‘A crise ambiental traz uma imensa crise de escassez para a humanidade’. Entrevista especial com Mauro Schorr
Imagem: Stockxpert
Em preparação para o Fórum Social Mundial 2009, que inicia no próximo dia 27 de janeiro, em Belém (PA), o coordenador do Instituto Anima de Cultura e Desenvolvimento Sustentável, com sede em Florianópolis – SC, Mauro Schorr, concedeu a entrevista que segue, por e-mail, para a IHU On-Line, adiantando aspectos do tema que ele abordará no evento. Mauro destaca, em suas respostas, que estamos entrando numa reta final de modelos de desenvolvimento que consomem muita energia. E explica que “isso gera uma grande crise: energética, vital, de saúde, de valores, de violência, de medo, de angústias. E estas crises são combatidas por efeitos paliativos, fantasiados por informações superficiais. O impacto profundo sempre recai nas costas da base da sociedade, como os produtores e empresários. A capilaridade econômica é afetada e exaurida e isso vai minando a democracia e perdendo força para seu verdadeiro renascimento”.
Neste momento de crise, Mauro aposta na necessidade de “um projeto político espiritual, não de natureza fragmentada religiosa ou mística, mas de cunho mais humano e espiritualista”. E acredita que a superação de “modelos burgueses”, sem o ódio a classes sociais mais abastadas, mas uma atenção e desapego a valores ainda infantis, pouco nobres, que não principiam a auto-superação e auto-correção, “são o primeiro passo para a educação do povo pelas próprias lideranças representativas”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A crise do meio ambiente representa também a crise da humanidade?
Mauro Schorr – Com certeza. Temos hoje gente demais no mundo se concentrando em cidades, há muito apelo a um consumismo sem limites, dentro de uma proposta de economia neoliberal mercadológica global, que gera muita poluição, concentração de renda e de poder. Tudo é vivido agora mais rapidamente e de forma mais intensa. A qualidade da própria vida natural do planeta já perdeu 30% de sua capacidade de manutenção adequada, e em 30 a 50 anos perderemos mais 50% dos recursos naturais saudáveis em muitos locais importantes. Em 100 anos teremos uma tremenda escassez de água potável.
Com o aumento da entrada de energias sintéticas na atmosfera, como gás carbono e metano, com novos raios e ondas emitidas por satélites, a ionização e o acúmulo de partículas aumenta grandemente, o que possibilita mais desastres naturais, maior quantidade de chuva e outros fenômenos. Estamos entrando numa reta final de modelos de desenvolvimento que consomem muita energia. Isso gera uma grande crise: energética, vital, de saúde, de valores, de violência, de medo, de angústias. E estas crises são combatidas por efeitos paliativos, fantasiados por informações superficiais. O impacto profundo sempre recai nas costas da base da sociedade, como os produtores e empresários. A capilaridade econômica é afetada e exaurida e isso vai minando a democracia e perdendo força para seu verdadeiro renascimento. Então, tudo isso explica que a crise ambiental traz uma imensa crise de escassez para a humanidade.
IHU On-Line – Que projeto ou modelo ambiental é indispensável num momento de crise como esse que estamos vivendo?
Mauro Schorr – Um projeto político espiritual, não de natureza fragmentada religiosa ou mística, mas de cunho mais humano e espiritualista, dedicado a servir e a resgatar valores nobres, elevados, divinos, reprocessados e sempre atualizados pela prática de muitos seres humanos iluminados, mestres espirituais até hoje presentes como Jesus, Buda, Moisés, Zaratrusta, Thot, Maomé, Krsna, Krishnamurti, Rudolf Steiner, Osho, e tantos outros, ou seja, os líderes políticos precisam ser exemplos da prática destes conteúdos e sabedorias espirituais, e não apenas instrumentos do poder econômico, pois os valores que estes políticos e o sistema na realidade advogam estão distantes de uma verdade que é sentida no coração e na alma das pessoas, e não são ressonantes com a natureza e a necessidade real da maioria da população, mas estão trocados pelo brilho sedutor do enriquecimento rápido e até da via mais corrupta de manipulação do poder central de quase todos os países da atualidade.
A superação de “modelos burgueses” sem o ódio a classes sociais mais abastadas, mas uma atenção e desapego a valores ainda infantis, pouco nobres, que não principiam a auto-superação e auto-correção, são o primeiro passo para a educação do povo pelas próprias lideranças representativas. Neste plano dual, há uma luta entre o bem e o mal em torno do domínio do planeta, e os esquemas obscuros precisam ser combatidos dentro destas visões espirituais e políticas, e absorvido este esforço por toda a sociedade, que está intoxicada e muito manipulada. Um novo modelo precisa purificar e despertar consciências, e não as aprisionar e escravizar.
Temos três paradigmas que já foram desenvolvidos: a era do extrativismo ou indígena; a era pré e industrial: colonial e moderna; e temos o novo paradigma da era holística e sustentável. Aqui entra a abordagem inter e transdisciplinar entre agroecologia, permacultura, biodinâmica, nutrição vital e integral, medicina natural, energética e espiritual, educação ambiental, ecológica, transpessoal, arte e espiritualidade harmônica, ou seja, uma nova cultura sustentável surge, e muito desafiante, por que pode levar a humanidade muito longe, rumo ao infinito.
