sustentabilidade, a questão do modelo econômico como predador do meio ambiente, como provocador do aquecimento global e do esgotamento dos recursos naturais. A escolha da Amazônia não foi uma escolha fortuita. É uma escolha exatamente para estar presente no lugar onde essas coisas estão mais presentes, num lugar tão simbólico para o meio ambiente mundial, para o clima mundial.

ABr: Da primeira edição em Porto Alegre até hoje, o que o senhor acha que mudou no fórum?
Grajew: Desde o momento em que eu tive a idéia do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2000, se passou um ano, pouco tempo até a concretização em Porto Alegre, em 2001. De lá para cá, o que aconteceu foi que o fórum se mundializou, se espalhou pelo mundo. No começo era Porto Alegre, depois começou a ser internacionalizado, andou pelo mundo, teve várias edições mundiais fora do Brasil. Enfim, um processo que se espalhou e que acabou construindo uma série de redes pelo mundo. O fórum virou uma realidade, um ator importante e se consolidou com uma série de conseqüências e de resultados.

ABr: As bandeiras defendidas pelo fórum, as lutas continuam as mesmas após quase 10 anos?
Grajew: Sim, porque as lutas do fórum não são lutas conjunturais, são estruturais. Então não há nenhuma luta para uma ação imediata de alguma coisa. Como bandeiras principais, um outro mundo possível onde os valores da democracia, da justiça social, do desenvolvimento sustentável, da ética, isso continua, como a questão da solidariedade versus competição, o social como determinante das ações e não o econômico e não submetido ao econômico; isso continua. O fórum trabalha numa mudança cultural, isso leva um tempo.

ABr: O senhor acredita que o fórum pode ser usado como palanque por alguns políticos?
Grajew: É um espaço da sociedade civil, governantes que tem a ver com os princípios do fórum são bem-vindos, mas eles são convidados das entidades, não há atividades governamentais. De um lado, é bom que essas pessoas estejam lá porque inclusive há fóruns paralelos, há fóruns das autoridades locais onde vão muitos prefeitos, há fóruns parlamentares. Agora, há sempre o risco de desviar a atenção do conteúdo do fórum, isso é muito comum acontecer na mídia. Há uma tendência de você folclorizar o fórum, de dar atenção para um rapaz que viajou 300 mil quilômetros para tocar violão na beira do rio. Desvia a atenção do imenso conteúdo do fórum e, muitas vezes, presenças de governantes também acabam desviando a atenção do que realmente ocorre nas oficinas, nas palestras, nas conferências. Faz parte porque todo político busca um palanque, isso não é só no Brasil, mas em qualquer país do mundo. Mas isso faz parte, quanto mais gente esteja lá e que tem a er com a carta de princípios do fórum é melhor.

ABr: Os presidente Lula, Evo Morales, Hugo Chávez e Fernando Lugo vão participar do fórum. Essa nova configuração política da América Latina é diferente da que existia na primeira edição, em 2001?

Grajew: Claro. E o fórum tem a ver com isso porque naquela época era o neoliberalismo que era dominante. O Carlos Ménem [ex-presidente da Argentina] era o herói do Fórum Econômico Mundial, o modelo apresentado para todos os países em desenvolvimento. Todos diziam: ‘Olha, tem que seguir o Ménem porque ele sabe o que está fazendo’. E ele acabou levando a Argentina à bancarrota. O mapa político da América Latina era completamente diferente e o neoliberalismo era idolatrado naquela época. E o Fórum Social Mundial, por estar nos três primeiros anos em Porto Alegre, teve e tem muita presença latino-americana; e basicamente todos os atuais presidentes que você citou faziam parte do fórum, iam para o fórum, o próprio Lula. O fórum ajudou muito a mudar o mapa político na América Latina, isso não tem a menor dúvida.

ABr: Essa relação mais próxima entre o fórum e as lideranças políticas muda o tom das discussões?
Grajew: Exatamente. Porque uma coisa é você mudar uma política, outra coisa é você implementar políticas. Mudou. Mudou o quadro político não só da América Latina, mas do mundo. Hoje, na América Latina, é muito difícil achar alguém que adote as teses do neoliberalismo e hoje acho que é muito difícil alguém no mundo adotar essa tese, depois dessa bancarrota financeira. Às vezes, é preciso um grande desastre para que as pessoas percebam que o caminho estava errado. Hoje, é muito difícil defender as idéias que o Fórum Econômico Mundial defendia naquela época.

