(rio São Francisco) Um rio refém do mercado, artigo de Ruben Siqueira
Esgoto in natura no rio São Francisco, nas proximidades de Juazeiro.
[Ecodebate] A Agência Nacional de Águas (ANA) reduziu a vazão mínima do Rio São Francisco até o final de abril de 2009. De 1.300 metros cúbicos por segundo, a vazão mínima passará a 1.100 m³/s, abaixo dos reservatórios de Sobradinho (BA) e Xingó (AL e SE). A decisão visa guardar água para “segurança adicional ao sistema elétrico”. O mesmo se deu em dezembro de 2007. Naquela ocasião, Sobradinho tinha 12,8% de sua capacidade.
Funcionários da Companhia. Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) segredaram que a estatal estava vendendo energia à Argentina.
Qual será a razão agora? A decisão foi tomada entre representantes da ANA, do Ministério de Minas e Energia, do todo-poderoso Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), da Chesf, da Codevasf, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), além de representantes de governos estaduais. Quer dizer, entre o Estado e o mercado. Ou estas agências reguladoras regulam seus setores em favor de outros interesses que não sejam os grandes? Pescadores, pequenos agricultores “vazanteiros” ou irrigantes, e as comunidades tradicionais, quem defende os usos que fazem do rio, radicalmente inviabilizados com a redução da vazão? Os pescadores estão em pleno período de defeso, proibidos de pescar para garantir a reprodução dos peixes. Reprodução que terá menos água, evidenciando que para a Chesf não tem defeso! Não é de hoje que o São Francisco é refém da produção de energia, pela Chesf e suas seis grandes barragens, mais a Cemig (Três Marias).
Uso principal que se sobrepõe e subjuga os demais.
Diz-se que a moderna gestão das águas avança no País, no rastro dos quase 12 anos da Lei 9.433/97.
Pequenos agricultores e pescadores são considerados espécies em extinção. Para eles, o Estado e o mercado reservaram pouquíssimas opões: migração, emprego de piscicultor ou exoticidade para ecoturistas. O mercado já percebeu que pescador artesanal não serve para piscicultor, pois é extrativista; e foi buscar nas caatingas o criador de bode para dar a espécies exóticas, como a tilápia, ração à base de soja transgênica.
Governos estaduais pretendem construir uma ponte sobre a foz, para estender a Linha Verde pelo litoral nordestino acima. Mirabolante complexo hoteleiro está sendo planejado.
Ali, uma construtora tenta tomar terras da União cheias de manguezais, ocupadas por antigas comunidades de pescadores. E não faz cerimônia em usar de toda violência contra as comunidades.
Movimentos populares, ambientalistas e estudiosos defendem que a gestão das barragens do São Francisco tem de se submeter à prática de uma vazão ecológica, que garanta as condições de vida no rio e contenha o avanço do mar já de 50 km. Na foz, o farol do Cabeço, que o mar vai engolindo, testemunha do “desenvolvimento” antinatural e anti-humano, virou ponto turístico – triste fim.
Ruben Siqueira é Sociólogo, Agente Pastoral Comissão Pastoral da Terra / Bahia, colaborador e articulista do EcoDebate.
[EcoDebate, 21/01/2009]
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