IHU On-Line – Pode nos explicar qual a diferença entre agroecologia, biodinâmica e permacultura? Em que sentido esse conjunto pode representar o sonho da sustentabilidade?
Mauro Schorr – Nosso instituto é pioneiro no Brasil em unir a agroecologia, com alguns princípios da agricultura biodinâmica, goetheanismo e da permacultura primeiramente, que formam uma abordagem prática e potencial na maior sustentabilidade dos recursos naturais. Porém, agroecologia não pode servir apenas como um fator importante na geração de renda, o chamado “capitalismo verde”, mas pode ser fundamental na melhoria da qualidade de vida, e isto significa que é necessário estudar-se novos valores e hábitos que possam ser utilizados em uma alimentação mais saudável e nutritiva. Os alimentos agroecológicos chegam a ter 10 mil vezes mais vitaminas, sais minerais, oligoelementos, enzimas e coenzimas que os convencionais ou produzidos apenas agroquimicamente. Então, temos este caráter inter e transdisciplinar importante, na relação entre um solo vivo, agricultura biológica viva, alimento vivo, que gera uma nutrição vital e integral viva e, portanto, como conseqüência, surge uma medicina preventiva mais integral e viável, de menor custo. Isso é fundamental para as classes sociais mais desfavorecidas e para a melhoria da consciência da base de nossa sociedade.
Na moderna educação ambiental, valoriza-se muito a integração da agroecologia, com a nutrição integral e vital e a medicina natural. Outra questão é no âmbito do aproveitamento das sementes e produtos agrícolas, onde destacamos a importância do artesanato, da arte popular, e de sua geração de renda, onde tudo pode ser fator decisivo na fixação do agricultor familiar no campo, refletindo em alternativas de renda melhores para sua família. A mesma linha de pensamento é importante nas favelas e bairros de maior pobreza urbana.
Contudo, há na realidade atual em destaque a priorização de educação de crianças e jovens, que estão mais abertos, críticos e exigentes na absorção de novos conteúdos, sobretudo ecológicos. Toda esta gama de ações poderá ser articulada com associações de produtores rurais, com as federações representativas como a Fetaesc, Fetraf-Sul, Rede Ecovida, sindicatos rurais, empresários, certificadoras, UFSC, Udesc, Unisul, Univalle, Unioeste, para que surjam alternativas para a melhoria da qualidade de vida e preservação da agricultura familiar e do meio ambiente em nosso estado.
O sonho de sustentabilidade mundial representa, então, uma coerência, uma atitude menos utópica de se vivenciar uma cultura humana mais saudável, harmonizada com o planeta e seus ritmos naturais, buscando conciliar com a época em que vivemos, mais moderna e enriquecida de tecnologia e comodidades. Dois mundos diferentes podem estar, portanto, lado a lado: o da natureza e o da modernidade.
IHU On-Line – Com tantas diferenças entre as diversas regiões do planeta, é possível pensar num projeto agrícola mundial?
Mauro Schorr – Não é necessário, pois cada região precisa defender e potencializar suas realidades e sua cultura local. Este é o problema: impulsionar uma cultura e um padrão de produção homogêneo mundial, com um consumo de apenas 10 a 12 espécies vegetais, e o resto de nossa segurança e cultura alimentar vai se perder para sempre, como está acontecendo, e apenas seis ou dez mega empresas vão mandar no setor de alimentos mundial, e poderão até “comprar” quase todos os políticos que estarão no seu caminho para que este domínio mundial possa acontecer agora numa etapa quântica e mais nanotecnológica.
A pergunta mais interessante é se é possível uma permacultura e agroecologia no setor ruralista, e em grandes fazendas: é bem mais difícil, mas possível, com sistemas agrícolas organizados, adubos verdes que evitam ervas invasoras, plantio direto, inseticidas naturais, pode se tentar produzir ecologicamente em maior escala, por que este é o principal argumento do grande agronegócio: combater a fome, com maior quantidade de alimentos e maior produtividade. A questão é que se perde muito alimento neste olhar (30 a 40% se perde na lixeira). A sua qualidade não é comparável à orgânica, possui níveis de intoxicação com produtos químicos, e o impacto ambiental é imenso, com exportação de grande quantidade de água e minerais do solo do próprio país. É importante pensar na produção de uma maior diversidade de produtos, em menores escalas, que aproveitem a mão-de-obra existente, e na formação de sistemas de policultivos, reciclagem de resíduos, evitando o uso de transgênicos e insumos que não são produzidos localmente, incluindo as sementes e inseticidas naturais.
IHU On-Line – Qual sua proposta para um alcance global da permacultura e da agroecologia? Como elas podem assegurar a garantia alimentar?
Mauro Schorr – Formação de políticas de merenda agroecológica. Ela fixa os produtores, economiza recursos, melhora a saúde dos alunos e gera renda local, sem ônus de transporte interestaduais. Além disso, agroecologia em postos de saúde e hospitais pode ajudar a saúde e os processos curativos. A garantia alimentar pode ser assegurada por uma capilaridade de informações, via sites, sindicatos, associações, formação de fóruns permanentes ativos, redes de troca de sementes, cursos e seminários locais e de outras esferas.
(Ecodebate, 26/01/2009) publicado pelo IHU On-line, 23/01/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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