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Brasil pesquisa alga como combustível

Com alguns anos de atraso, o governo brasileiro começa a dar sinais concretos de que incluirá em sua política energética pesquisas com microalgas para a produção de biocombustíveis.

Estudadas há pelo menos 20 anos em iniciativas independentes de pesquisadores brasileiros, esses vegetais microscópicos entraram no foco do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Se antes as pesquisas se limitavam aos setores de cosméticos e fármacos, o interesse volta-se agora para a produção do biocombustível em escala comercial e viável do ponto de vista econômico. Matéria de Bettina Barros, do Valor Econômico, 22/01/2009

O novo item do cardápio de matérias-primas pesquisadas para a produção de biocombustíveis chega com alguns atrativos. Com rápida reprodução e boa produtividade de óleo, as microalgas são vistas como opção plausível de alternativa ao petróleo. Contam ainda com uma vantagem ainda imbatível: reproduzidas em tanques de água marinha, elas não entram em conflito na disputa por terras agrícolas, questão-chave no debate atual.

De olho nesse futuro mercado, o Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnologia (CNPq), vinculado ao MCT e em parceria com o Ministério da Pesca e Aqüicultura, lançou em 2008 um edital inédito para a contratação de projetos com o objetivo de investigar a fundo o potencial das algas para finalidade energética. Sessenta e três projetos foram apresentados, 11 selecionados.

Paralelamente, a Petrobras também dá seus passos. Desde 2006, a estatal trabalha em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), no Rio Grande do Sul, para desenvolver o novo biocombustível. O projeto já entra em sua segunda fase.

“Temos que suprir a necessidade de matéria-prima para a produção de biodiesel, que tire a dependência da soja. E o mais rápido possível”, diz Rafael Menezes, coordenador de ações de desenvolvimento energético do Ministério da Ciência e Tecnologia.

As pesquisas foram divididas em cinco áreas prioritárias: o estudo do potencial de cepas de microalgas; a avaliação das propriedades físico-químicas do biodiesel de algas; os processos mais econômicos e eficientes; a avaliação da viabilidade econômica do cultivo e o desenvolvimento de técnicas para maximizar a produtividade do óleo.

Em dois anos, o CNPq investirá o total de R$ 4,5 milhões em busca das respostas de ao menos parte das perguntas científicas. A primeira delas é também o maior desafio: como produzir combustível de algas a um baixo custo?

“Esse tem sido o maior entrave à produção, aqui e no exterior”, explica Armando Vieira, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos e um dos selecionados no edital. Por isso, diz ele, é que ações recentes envolvendo o combustível de alga são simbólicas – marketing, acima de tudo.

Vieira refere-se ao vôo demonstrativo realizado no início deste ano pela companhia aérea americana Continental Airlines, que colocou no ar um avião com um quarto do combustível oriundo de uma mistura de pinhão-manso e algas. “O processo para a produção de combustível de algas ainda é muito caro. Não é viável hoje para realizar vôos. Se quiserem, eu também faço esse combustível. Mas vai ser uma fortuna. US$ 10 por litro”, especula.

As cifras proibitivas devem-se ao processo industrial de concentração, separação e secagem das algas. Por serem extremamente pequenas, com tamanhos que variam de 2 a 200 micrômetros (uma milionésima parte do metro), as algas necessitam ser primeiro aglutinadas para então serem separadas da água. Isso só é possível através de filtragem, centrifugação ou por uso de floculantes. Além de técnicas caras, consomem muita energia.

“Uma centrífuga grande chega a custar hoje algo como US$ 100 mil. Filtros, US$ 5 a unidade. E são necessários centenas”, afirma Paulo César Oliveira, da FURG.

Oliveira pertence à equipe de cientistas que desenvolve as pesquisas com algas para a Petrobras. Durante a primeira fase do projeto, os pesquisadores coletaram espécies nativas do Rio Grande do Norte e identificaram 40 espécies de microalgas. “Ainda estão sendo realizados estudos para verificar se entre elas há novas ocorrências em relação as 30 mil já catalogadas pela ciência”, afirma, em nota, a estatal.

Nos próximos 24 meses, o desafio do grupo será o escalonamento da produção, passando dos experimentos atuais com três mil litros de água para tanques maiores, de 10 mil litros. “A idéia é tirar até três quilos de algas por litro d’água, no período de dez dias”, diz o pesquisador.

A previsão de quando o combustível de algas estará no mercado é uma incógnita. Pesquisadores mais adiantados falam em uma década. No exterior, a corrida pelo “petróleo verde” dá passos mais largos. Nos Estados Unidos, a expectativa do setor privado é de produzir o biocombustível em metade desse tempo.

E por uma razão simples. Ali, as microalgas são usadas há décadas na produção de encapsulantes e na aqüacultura, para alimentar peixes e outros animais. Com a crise do petróleo, nos anos 70, o governo adotou a estratégia de estimular a aplicação desses organismos marinhos para a produção de energia a partir da biomassa, na tentativa de reduzir a dependência pelo óleo. Linhas de investimento especiais foram criadas pelo Departamento de Energia, resultando em dezenas de pesquisas do setor privado e universidades .

A boa notícia é que, superado o problema do custo de produção, o combustível de alga terá, com efeito, uma vantagem competitiva. Diferentemente de outras oleaginosas, as microalgas se reproduzem de forma exponencial. Mantidas em tanques rasos, elas conseguem se duplicar em qualquer tipo de água, da salgada à salobra. Seu principal alimento é o dióxido de carbono (CO2), o que lhes confere um segundo papel de “comedoras” de gases que afetam o ambiente.

Outra vantagem, como já se disse, é que as microalgas não competem com outras culturas. Portanto, seu cultivo não exige o deslocamento de áreas tradicionalmente voltadas para a alimentação humana (um argumento forte sobretudo nos Estados Unidos, onde o milho é a matéria-prima para o etanol).

Pesa ainda a sua produtividade. A soja, principal base do biodiesel no Brasil, rende de 400 a 600 quilos de óleo por hectare e tem apenas um ciclo por ano. O girassol produz de 630 a 900 quilos. Mas uma pesquisa recente do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense indica que microalgas encontradas no litoral brasileiro têm potencial energético para produzir 90 mil quilos de óleo por hectare. É uma interessante nova frente de ação.

“Estamos falando de algo novo e que até pouco tempo atrás era totalmente ignorado. Muitas pessoas achavam que eu perdia tempo com estes assuntos ‘estranhos’. Agora tudo mudou”, conta Sergio Lourenço, pesquisador da Universidade Federal Fluminense, responsável pelo estudo. “Perdemos terreno por nunca ter investido o suficiente nessa frente”.

[EcoDebate, 24/01/2009]

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