(combate ao trabalho escravo) Xavier Plassat, irmão dos demais
Frei Xavier Plassat, foto do Le Monde
Uma casa monacal. A expressão nasce espontaneamente vendo os muros sem reboco embranquecidos com cal, os degraus feitos com tijolos e tábuas de madeira, a cozinha que não é uma cozinha, o tanque de lavar roupas à mão… Nesse caso, a comparação não é inadequada: é um monge, um dominicano de 59 anos, Xavier Plassat, que vive nessa construção sumária em Araguaína, uma cidadezinha brasileira no Estado do Tocantins, no centro do país, às margens da Amazônia.
A reportagem é de Jean-Pierre Tuquoi, publicada no jornal Le Monde, 30-12-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Frei Plassat é um caso à parte. Há 20 anos, já tendo entrado para os dominicanos, esse rapaz de boa família católica, plurigraduado, rompia as amarras e deixava a França, seu país natal, para uma vida “austera, mas gratificante” ao serviço de uma casa: a dos agricultores sem-terra e dos trabalhadores bóias-frias ligados a grandes propriedades agrícolas, aqueles que são pudicamente chamados no Brasil de trabalhadores escravos. “Eu gosto de me comprometer nas lutas do mundo, tomar posição”, diz. “É preciso saber subverter a ordem constituída. E ajudar os sem voz a falar no mesmo nível com os potentes”.
Por que o Brasil? O itinerário do dominicano remete a uma página obscura da história do país, quando estava sob a bota dos militares que perseguiam os opositores. Entre eles, exatamente outro dominicano, Tito de Alencar, que, depois de meses de tortura, encontrou refúgio na França, onde, nunca tendo-se recuperado das perseguições sofridas, suicidou-se em 1974, aos 28 anos de idade. Organizando o retorno dos restos mortais daquele que se tornou seu amigo íntimo, Xavier Plassat tomou consciência do seu futuro país de adoção.
Desde então, as coisas mudaram, mas nessa parte do Brasil – tão grande quanto a metade da França – frei Plassat está em terra de missão. Coberta por savana arbórea, a região vive como se vivesse nos tempos do Far West. As fazendas, alguma delas que cobrem milhares de hectares, são os pontos de referência de uma paisagem sem relevos, os rebanhos de gado – principal produto de exportação –, a base da riqueza. Os proprietários de terra são os senhores. E os agricultores são uma mão-de-obra desfrutável à vontade. Trabalhando duro para ganhar o equivalente a sete ou oito euros por dia. O seu sonho é o de poder cultivar, um dia, um pedacinho de terra tomado necessariamente dos latifundiários.
O religioso é o aliado deles. Que trata de advertir a administração federal contra o desfrute da mão-de-obra desorganizada ou de reclamar a aplicação da reforma agrária. O dominicano está ali, ao seu lado, como esteve, uma vez, Bartolomé de Las Casas, capelão dos conquistadores no século XVI, que assumiu a defesa dos indígenas da América. “É um dos meus inspiradores. Ele também pertencia à ordem dos dominicanos”, destaca Xavier Plassat, vestido com uma camiseta que celebra “a aliança entre os trabalhadores da terra e os estudantes”.
Na metade de dezembro, o dominicano recebeu, por parte da presidência da república, o Prêmio Nacional dos Direitos Humanos. E, algumas semanas antes, uma ONG norte-americana, Free the slaves (Libertem os escravos) deu uma recompensa à organização animada por Xavier Plassat, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), pelo seu trabalho.
“Os prêmios são algo que serve como proteção. São dados também por isso”, comenta o religioso. A observação não é anódina. A algumas centenas de quilômetros, um outro dominicano, Henri Burin des Roziers, também ele defensor dos rejeitados e marginalizados, vítimas do “desenvolvimento”, vive noite e dia sob a proteção da polícia. Em 2005, uma religiosa norte-americana, membro ativo da CPT, Dorothy Stang, era morta por dois assassinos contratados naquela mesma região. É à sua memória que a Comissão Pastoral dedicou o prêmio recebido pela ONG norte-americana.
Apesar dos prêmios e do início de notoriedade que o acompanha, Xavier Plassat permanece um rebelde. Já o era na França, nos anos 70, quando, jovem dominicano, havia recusado completar os estudos que teriam feito dele um padre. “Ser padre, ou seja, o último diploma. É uma visão da Igreja à qual não posso aderir. Eu tinha um bloco político, ou teológico. Então, permaneci aquilo que se chama de um frei ‘convertido’. Não é frequente. Na França, são considerados pouco inteligentes”, explica com gosto o homem que é titular de graduações em Ciências Políticas e em Ciências Econômicas e de um “diplome” pelo exercício da profissão de contabilista comercial.
Quarenta anos depois, continua contestando a ordem constituída. Quando fala de Lula, o chefe do estado brasileiro – que encontrou por ocasião da entrega do Prêmio Nacional dos Direitos Humanos –, é sem considerações particulares. Mesmo reconhecendo no dirigente a vontade política de lutar contra a escravidão moderna, Xavier Plassat se diz sem ilusões sobre as opções fundamentais do governo. “O modelo de desenvolvimento não é colocado em discussão”, diz, sentado no seu escritório decorado com um manifesto do Che.
O religioso, que se encontra na teologia da libertação nascida no final dos anos 60, é bem mais severo quando fala da Igreja oficial e dos seus representantes locais. Reprova-lhe o fato de se basear nos cargos, de defender os ricos e de se esquecer dos pobres. “Não há mais uma mensagem, a não se o de uma obediência a regras discutíveis”. Indica que, há anos, Roma manda para esta região nada mais do que bispos cuja principal preocupação é, sobretudo, a de não provocar reações. “Temos uma Igreja que quer ‘distribuir sacramentos’ para contrastar o desenvolvimento dos pentecostais. Sinto-me sempre mais incômodo”.
O desamor terminará com um divórcio? “Não”, assegura uma das suas amigas francesas, Dominique Marcon. “Mas ele é um homem de convicções profundas. Quer que as coisas vão para a frente. Foi estando ao seu lado, antes da sua partida para o Brasil, que compreendi o que era um religioso comprometido com o século”. Mesmo que não haja separação em vista, a distância é real.
A Igreja oficial se mantém à distância de uma Comissão Pastoral da Terra considerada aflitiva, que foi, porém, batizada por aquela nos anos 70, à época da ditadura. “Hoje, constata o dominicano, é sempre mais difícil reconhecer-se como uma instituição ligada à Igreja. Não somos mais convidados à assembléia pastoral diocesana. Somos considerados uma ONG laica”.
Mantida às margens, a Comissão Pastoral da Terra tem sempre mais dificuldade para equilibrar a balança, já diminuída. Algumas associações de cooperação do norte da Europa enviam um pouco de dinheiro, mas não o suficiente. A CPT vive em economia.
(Ecodebate, 20/01/2009) publicado pelo IHU On-line, 19/01/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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