ABr: O novo presidente norte-americano Barack Obama também deverá ser assunto das discussões do fórum?
Grajew: Ele vai ser parte da discussão como uma possibilidade de mudança. Ainda não dá para saber o que vai acontecer, está muito em cima. Vamos ver o que vai dar, mas sempre com a expectativa do que vai resultar.

Indígenas querem respeito de países limítrofes à Amazônia

Os indígenas presentes no Fórum Social Mundial querem ter um representante na comissão de cinco lideranças que se reunirá na próxima sexta-feira (30), em Belém, com os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, da Venezuela, Hugo Chavez, da Bolívia, Evo Morales, do Equador, Rafael Correa e do Paraguai, Fernando Lugo.

Para isso, já indicaram como representante Blanca Chancosa, coordenadora da Escola de Mulheres Dolores Cacuondo. De acordo com o líder indígena equatoriano Wilwer Zilca, representante da Coordenação Andina de Organizações Indígenas (Caoi), os índios pedirão respeito aos presidentes. “Queremos nos reunir para dizer que os presidente não podem continuar entregando nossas terras para mineradoras e petroleiras e nossos bosques para o cultivo de agrocombustíveis. Quando os Estados retiram nossas terras, somos obrigados a nos colocar contra [eles] e, quando nos defendemos, os Estados começam a nos criminalizar, nos chamar de terroristas. Não vamos aceitar isso”, disse Wilwer. Matéria de Juliana Cézar Nunes e Lourival Macedo.

Cerca de mil indígenas, do Brasil e de países da chamada pan-amazônica, estão em Belém para participar do Fórum Social Mundial, que começa na terça-feira (27). Eles estão alojados e cinco escolas da Universidade Federal Rural do Pará. No primeiro dia do fórum, eles vão fazer um ato no campo de futebol da universidade no qual pretendem formar uma “faixa humana” com a inscrição “Salve a Amazônia”.

De acordo com a líder indígena Ticuna (do Alto Solimões) Josiane Otaviano Guilherme o objetivo da manifestação é chamar a atenção do mundo para o direito indígena, principalmente sobre o direito a terra, como forma de preservação da Amazônia. “ Nos somos os verdadeiros guardiões da Amazônia e precisamos ser respeitados”, considerou.

Do Brasil, são esperados no encontro, cerca de três mil indígenas e das comunidades internacionais, devem participar cerca de 270 lideranças.

Fórum Social Mundial da Saúde (FSMS) discute modelo universal de saúde pública até terça-feira

A implantação de sistemas universais de saúde pública será a principal discussão do Fórum Social Mundial da Saúde (FSMS), que começou ontem (25) em Belém. Os debates ocorrem até terça-feira (27), quando inicia a nona edição do Fórum Social Mundial.

Durante a abertura, os organizadores do evento lembraram a necessidade de ir além dos debates e discussões e chegar a proposições de ações para mudar a saúde pública. Para Armando Negri, presidente do comitê-executivo do FSMS, a crise econômica mundial pode afetar ainda mais o acesso da população ao atendimento de saúde. Matéria de Amanda Cieglinski.

“Diante dessa crise estrutural do neoliberalismo, temos que fazer outras opções do ponto de vista do desenvolvimento e parte integral disso é reafirmar a luta pelo direito a sistemas universais e integrais em que todas as pessoas tem acesso ao que necessitam no campo da saúde sem que isso seja mediado pela sua inserção no mercado de trabalho”, defendeu.

Durante a abertura, foi realizado um ritual xamânico de harmonização por um participante da Gutemala. A coordenadora do Movimento para a Saúde dos Povos, Maria Zuniga, da Nicarágua, o modelo neoliberal vive um “momento crítico” e cabe aos movimentos sociais pensar em alternativas.

“Temos que trabalhar para criar uma consciência na população sobre o direito à saúde. A saúde não é só ter um médico, remédios ou poder fazer uma consulta. Para nós o conceito de saúde é poder viver bem. O que queremos compartilhar com os movimentos aqui representados é o direito fundamental do bem-estar e não depender da indústria da saúde”, criticou.

Hoje (26) os participantes fazem um ato político em defesa dos sistemas de saúde universais. Durante a atividade, está prevista a participação do ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Matérias da Agência Brasil, publicadas pelo EcoDebate, 24/01/2009

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